Ressaca é um tema que inspira muitas receitas. Chás, remédios, doces… Depois de exagerar no álcool, é comum se apegar a soluções caseiras para tentar aliviar as consequências. No entanto, desconfortos como dor de cabeça e náusea são respostas complexas do organismo. Sendo assim, será que tais medidas funcionam? E, afinal, por que ocorre esse mal-estar?
“Ter ressaca significa que você bebeu muito mais do que devia. E quanto mais álcool, mais ressaca”, adianta o hepatologista Roberto José de Carvalho Filho, membro da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH).
Por isso, não há muita saída: a melhor forma de evitar os incômodos é reduzir o consumo. Além disso, é mais fácil falar em prevenção do que em curas, segundo especialistas.
A ciência da ressaca
O endocrinologista Clayton Macedo, integrante da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), explica que, ao ser ingerido, o álcool viaja para o fígado, onde é metabolizado e sofre alterações.
Por lá, a substância é convertida em acetaldeído, um composto altamente tóxico. É esse subproduto o principal responsável por sintomas como náuseas, dores de cabeça e mal-estar geral.
Além do acetaldeído, dois outros fatores agravam o desconforto: a desidratação e a hipoglicemia (queda brusca nos níveis de açúcar no sangue). Elas podem ocorrer em consequência do consumo de álcool e, embora não sejam as causas principais, contribuem para a ressaca.
Como reverter os efeitos da toxina é uma tarefa complicada, o foco no alívio dos sintomas recai sobre a prevenção dessas duas condições.
Água entre as doses: aliada, mas não milagrosa
“Um dos principais mitos é o de que beber água entre as doses previne a ressaca”, alerta Macedo. O médico diz isso porque, embora a água entre na lista dos fatores que realmente podem ajudar, ela sozinha não evita ou resolve o problema.
O seu principal trunfo é evitar uma desidratação no dia seguinte, que ocorre porque o álcool inibe o hormônio antidiurético, responsável por reter líquidos. Isso faz com que o corpo elimine mais água pela urina, daí a importância de se reidratar.
Além disso, Carvalho Filho explica que ingerir bastante água entre as doses reduz a velocidade de absorção do álcool, o que pode evitar uma maior produção de subprodutos tóxicos. Mas há ressalvas: “Mesmo que alguém se hidrate muito, ainda poderá ter ressaca”.
Alimente-se
Embora os impactos variem de pessoa para pessoa, a ciência destaca vários fatores que explicam o desconforto pós-consumo de álcool. Um deles é a relação entre dieta e ressaca.
Em primeiro lugar, o jejum acelera a absorção do álcool, portanto, é importante se alimentar antes de beber. Segundo, comer alimentos ricos em carboidratos durante e após o consumo de bebidas alcoólicas pode diminuir a severidade dos sintomas.
Macedo explica que os carboidratos fornecem energia e retardam a absorção do álcool, o que evita a hipoglicemia — condição por trás dos tremores, vertigem, calafrio, visão embaçada e fome que podem ocorrer na ressaca.
Alguns exemplos de alimentos ricos em carboidratos são pães, cereais, arroz, batata-doce, milho, tapioca e mel.
Beba com moderação
A tolerância ao álcool e a intensidade da ressaca mudam de pessoa para pessoa, devido a fatores diversos, inclusive genéticos e de gênero.
As mulheres tendem a ser mais sensíveis aos efeitos da substância. Pessoas de ascendência asiática também. Além disso, adultos jovens têm maior sensibilidade do que pessoas mais velhas.
Por outro lado, o risco de ressaca diminui se você beber mais devagar e ingerir no máximo duas doses, diz Carvalho Filho — cada lata de cerveja ou taça de vinho equivale a uma dose. Ainda assim, algumas pessoas já se sentem mal com essa quantidade.
Remédios podem ajudar?
“Apesar da existência de inúmeras estratégias populares e mesmo de medicamentos supostamente eficazes para tratar uma ressaca, sinto dizer que nada disso é baseado em evidências científicas”, alerta Carvalho Filho.
Segundo o hepatologista, mesmo os medicamentos que prometem proteger o fígado dos efeitos do álcool “simplesmente não têm qualquer efeito benéfico comprovado”.
O mesmo vale para os chamadas aceleradores de metabolismo, segundo Macedo. “Os estudos sobre eles são muito limitados”, diz.
Assim, o que se recomenda é o uso de analgésicos e medicamentos para dor de estômago e enjoo em casos de sintomas, sempre sob orientação médica. Além disso, eles sugerem alimentação leve e hidratação adequada.
No fim, diz Macedo, o melhor remédio é a paciência. “Eu sei que tem toda uma cultura popular, mas o que faz passar a ressaca é o tempo.”
Para Carvalho Filho, o mais relevante é evitar não somente a ressaca, mas qualquer consequência nociva do uso de álcool. “Três pontos são fundamentais: prevenir é mais importante; se beber qualquer quantidade de álcool, não dirija; e se os sintomas forem mais intensos, procure um médico.”