No mundo do skincare, passar o protetor solar é aquele hábito unânime, quase como escovar os dentes: não dá para pular. Mas e além desse produto? Com tantas promessas nas prateleiras, e uma enxurrada de dicas nas redes sociais, fica difícil saber o que realmente vale o investimento.
Ao Estadão, oito dermatologistas contam não só o que recomendam aos pacientes, como também o que usam na própria pele. E, no mesmo tom de sinceridade, revelam ainda o que evitam, consideram superestimado ou simplesmente já deixaram de utilizar.
Especialistas alertam que não existe fórmula única: o cuidado com a pele precisa ser individualizado, considerando tipo, sensibilidade, rotina e até fase da vida Foto: tatyanarow/Adobe Stock
Paola Pomerantzeff
Dermatologista, membro da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Dermatológica (SBCD)
- De dia, vitamina C. À noite, ácidos — mas com moderação
Um produto que não abro mão de usar e indicar é a vitamina C tópica. Ela tem ação antioxidante, combatendo o estresse causado por sol, poluição, cigarro, e ajuda a prevenir o fotoenvelhecimento. Também estimula a produção de colágeno e atua na pigmentação, o que é ótimo para tratar manchas, como as do melasma. Uso pela manhã, antes do protetor solar. Eu costumo indicar em sérum para peles oleosas ou em creme para peles mais maduras.
À noite, gosto muito do uso de ácido retinóico (uma forma ativa da vitamina A). Para peles mais sensíveis, recomendo começar com o retinol (uma versão mais suave que se converte em ácido retinóico na pele), aplicando duas a três vezes por semana, e aumentando conforme a tolerância. Sempre à noite, pois esses ativos aumentam a sensibilidade ao sol.
- Superestimado? Niacinamida (em excesso)
É meio polêmico, mas, na minha opinião, a niacinamida (uma forma da vitamina B3) é um produto superestimado. Não que ela não funcione — tem ação anti-inflamatória e atua na pigmentação —, mas virou moda e passou a ser indicada para tudo: acne, melasma, rugas, poros… Assim como roupa, a dermatologia não escapa dos modismos. E acho que esse boom da niacinamida tem muito a ver com o marketing nas redes sociais, com influenciadores mais jovens, que têm uma pele ótima e mostram resultados imediatos com qualquer produto.
Como disse, não é que seja um mau ativo. Mas é preciso entender que, para tratar poros dilatados, por exemplo, só skincare não resolve. Isso está ligado ao envelhecimento e exige uma combinação de tratamentos dermatológicos. Não dá pra vender como se fosse solução para tudo. É aquela velha máxima ‘aquilo que é usado para tudo, precisa ser passível de desconfiança’.
Flávia Brasileiro
Dermatologista e membro da SBD
Para mim, o produto mais importante do skincare é, sem dúvida, um bom creme hidratante. Quando a pele não está bem hidratada, muita coisa desanda. A camada mais externa da pele, chamada córnea, perde a coesão, o que faz com que o brilho natural vá embora, a luminosidade diminua… E mais: a função imunológica da pele também piora. Isso a deixa mais vulnerável a alergias, como dermatite de contato, rosácea, infecções por fungos ou bactérias — sem falar no risco maior de manchas e envelhecimento precoce. Eu costumo dizer que uma pele desidratada é como uma parede exposta ao sol e sem pintura: fica muito mais sensível a tudo.
Na minha rotina, eu uso o hidratante duas vezes ao dia, logo depois de lavar o rosto com um sabonete adequado para o meu tipo de pele. E tem um momento especialmente bom para aplicar: logo depois do banho. Nessa hora, a camada córnea está menos compacta, e a pele absorve melhor tanto os hidratantes faciais quanto os corporais.
Entre os ingredientes dos hidratantes, os que mais valorizo são: ceramidas, niacinamida, fito-hormônios e alfa-hidroxiácidos.
- Água micelar e géis à base de ácido hialurônico? Nem tanto…
Já no time dos superestimados, colocaria a água micelar — tanto como agente de limpeza quanto como reguladora do pH. Muita gente usa só ela achando que está fazendo uma limpeza completa, o que nem sempre acontece. Isso é ainda mais problemático para quem usa muita maquiagem: nesse caso, funciona ainda menos.
Também tenho certa resistência com aqueles produtos superleves em gel à base de ácido hialurônico. O ácido hialurônico é uma macromolécula e, muitas vezes, não penetra bem na pele — acaba ficando mais na superfície. E aí o que acontece? Ele pode acabar “puxando” a água da própria pele, deixando a sensação de ressecamento. Por isso, é importante saber quando e como usar o ácido hialurônico tópico, e entender que nem toda formulação vai funcionar igual para todo mundo.
Elizabeth Senra
Dermatologista e membro da SBD regional São Paulo
- Trio infalível: filtro, limpeza e vitamina C
Se tivesse que escolher um único produto indispensável, seria o protetor solar. Ele é o único antienvelhecimento que realmente previne, bloqueando os danos da radiação ultravioleta, como degradação do colágeno, alterações no DNA e formação de rugas e manchas. Uso todos os dias, sempre após a vitamina C, que potencializa o efeito do filtro e melhora a luminosidade da pele.
Também não abro mão de uma limpeza suave. Esses três — filtro solar, limpeza e antioxidantes — são uma fórmula robusta contra o envelhecimento. É difícil imaginar deixar algum deles de fora. Gosto de usar uma metáfora para explicar: o filtro solar é como um guarda-chuva; a vitamina C, um escudo interno; e a limpeza, o pano que remove a sujeira acumulada.
- Ácido salicílico sem freio, não
Um ativo que considero frequentemente superestimado e não sou adepta é o ácido salicílico. Ele tem, sim, seu papel, especialmente no controle da oleosidade e no tratamento da acne em peles jovens ou com tendência à obstrução. Mas o que eu percebo é um uso indiscriminado, inclusive por pessoas com pele seca, madura ou sensibilizada, o que pode provocar o efeito oposto: irritação, sensibilidade e até comprometimento da barreira cutânea.
Vitamina C é produto mais indicado pelos especialistas (ao contrário do ácido hialurônico) Foto: LIGHTFIELD STUDIOS/Adobe Stock
Muitos pacientes chegam ao consultório com a pele fragilizada pelo uso excessivo do ácido salicílico, acreditando que estão promovendo uma limpeza profunda. Mas, em peles mais sensíveis ou envelhecidas, essa esfoliação constante acaba irritando e impedindo o uso de outros ativos mais eficazes no combate ao envelhecimento, como o ácido retinóico, a vitamina C ou o ácido glicólico.
Katleen Conceição
Dermatologista especializada nos cuidados com a pele negra. Autora do livro “Dermatologia para Pele Negra” (Editora Manole)
- Glicólico e cor: combo da pele negra
Dois produtos que não abro mão para os cuidados com a pele negra são o sabonete com ácido glicólico e o filtro solar com cor. O ácido glicólico promove renovação celular, melhora a textura e ajuda a uniformizar o tom da pele. Eu uso todos os dias pela manhã.
Já o filtro solar com cor tem um papel duplo: protege contra a radiação ultravioleta e também contra a luz visível, que é um dos principais agravantes da hiperpigmentação em peles mais escuras. Além disso, ajuda a disfarçar as manchas e contribui para uma aparência mais uniforme.
A vitamina C é um ativo importante, mas nem sempre é indicada para todo tipo de pele. Muitas pessoas com pele oleosa ou acneica podem apresentar reações, não pela vitamina C em si, mas pelo veículo do produto — seja ele em creme ou sérum. Peles brasileiras, no geral, tendem a ser mais oleosas, então é preciso cuidado na escolha da formulação. No meu caso, prefiro usar a vitamina C associada a outros ativos, e não na forma pura.
Juliana Kida
Formada pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro da diretoria da SBD
- Sabonete certo e vitamina C: a dupla vital
Para mim, o produto indispensável é um bom sabonete. Tenho pele oleosa, então uso um sabonete específico para esse tipo de pele, todos os dias, de manhã e à noite. Sempre lavo o rosto com água fria e com esse produto.
O sabonete líquido facial deve ser individualizado de acordo com o tipo de pele de cada pessoa. No meu caso, como a pele é oleosa, sigo com um sabonete que ajuda a controlar essa característica.
Outro item que considero indispensável é a vitamina C tópica. Por ter ação antioxidante, ela realmente protege a pele — ajuda o protetor solar na defesa contra a radiação ultravioleta, atua na prevenção do envelhecimento e ainda tem efeito clareador. É um produto que uso diariamente: aplico antes do protetor solar e, em alguns dias, também à noite.
Um ativo que deixei de prescrever e usar é a hidroquinona (um despigmentante usado para tratar melasma). Durante muitos anos, ela foi amplamente utilizada no tratamento do melasma, mas hoje contamos com clareadores mais eficazes e muito mais seguros.
O uso prolongado dessa substância pode causar efeitos indesejados, como manchas brancas ou até manchas mais escuras, que são muito difíceis de tratar. Por isso, não utilizo mais na minha prática clínica, nem no dia a dia.
Denise Steiner
Dermatologista pelo Hospital das Clínicas da USP. Também é especialista em hanseníase e possui pós graduação em saúde pública. Fundadora da clínica Stockli e Steiner
- Retinoides + vitamina C: prevenção do envelhecimento da pele
Eu gosto muito dos retinoides — ácido retinóico, retinol e retinaldeído. Eles atuam em receptores específicos da pele, controlam a oleosidade e estimulam a produção de colágeno e renovam as células, ajudando a diminuir rugas finas e manchas. Por serem fortes, podem causar sensibilidade no início, então recomendo usar à noite, começando com duas vezes por semana e aumentando gradualmente, sempre junto com um bom hidratante para evitar ressecamento. Considero esse ativo um dos principais para prevenção do envelhecimento da pele. Sou fã.
Também uso e indico bastante a vitamina C. O único problema é que ela oxida rápido e não chega no alvo com tanta precisão — o que significa que, possivelmente, ainda não temos produtos que entreguem o potencial dessa substância por completo. Ainda assim, estamos falando de um produto com ótimas características e que não abro mão.
- Niacinamida: sozinha, tem potencial limitado
Um ativo que considero superestimado é a niacinamida. Hoje em dia, ela está presente em uma grande variedade de cosméticos — clareadores, anti-idade, hidratantes — e acabou ganhando muito destaque. De fato, ela tem propriedades interessantes, como ação anti-inflamatória e potencial clareador, mas acredito que foi supervalorizada. Na prática, quando usada isoladamente, os resultados são limitados.
O que aconteceu foi que os laboratórios começaram a lançar produtos com niacinamida como ativo principal, muitas vezes sem combinar com outras substâncias que potencializam o efeito. E esses produtos acabaram não entregando o que prometiam. A meu ver, a niacinamida funciona melhor quando está associada a outros ativos, mas sozinha não traz grandes mudanças na pele.
Jardis Volpe
Médico pela USP e especialista em dermatologia pela SBD. Conhecido por apostar em tecnologias não invasivas para retardar envelhecimento com foco em aspecto natural da pele
- Menção honrosa para o colágeno marinho
Uma coisa que eu gosto muito e recomendo para todos os meus pacientes acima dos 35 anos são os peptídeos bioativos de colágeno, especialmente o colágeno marinho. Esses peptídeos são absorvidos de forma eficiente pelo organismo e têm a capacidade de sinalizar para a pele que ela deve aumentar a produção natural de colágeno — ou seja, é um estímulo de dentro para fora. Eles também ajudam a melhorar a produção de ácido hialurônico (substância naturalmente presente no organismo), o que se reflete em mais hidratação, firmeza, turgor, redução de linhas finas e até mais uniformidade no tom da pele, por conta do efeito antioxidante.
Costumo recomendar o uso à noite, antes de dormir. Se for em pó, diluído em um copo d’água; se for em comprimidos, vale usar longe das refeições noturnas. É um dos poucos suplementos que vejo trazer resultados perceptíveis na qualidade da pele.
- Ácido hialurônico: muito hype para pouco efeito
Um produto que eu considero superestimado é o ácido hialurônico tópico. Apesar de ser uma substância que já existe naturalmente na nossa pele, isoladamente ele não tem o alto poder de hidratação que muitas marcas prometem. Para que tenha um efeito realmente eficaz, ele precisa estar associado a outros ativos que reforcem a camada camada mais superficial da pele, como as ceramidas e o esqualano.
Anderson Costa
Dermatologista pela USP e especialista em cuidados com a pele negra
- Vale: thiamidol para clarear manchas
Um produto que gosto muito é o thiamidol (ativo clareador e anti-manchas). Como pessoa de pele negra e que atende muitos pacientes com pele negra, posso dizer que uma das principais queixas nesse grupo é a hiperpigmentação — as manchas escuras que surgem por diversos motivos: exposição solar, melasma, hiperpigmentação pós-inflamatória, como no caso de acne, dermatites ou irritações.
O thiamidol tem uma ação no clareamento dessas manchas porque inibe a tirosinase, enzima importante para a produção de melanina. Eu também considero um bom produto para uniformização do tom da pele. Recomendo o uso duas vezes ao dia: uma primeira camada no rosto todo e uma segunda, localizada apenas nas manchas, para potencializar o efeito clareador.
- No time dos questionáveis, o ácido hialurônico é escalado novamente
Um produto que considero superestimado e não costumo recomendar é o ácido hialurônico em cosméticos tópicos. O que acontece é que o ácido hialurônico tem um uso consagrado na dermatologia, mas na forma injetável, como preenchedor. Essa aplicação clínica traz resultados visíveis na redução de rugas e na estruturação do rosto.
A indústria cosmética muitas vezes se apoia nessa fama e sugere que um sérum ou creme com ácido hialurônico tópico teria o mesmo efeito preenchedor. Mas isso não é verdade. Embora o ácido hialurônico seja um bom hidratante, ele não consegue preencher rugas ou provocar rejuvenescimento profundo quando aplicado topicamente.
O problema é que essa expectativa irreal, alimentada pelo marketing, gera frustração nos pacientes. Muitos compram o produto acreditando que ele trará os mesmos resultados de um procedimento dermatológico injetável. E do ponto de vista da hidratação, temos outras substâncias que funcionam melhor.
Nem tudo que reluz é ouro
Na opinião da dermatologista Denise Steiner, a ciência dos cosméticos ainda enfrenta desafios. “Muitos produtos que fazem sucesso têm, na verdade, apenas uma boa textura, cheiro agradável e embalagem sofisticada, mas, em termos de ação real na pele, funcionam apenas como hidratantes”, afirma.
Ela explica que o que realmente modifica a fisiologia cutânea são os chamados cosmecêuticos [produtos que se situam entre cosméticos e medicamentos], como os retinoides, que têm uma ação terapêutica. “É importante entender essa diferença para não se deixar levar apenas pelo marketing”, orienta.
Além disso, os especialistas alertam que não existe fórmula única — o cuidado com a pele precisa ser individualizado, considerando tipo, sensibilidade, rotina e até fase da vida. Se há um consenso, é que conhecimento técnico e orientação profissional fazem toda a diferença, bem como os hábitos de vida, como a alimentação, redução do tabagismo e aumento dos exercícios físicos.
Na dúvida sobre qual produto incluir (ou excluir) da rotina, o melhor caminho continua sendo consultar um médico. Afinal, quando o assunto é pele, como a especialista alerta, nem tudo o que brilha no frasco realmente entrega o que promete.