Exercícios aeróbios devem fazer parte da rotina de treinamento de qualquer pessoa que busca melhorar a saúde, a capacidade funcional e o desempenho físico ou esportivo. Aquilo que nos habituamos a chamar de “exercício aeróbio” é, na verdade, definido como uma atividade que pode ser sustentada por períodos prolongados.
Variar as zonas de intensidade do exercício aeróbico é uma das maneiras de evoluir nos treinos Foto: only_kim/Adobe Stock
Para entender esse conceito, é importante lembrar que nem todo exercício pode ser mantido por longos períodos. Se você sair correndo muito rápido, em sua velocidade máxima (ou próximo dela), logo irá se cansar e interromper a corrida após ter percorrido alguns poucos metros. Isso ocorre porque esse tipo de exercício é feito em uma intensidade muito alta, de tal forma que ele não permite estabilidade metabólica. A consequência é a produção de diversas substâncias (produtos do metabolismo muscular) que contribuem para a fadiga e levam à incapacidade momentânea de manter o exercício.
Já o exercício aeróbio, em contraste, é sustentável justamente porque é realizado em estado estável, metabolicamente falando. E o que determina se um exercício ocorre de forma estável ou não é a sua intensidade. Esforços abaixo de determinada intensidade são sustentáveis, enquanto esforços acima dessa intensidade não são. A esse ponto delimitador do metabolismo damos o nome de limiar anaeróbio.
Esse limiar varia de pessoa para pessoa: os mais bem condicionados irão atingi-lo em intensidades elevadas (por isso conseguem correr de forma sustentável em velocidades mais altas), e os menos condicionados em intensidades mais baixas (por isso já podem cansar mesmo em um trote leve).
Em ambiente de laboratório, o limiar anaeróbio pode ser determinado de diversas maneiras. As mais comuns incluem testes de esforço progressivo até a exaustão, realizados com máscara para análise do ar expirado — o conhecido teste ergoespirométrico — ou por meio de coletas de sangue na ponta dos dedos para mensurar a concentração de lactato. Esse tipo de teste revela não apenas um limiar, mas dois, que delimitam as famosas zonas de intensidade do exercício. Elas representam nada mais do que o quão intenso e difícil é realizar e manter o exercício.
O planejamento do treinamento aeróbio é normalmente realizado com base na frequência, na duração, no tipo e na intensidade do exercício. Embora todas essas variáveis sejam importantes, há um debate especialmente relevante sobre a intensidade ou, em outras palavras, sobre qual seria a melhor zona para se treinar. Nesse sentido, 11 em cada 10 treinadores de corrida (perdão pelo exagero retórico) irão dizer que o ideal seria treinar na zona 2.
Aqui, esbarramos em um primeiro problema, que é de natureza conceitual. A literatura dessa área é, infelizmente, marcada por uma enorme discrepância na adoção de terminologias, e é quase impossível estabelecer um consenso, mesmo entre os cientistas, sobre qual definição adotar. Logo, quando alguém defende treinos em zona 2, não sabemos com precisão sobre qual intensidade a pessoa se refere, muito embora seja provável que esteja falando de treinos próximos ao limiar 1 (veja o gráfico), ou seja, de intensidade leve ou moderada.
Treinos de intensidade leve ou moderada são, de fato, componentes fundamentais de um bom programa de treinamento aeróbio. Eles normalmente sobrecarregam menos o aparelho locomotor (articulações e tendões agradecem), e permitem acumular volumes maiores de treino (isto é, distâncias percorridas por semana). A saber, o volume de treino aeróbio é um dos mais importantes fatores que determinam os ganhos obtidos com o exercício, sobretudo no que se refere ao melhor funcionamento das mitocôndrias musculares (as organelas que produzem energia).
Outros supostos benefícios de se treinar na zona 2 seriam:
- Maior queima de gordura
- Induzir maior flexibilidade metabólica (ou seja, tornar o corpo mais eficiente na queima de gordura)
Mas, na realidade, não é bem assim que funciona. Intensidades próximas ao limiar 1 são, de fato, as que mais promovem queima de gordura. No entanto, isso não representa nenhuma vantagem objetiva, nem mesmo para os que almejam perder gordura. Já afirmei isso em outras colunas, e reitero: o quanto se queima de gordura durante o treino nada tem a ver com o quanto se perde de gordura corporal em médio e longo prazo.
Já sobre a maior indução de flexibilidade metabólica, isso não passa de uma crença sem embasamento científico. Ao contrário, alguns estudos sugerem que intensidades mais altas são melhores do que as mais baixas para tornar o organismo mais eficiente em queimar gordura.
No fim das contas, não significa que você deva deixar de treinar na zona 2. Essa continua sendo a base do treinamento aeróbio. Mas é importante destacar que variar intensidades e volumes, muitas vezes aumentando o esforço e se exercitando na zona 3, também oferece muitas vantagens, em especial quando o objetivo é se tornar capaz de correr mais rápido e melhorar o desempenho aeróbio.
Do ponto de vista prático, é fácil reconhecer a zona 3, pois você fica muito ofegante, e manter tal nível de esforço logo se torna impossível. No entanto, diferenciar a zona 1 da zona 2 pode ser um pouco mais difícil, especialmente para os menos habituados. Mas uma dica pode ajudar: pense em uma escala de 0 a 10, em que 0 significa repouso (nenhum esforço) e 10 um esforço máximo, extremamente intenso. Se você percebe um exercício abaixo de 4, deve estar na zona 1; se for abaixo de 7, provavelmente está na zona 2. E se considerar entre 8 e 10, é provável que esteja na zona 3.