Este artigo foi escrito por Antonios Lazanas, diretor de pesquisa quantitativa de portfólio, índices e sustentabilidade, e Changxiu “Sue” Li, gerente de produto do setor de analytics de portfólio de renda fixa da Bloomberg.
A incerteza sobre a política comercial dos EUA vem causando grande turbulência nos mercados financeiros de todo o mundo. Este artigo tem como objetivo revisar a recente performance dos mercados de renda fixa e ações e oferecer sugestões sobre como utilizar as ferramentas de modelagem de portfólio PORT para posicionar portfólios diante de uma potencial recessão. As ferramentas PORT utilizadas neste estudo incluem MSR (relatório de estrutura de mercado), MAC HPA (atribuição de desempenho), MAC3 GRM (modelo de risco) e análise FBS (cenário baseado em fatores).
Antes de nos aprofundarmos nas questões de desempenho, analytics, previsões de risco e análise de cenários, vamos recapitular o que vem acontecendo nas últimas semanas. Em 2 de abril, o governo dos Estados Unidos anunciou sua nova política de tarifas recíprocas, que aumentou substancialmente a tributação imposta sobre os bens importados para os EUA. A nova política motivou a imposição de taxas recíprocas pelos parceiros comerciais do país, desencadeando um movimento de venda generalizada no mercado global de ações de 3 a 8 de abril. Em 9 de abril, o governo dos EUA anunciou uma suspensão de tarifas por 90 dias para a maioria de seus parceiros comerciais. Tal anúncio desencadeou uma expressiva valorização no mercado acionário norte-americano, e os títulos registraram o maior ganho percentual diário desde 2009. Os títulos do Tesouro dos EUA haviam se recuperado inicialmente em 3 e 4 de abril, após o colapso inicial do mercado de ações, mas, diante da expectativa de possíveis alienações de títulos da dívida pública norte-americana de longo prazo por bancos centrais estrangeiros, esses títulos despencaram, com os rendimentos de longo prazo subindo mais de 50 pontos-base de 7 a 11 de abril. Ambos os mercados de ações e renda fixa se estabilizaram e reverteram essa tendência posteriormente.
Desempenho dos principais índices
A Figura 1 mostra o desempenho diário dos principais índices globais de ações. A venda generalizada no mercado de ações começou em 3 de abril com o índice B500 (que espelha de perto o desempenho do índice SPX), seguida por uma reversão do mercado em 9 de abril. Para colocar isso em contexto, o retorno diário de -4,83% do B500 em 3 de abril representa um evento de 5,3 desvios-padrão, com base na previsão de risco ex-ante do modelo MAC3 diário.
Do lado da renda fixa, os índices de alto rendimento e de mercados emergentes espelharam os mercados de ações, enquanto índices de maior qualidade eram impulsionados principalmente por taxas de juros. Mais especificamente, o índice de high yield dos EUA recuou 0,94% em 3 de abril — um valor inferior ao observado nos mercados acionários, mas que ainda representa um evento de 5 desvios-padrão, segundo a previsão de risco do modelo MAC3 diário. Os índices US Treasury, US MBS e US Investment Grade Credit apresentaram ganhos em 3 e 4 de abril, mas registraram grandes perdas nos dias subsequentes, quando as taxas de juros aumentaram fortemente. A variação de 51 pb na taxa de 10 anos entre 7 e 11 de abril representa um movimento de 3,5 desvios-padrão, de acordo com a previsão de risco ex-ante do modelo MAC3 semanal.
Utilizando o perfil de duração por taxa-chave de cada índice de renda fixa, podemos isolar o impacto dos movimentos nas taxas de juros (“retorno da curva”) e estimar o excesso do retorno das taxas de juros (“retorno em excesso”) como a diferença entre o retorno total e o retorno da curva. Ambos os índices US High Yield e Emerging Markets USD evidenciaram retornos em excesso negativos relativamente grandes, em conjunto com o colapso do mercado de ações em 3 e 4 de abril, ultrapassando o retorno da curva positiva (Figura 3).
Entre 2 e 8 de abril, o spread dos títulos do Tesouro no índice de high yield dos EUA aumentou em 120 bps, configurando um evento de 6,4 desvios-padrão, conforme a projeção de risco ex-ante do modelo MAC3 semanal. De forma correspondente, o spread do índice Emerging Markets USD se ampliou em 40 pontos-base (equivalente a 6 desvios-padrão), enquanto o do índice US Investment Grade Credit aumentou em 20 pontos-base (4 desvios-padrão), conforme ilustrado na Figura 4. O spread do índice US MBS não foi significativamente afetado.
Correlação dos principais fatores MAC3 GRM
No passado, durante eventos de aversão ao risco, as correlações entre ativos de risco aumentaram significativamente, enquanto as correlações entre ativos de risco e ativos de refúgio se tornaram fortemente negativas. Também se observa esse padrão em correlações de fatores de risco. Por exemplo, as correlações entre o fator mercado de ações e fatores de spread de crédito subiram fortemente, enquanto as correlações desses fatores em relação aos fatores de taxa de juros se tornaram significativamente mais negativas.
Na Figura 5, apresentamos a evolução da correlação entre o fator US Equity Market e o fator US High Yield Core Spread, conforme estimado pelo modelo de risco MAC3 para três horizontes diferentes: diário, semanal e mensal. É interessante observar que a correlação prevista pelo modelo diário começou a partir de um nível muito mais baixo em relação aos outros dois modelos, cerca de 0,5 para diário versus 0,75 para mensal, mas subiu para 0,6 no final de março. Na primeira semana de abril, todos os três modelos responderam em sincronia, elevando suas estimativas de correlação para cerca de 0,8, um nível consistente com episódios anteriores de aversão ao risco. É digno de nota que todos os três modelos responderam simultaneamente, embora com diferentes amplitudes (ao contrário de modelos de risco tradicionais, que utilizam janelas retrospectivas simples), como resultado dos algoritmos avançados do modelo MAC3.
Na Figura 6, observa-se a correlação entre o fator US High Yield Core Spread e o fator US Yield Curve Core para os mesmos três horizontes de modelo. Chama a atenção que, após o movimento inicial de flight-to-quality (busca por ativos de mais segurança), que levou a correlações mais negativas, os três modelos apresentaram rápida reversão, com as estimativas de correlação ficando menos negativas que nos níveis pré-crise, sugerindo apreensão quanto aos títulos dos EUA.
Previsão de risco dos principais índices
O modelo MAC3 oferece estimativas de risco em seis horizontes: diário, semanal, mensal, trimestral, anual e longo prazo. A Figura 7 ilustra as mudanças nas estimativas de risco para os principais índices em diferentes horizontes. O modelo diário projeta um risco mais alto em todos os índices, com a estimativa para índices de ações mais do que dobrando entre 2 e 10 de abril. Em contraste, os aumentos de risco previstos pelo modelo anual são mais atenuados.
Cenário de fatores – visão macroeconômica
Em períodos de incerteza de mercado, a análise de cenários macroeconômicos é uma ferramenta útil de gestão de risco para avaliar o desempenho dos portfólios em contextos alternativos ao cenário econômico atual, que alimenta modelos de risco. Os cenários macroeconômicos são convertidos em cenários de fatores de base do MAC3, que são então utilizados para estimar a performance do portfólio pela ferramenta de cenários de fatores, funcionalidade que será incorporada ao modelo de risco MAC3. A conversão utiliza o Bloomberg Macro Economic Model (SHOK), um modelo de equilíbrio geral semi-estrutural. O SHOK identifica nove impulsionadores macroeconômicos que explicam as mudanças no PIB e na inflação e determinam a evolução dos fatores de mercado PORT.
A seguir, aplicamos essa metodologia para criar um cenário que representa o impacto da incerteza financeira sobre os retornos de portfólio. O modelo SHOK identifica a incerteza como um fator macroeconômico fundamental. Calibramos o SHOK para o fator de incerteza causar uma queda de 1% nas expectativas de crescimento do PIB em um ano.
Sob esse cenário, que corresponde a um aumento no VIX de cerca de 40%, o modelo SHOK prevê um aumento de 9,8% no preço do petróleo, uma queda de 9,0% nas ações dos EUA, uma queda de 12,2% de ações em euros, um aumento de 17,2% nos spreads de alto rendimento e uma queda de 46 pb nas taxas de juros dos EUA. Utilizando esses valores como entrada, construímos um cenário baseado em fatores no modelo MAC3 (Figura 8) e o aplicamos para estimar o retorno dos principais índices em 2 de abril de 2025.
A Figura 9 ilustra os retornos de cenário de dez principais índices, compararando-os com os retornos cumulativos realizados ao longo de dois dias, 3 e 4 de abril. Os retornos de cenário estão alinhados com os retornos reais dos principais índices, indicando que o declínio de 1% no PIB foi consistente com a reação inicial do mercado.
Processo de QA MAC3 durante turbulências do mercado
Nas últimas semanas, nosso sistema de validação de modelo MAC3 (MVAL) respondeu prontamente aos movimentos significativos do mercado, identificando várias exceções a serem investigadas. Quando os spreads de HY saltaram mais de 50 pb em 3 de abril, a volatilidade de vários fatores de spread de HY em dólares americanos aumentou acentuadamente em vários setores. À medida que a turbulência se espalhou para outros mercados globais, a MVAL reportou movimentos significativos nos fatores (mais de 5 desvios-padrão) em mais modelos, incluindo créditos em AUD, JPY e EUR. Posteriormente, à medida que as taxas de longo prazo dos EUA aumentaram e o spread entre os títulos de 10 e 2 anos atingiu seu nível mais alto desde março de 2022, o MVAL indicou rompimentos de limite nos fatores de nível e inclinação da curva de juros para várias das principais moedas. Após cada quebra de limite do MVAL, as entradas e saídas do modelo são revisadas e validadas em relação aos movimentos reais do mercado. Enquanto isso, grandes fatores de discrepância são tratados usando a metodologia de winsorização MAC3, aprimorando a consistência do modelo contra tais perturbações e assegurando a alta qualidade das estimativas de risco exigidas pelos participantes do mercado durante períodos de turbulência.