Estamos na chamada estação seca nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, época do ano em que o clima é frio, seco e com pouca precipitação. Para se ter uma ideia, nos meses de abril a setembro, chove na região Sudeste apenas 20% do volume pluviométrico anual. As chuvas, dentre tantos papeis que cumprem no meio ambiente, são particularmente importantes para o controle da poluição atmosférica. As gotas de água levam consigo o que chamamos de matéria particulada, tirando-a do ar e devolvendo-a ao solo, em um processo conhecido como deposição úmida.
Grupos de trabalho governamentais aconselham que se evite a prática de exercícios em locais poluídos Foto: dragonstock/Adobe Stock
Esse processo retira do ar, em especial, uma mistura de partículas sólidas e gotículas, além de alguns gases poluentes. Na escassez de chuvas, reduz-se a deposição úmida, e o acúmulo de matéria particulada na atmosfera passa a ser visível. Embora esse material possa deixar as cores do pôr do sol mais intensas, nosso corpo sente os efeitos do aumento da concentração de poluentes na atmosfera. Em uma sociedade dependente da queima de combustíveis fósseis, em que há um enorme adensamento populacional nos centros urbanos e queimadas frequentes em zonas rurais, a qualidade do ar se deteriora rapidamente em tempos de seca, e aumentam os casos de problemas de saúde decorrentes da poluição.
A matéria particulada não é sempre igual, sua composição pode variar bastante. Mas é normalmente feita de compostos inorgânicos (sulfatos, nitratos, amônio e metais), orgânicos (monóxido de carbono) e biológicos (bactérias, pólen, esporos e vírus). Ela também é composta por partículas de diferentes tamanhos. As maiores são geralmente menos agressivas à nossa saúde, já que são mais facilmente eliminadas pelos nossos “sistemas de filtração” naturais. As menores, por outro lado, causam preocupação, pois podem ser absorvidas pelos pulmões, alcançar a circulação e ser distribuídas a outros órgãos.
Impactos da poluição na saúde
Em 1952, a cidade de Londres, na Inglaterra, testemunhou os graves efeitos da poluição sobre nossa saúde. De 5 a 9 de dezembro daquele ano, uma grossa neblina decorrente das emissões das fábricas e casas tomou conta das ruas, levando a um aumento súbito de mais de 150% nos registros de doenças respiratórias.
Mas a poluição não afeta apenas nosso sistema respiratório, e os danos podem se estender a diversos outros tecidos. Após o incidente de Londres, mais de 12 mil mortes acima do normal foram registradas entre dezembro e fevereiro de 1952. Isso mostra que, além das crises respiratórias agudas, a poluição causa outros efeitos que podem demorar mais tempo para se manifestar. Corroborando essa ideia, diversos estudos mostram que há aumento de internações e mortes por causas cardiovasculares subsequentes ao aumento dos níveis de matéria particulada na atmosfera, e que o risco de morte por eventos cardiovasculares aumenta em 13% para cada acréscimo de 10 microgramas de matéria particulada fina por m3 de ar.
Podemos treinar em dias de maior poluição?
Diante desse cenário, é natural questionar se, em condições de aumento na poluição atmosférica, devemos ou não nos exercitar. Afinal, aumentar a frequência respiratória e a frequência cardíaca enquanto respiramos ar poluído poderia, paradoxalmente aos efeitos benéficos do exercício, aumentar a exposição aos poluentes tóxicos da atmosfera e gerar efeitos negativos. E o termo “paradoxo” não poderia ser mais apropriado para descrever a relação exercício-poluição. Enquanto a poluição exacerba inflamação, piora a função das artérias e aumenta processos de danos celulares chamados de estresse oxidativo, o exercício físico reduz a inflamação, melhora a função arterial e aumenta as reservas antioxidantes (que protegem contra o estresse oxidativo). Logo, fazer exercício confere certa proteção aos prejuízos causados pela poluição, mas a questão central é: e se o exercício for feito em um ambiente poluído?
Estudos em animais têm mostrado que a exposição crônica à matéria particulada fina compromete parte das adaptações positivas que são observadas com o treinamento físico.
Em humanos, os estudos são mais escassos, mas alguns já mostram que as respostas metabólicas são diferentes (e tendem a ser piores) quando o exercício ocorre em um ambiente poluído em comparação com um ambiente com ar filtrado. Outros mostram piores respostas cardiovasculares e inflamatórias a uma sessão de exercício quando realizada sob alta concentração de poluentes. Já os efeitos crônicos dessa combinação permanecem pouco compreendidos, embora possamos especular que treinar repetidamente sob poluição possa, no mínimo, ser menos efetivo do que treinar em locais com ar mais puro.
Ainda não existem diretrizes claras sobre como proceder em relação ao treino em dias e locais com alta concentração de poluentes, mas grupos de trabalho governamentais já se posicionam aconselhando que se evite a prática de exercícios em locais poluídos.
Embora esse tipo de recomendação possa soar estranho (afinal, quem recomendaria evitar a prática de exercícios?), é importante salientar que isso se refere apenas a ambientes poluídos e que a recomendação é buscar locais com melhor qualidade do ar, como é o caso de ambientes fechados que utilizam filtros de ar (presentes, por exemplo, nos aparelhos de ar-condicionado). Exercite-se sempre, mas escolha com sabedoria os locais para se exercitar, sobretudo na temporada de ar seco e poluído.