Quem busca na xícara de chá uma aliada para o sono tranquilo, além de uns bons goles na infusão escolhida precisa também tomar algumas precauções. Não são todos os tipos que têm o potencial de auxiliar o descanso — algumas opções podem inclusive surtir o efeito oposto.
É o caso do chá verde e do chá mate, que, devido à presença da cafeína na composição, mais atrapalham do que ajudam quem quer dormir.
Componentes e qualidade da planta são critérios para a escolha do chá ideal Foto: Pixel-Shot/Adobe Stock
Outras substâncias a serem evitadas por quem deseja descansar são as metilxantinas e a teobromina, presentes no cacau e no guaraná, diz a farmacêutica bioquímica Ana Flávia Marçal Pessoa, pesquisadora do Laboratório de Plantas Medicinais, Nanocarreadores e Nutrição da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
E quanto aos componentes indicados para promover o sono? A especialista conta que alcaloides de ação calmante e hipnótica são bem-vindos, assim como os terpenos (fontes para a produção dos óleos essenciais) e compostos fenólicos. “Aqui, destaco os flavonoides, que dão cor e sabor às plantas e alimentos”, especifica.
Além da composição, outro aspecto que Ana Flávia ressalta é a qualidade da matéria vegetal. Para isso, ela orienta a compra de chás corretamente armazenados, sem exposição direta à luz, calor e oxigênio.
Chás que auxiliam o sono
De acordo com a Associação Brasileira do Sono (ABS), 73 milhões de pessoas no País enfrentam quadros de insônia. Diante desse cenário, pesquisadores têm investigado a ação de algumas plantas em distúrbios do sono.
Ana Flávia, por exemplo, estuda o extrato de Silybum marianum (silimarina) associado a outras substâncias. “Embora o estudo seja realizado com suplemento, e não com preparações extemporâneas (como infusões, decocções e macerações), podemos sugerir que os compostos derivados das plantas são excelentes nutrientes para as bactérias probióticas do intestino, que produzem os psicobióticos atuantes no sistema nervoso central como sedativos, ansiolíticos e calmantes”, diz a pesquisadora.
Em relação aos chás já conhecidos por ajudarem no sono, especialistas destacam cinco variedades: camomila, erva-cidreira, maracujá, mulungu e valeriana.
- Camomila (Matricaria recutita L.)
Apesar de ter origem na Ásia e Europa, hoje a camomila pode ser encontrada em todos os continentes. Para sua infusão, utilizam-se as flores e folhas secas, que são partes ricas em flavonoides. Esses compostos têm ação sedativa, sendo a apigenina o mais abundante deles.
“A camomila tem uma ação gabaérgica, ou seja, ela atua nos receptores GABA, promovendo a indução de sono. É rica em azuleno, em ácido rosmarínico e outras substâncias que têm ação leve para o sono”, explica Vanderlí Marchiori, nutricionista especialista em fitoterapia e fundadora da Associação Paulista de Fitoterapia (APFIT).
Apesar de a camomila ser segura para consumo, Nilsa Sumie Yamashita Wadt, que coordena do Grupo Técnico de Trabalho de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo (CRF-SP), faz um alerta: “Ela não é indicada para pessoas que têm problemas de coagulação porque tem cumarina (composto de ação anticoagulante)”.
- Erva-cidreira (Melissa officinalis L.)
Assim como a camomila, Vanderlí conta que a erva-cidreira também age sobre os receptores GABA. A planta originária do Mediterrâneo e da Ásia, entretanto, tem um perfil diferente. “Ela tem fitoquímicos que promovem não só uma leve indução, mas melhoram a manutenção de ondas de sono mais profundas.”
Nilsa acrescenta que a Melissa officinalis L. é mais eficaz no efeito sedativo do que sua variante brasileira, que tem aparência de arbusto e é cientificamente chamada de Lippia alba. “É um cuidado que devemos ter: reconhecer a planta para saber qual é a verdadeira e entender a ação que ela tem”, salienta.
Nas infusões cujo objetivo é auxiliar o sono, é possível aproveitar tanto as folhas secas quanto as frescas dessa planta.
- Maracujá (Passiflora incarnata L.)
Tendo origem nas Américas, Ásia e Oceania, o maracujá é outra opção de chá com ação gabaérgica. Vanderlí explica que ele é rico em compostos harmânicos, que, além de ajudarem na indução do sono, também impactam na fase REM, marcada por intensa atividade do cérebro.
Mas, para alcançar esse efeito, é preciso selecionar a parte correta da planta. Segundo Nilsa, essa parte corresponde à folha seca, não à versão fresca ou ao fruto em si.
“Uma substância que pode ser tóxica na forma fresca da folha são os compostos cianogênicos, que impedem a respiração celular”, conta Nilsa. Esse efeito negativo tende a aparecer quando o consumo ocorre em grandes quantidades.
- Mulungu (Erythrina mulungu)
Nativo de diferentes regiões brasileiras, o mulungu se destaca pela presença de alcaloides, compostos geralmente associados a efeitos ansiolíticos e sedativos.
“O mulungu é rico em erivelutinona, um fitoquímico com ação muito importante para induzir o sono”, diz Vanderlí. “De todas essas opções, eu prefiro o mulungu porque ele é mais eficaz, seguro e também tem uma ação hepatoprotetora.”
Já Nilsa alerta que um dos maiores cuidados na hora da escolha do chá é a possibilidade de falsificação. “Como são caules, às vezes o pessoal não pega a parte correta”, relata.
Diferentemente dos chás citados até aqui, o mulungu tem uma estrutura mais rígida e, por isso, o preparo não é feito através da infusão, mas sim com a decocção.
- Valeriana (Valeriana officinalis L.)
Desde a Antiguidade, essa planta é indicada para casos de insônia, chegando a ser prescrita por Hipócrates, médico grego considerado o pai da medicina. Com o avanço da ciência, estudos constataram que ela influencia o neurotransmissor GABA, sendo usada no tratamento não só distúrbios do sono como de ansiedade.
Dentre seus principais componentes estão o ácido valerênico e os valepotriatos, ambos com ação sedativa.
Originária da Europa e da Ásia, a planta tem como traço marcante o cheiro forte. “Brinco que é um cheiro de chulé, de queijo gorgonzola e nada agradável para se tomar o chá, mas ela funciona muito bem”, diz Nilsa.
Nos chás, as partes utilizadas são o rizoma e a raiz da planta e, assim como o mulungu, a bebida é feita por decocção.
Contraindicações
Dois dos principais cuidados apontados em estudos e pelas especialistas na hora de consumir o chá dessas plantas são os efeitos adversos e as interações com medicamentos.
“A principal contraindicação é a interação que a maioria delas tem com os benzodiazepínicos (medicamentos que diminuem a atividade do sistema nervoso central). Então, se a pessoa faz uso de medicações dessa categoria, ela precisa ter aval médico, seja para fazer um ajuste de dose ou para usar a planta medicinal em conjunto”, orienta Vanderlí.
Segundo Ana Flávia, esse cuidado se baseia nos possíveis efeitos hipnóticos que podem surgir da interação das bebidas com medicamentos psicoativos.
A orientação médica também é importante, no caso do mulungu e da valeriana, pelo potencial de ação dessas plantas sobre o sistema nervoso central.
Além disso, a pesquisadora ressalta outro aspecto: o tempo de uso. “Deve ser de 15 a 30 dias, com orientação de um profissional de saúde que irá reavaliar a necessidade de continuidade ou troca da planta escolhida para que se obtenha o efeito desejado sem prejuízo a outros órgãos, como fígado, intestino e rins.”
O prazo existe porque, de acordo com Ana Flávia, cada indivíduo pode responder de uma forma. “Na prática clínica, observamos que depois de 30 dias de uso contínuo do mulungu, por exemplo, o paciente já relata uma não-resposta fisiológica”, explica.
Como preparar chás para dormir?
Há duas maneiras possíveis para preparar os chás apresentados nesta matéria, de acordo com a parte utilizada da planta. “A infusão é feita com folhas delicadas e macias, flores e frutas, como é o caso da camomila, erva-cidreira e folha do maracujá”, diz Ana Flávia.
Modo de preparo do chá depende da parte da planta utilizada Foto: Cookie Studio/Adobe Stock
Nilsa complementa que, por apresentarem estruturas mais finas e frágeis, essas três plantas precisam receber água quente e ficar em um recipiente fechado. “Você coloca água quente, tampa, o óleo volátil responsável pela ação sedativa evapora, bate na tampa, condensa e volta para o sistema”, explica. A partir disso, ela recomenda a ingestão desses chás na temperatura morna ou fria, nunca quente. “Senão, você vai respirar os óleos e não ingeri-los”, justifica.
Já os chás de mulungu e valeriana são feitos por decocção. “Para folhas coriáceas, caules, rizomas e raízes basta colocar a matéria vegetal escolhida no recipiente com água, deixar ‘ferver’ por um intervalo de 3 a 5 minutos, tampar e aguardar de 5 a 10 minutos”, orienta Ana Flávia. Após o preparo, é necessário coar e ingerir a bebida em até 30 minutos.
Por fim, uma dica importante: “A água na temperatura de 100 ºC degrada os compostos aromáticos, principalmente os terpenos”, diz Ana Flávia. Por isso, a orientação é que a temperatura de preparo fique entre 80 ºC e 90 ºC.