De água quente com limão em jejum a comer de três em três horas para acelerar o metabolismo, não faltam mitos quando o assunto é alimentação. Muitos desses hábitos se popularizam por modismos ou promessas de resultados rápidos, mas carecem de base científica. A crença em informações distorcidas pode não só frustrar quem busca emagrecer ou melhorar a saúde, como também criar uma relação confusa e ansiosa com a comida.
Por isso, o acompanhamento nutricional individualizado é fundamental. Um nutricionista qualificado ajuda com orientações práticas, respeitando as necessidades, a rotina e a história de cada pessoa. Mais do que seguir regras rígidas ou dietas da moda, comer bem envolve conhecimento e apoio profissional para construir hábitos sustentáveis a longo prazo.
Veja abaixo quais são os principais mitos envolvendo alimentação que chegam aos consultórios de nutricionistas.
A crença de que leite é inflamatório faz muita gente abandonar um alimento acessível e nutritivo Foto: Dragana Gordic/Adobe Stock
1- ‘Leite é inflamatório’
A crença de que o leite é um alimento inflamatório se espalhou nos últimos anos, especialmente nas redes sociais, mas não encontra respaldo na ciência. A nutricionista Lara Natacci, diretora clínica da Dietnet e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban), esclarece que, ao contrário do que se imagina, o leite tem efeito anti-inflamatório comprovado em estudos recentes – exceto em casos específicos, como alergia à proteína do leite de vaca, condição rara que pode, de fato, provocar reações inflamatórias no organismo.
Outra situação que leva as pessoas a acreditarem que o leite inflama é a intolerância à lactose, mas, segundo Lara, ela não está relacionada à inflamação sistêmica. Nesse caso, há deficiência de uma enzima que digere a lactose, o açúcar natural da bebida. Por causa disso, ocorrem desconfortos intestinais como gases, inchaço e diarreia.
A nutricionista ressalta que a generalização de que o leite faz mal à saúde não apenas desinforma, como também pode levar à exclusão desnecessária de um alimento rico em nutrientes importantes, como cálcio, proteínas e vitaminas do complexo B.
2- ‘Glúten engorda e inflama’
A ideia de que o glúten engorda ou causa inflamação tornou-se um dos mitos mais comuns sobre alimentação. No entanto, essa crença também não encontra respaldo científico. O glúten é uma proteína naturalmente presente no trigo, na cevada e no centeio, e seu consumo é seguro para a maioria das pessoas.
Quem realmente precisa evitar o glúten são os portadores de doença celíaca, uma condição autoimune em que essa proteína provoca inflamação no intestino, além de indivíduos com alergia ao trigo ou sensibilidade ao glúten, que podem apresentar desconfortos gastrointestinais. Fora esses casos específicos, não há evidências de que o glúten cause inflamação generalizada ou esteja associado ao ganho de peso.
“Para quem não tem doença celíaca ou sensibilidade diagnosticada pelo médico, não existe nenhum potencial inflamatório do glúten”, afirma Lara. A nutricionista Tarcila Campos, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, reforça: “Esse é um mito comum. Fora os casos específicos, o glúten não causa prejuízo à saúde.”
O problema, segundo Tarcila, é que ao excluir o glúten sem necessidade, a pessoa pode reduzir o consumo de alimentos ricos em fibras e vitaminas do complexo B, nutrientes presentes em cereais como trigo. Isso pode levar a uma alimentação menos variada e nutricionalmente empobrecida.
Como explica Lara, “o ganho de peso está muito mais relacionado ao excesso calórico e ao consumo exagerado de alimentos ricos em açúcar e gordura do que à presença do glúten em si. Não há razão para cortá-lo da dieta sem diagnóstico médico. Manter uma alimentação equilibrada e variada é sempre a melhor escolha”, afirma.
3- ‘Para emagrecer é preciso passar fome’
Outro mito bastante difundido quando se trata de perda de peso. Segundo a nutricionista Desire Coelho, colunista do Estadão, é muito comum que algumas pessoas cheguem ao consultório achando que precisam se privar da comida para alcançar resultados, quando, na verdade, a fome é um sinal essencial de que o corpo precisa de nutrientes.
“Emagrecer comendo é totalmente possível, desde que a alimentação seja equilibrada e adaptada à rotina da pessoa”, informa.
Ela explica que o corpo possui diferentes apetites – por proteínas, fibras, micronutrientes – e, quando não são supridos, o organismo intensifica a fome como uma forma de compensação. Por isso, acrescenta a nutricionista, dietas monótonas, muito restritivas e pobres em variedade podem, paradoxalmente, levar ao ganho de peso, justamente porque o corpo continua “procurando” os nutrientes ausentes.
Além disso, passar fome ativa mecanismos compensatórios que, com o tempo, dificultam ainda mais o emagrecimento. A chave está em identificar alimentos que proporcionam saciedade, como os ricos em fibras e proteínas, manter uma boa hidratação e respeitar as necessidades individuais. O emagrecimento saudável vem do equilíbrio, e não da privação.
4- ‘Carboidrato é inimigo’
Por muito tempo, os carboidratos carregaram a fama de inimigos das dietas, especialmente em estratégias voltadas ao emagrecimento. No entanto, a ciência nutricional mostra que essa má reputação é infundada. De acordo com Lara, o nutriente é fonte essencial de energia, principalmente para o cérebro. “O carboidrato precisa ser consumido na quantidade adequada para a saúde do indivíduo”, observa.
Eliminar completamente os carboidratos da alimentação pode causar sintomas como falta de energia, fadiga e dificuldade de concentração. Ou seja, o problema não está no nutriente em si, mas no consumo desequilibrado.
Outro ponto importante diz respeito ao tipo escolhido. Os especialistas indicam priorizar os chamados carboidratos complexos, representados por alimentos como cereais integrais, frutas, legumes, verduras e leguminosas, por exemplo. É que eles concentram fibras e possuem baixo índice glicêmico, ou seja, favorecem a liberação gradual da glicose no sangue. O alto teor de fibras ainda ajuda na manutenção dos bons níveis de colesterol. Também apresentam vitaminas, minerais e compostos bioativos benéficos.
Já os carbodiratos simples, encontrados em bebidas açucaradas, doces e muitos itens ultraprocessados, tendem a causar flutuações rápidas da glicose no sangue e levar a desequilíbrios metabólicos.
A nutricionista Tarcila Campos, do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, reforça que dietas com menor teor de carboidratos podem funcionar para algumas pessoas, mas não são a única estratégia eficaz para perda de peso. “O mais importante é o equilíbrio calórico, a qualidade dos alimentos e a adesão ao plano alimentar individualizado”, ressalta.
5- ‘Bebida destilada não engorda’
A ideia de que bebidas destiladas, como vodca, gim ou uísque, não engordam é balela. Embora essas opções tenham menos carboidratos do que uma cerveja ou caipirinha com açúcar, isso não significa que sejam isentas de calorias, muito pelo contrário.
“É verdade que bebidas destiladas têm menos carboidratos, mas elas ainda são calóricas. O álcool tem 7 kcal por grama”, descreve Tarcila. Além disso, o consumo de álcool pode aumentar o apetite, dificultar o controle alimentar e impactar negativamente o metabolismo e a saúde como um todo.
Outro ponto importante levantado pela especialista é que não existe bebida alcoólica ou dosagem que traga benefícios à saúde. Ou seja, nenhum tipo de álcool deve ser considerado inofensivo, mesmo em pequenas quantidades. Para Tarcila, “na nutrição, o contexto importa, e personalizar a orientação faz toda a diferença”.
6- ‘Dietas restritivas sempre funcionam’
A ideia de que fazer dieta é sempre eficaz para emagrecer ainda é amplamente difundida, mas está longe de refletir a realidade da maioria das pessoas. Desire alerta que um dos maiores mitos é acreditar que, se alguém não consegue emagrecer ou manter o peso com uma dieta, o problema está na falta de força de vontade.
“A gente vive numa era em que as pessoas acham que fazer dieta é a solução para perda de peso. E, sim, há indivíduos que conseguem manter o peso perdido depois, mas é uma minoria”, observa. “Muitos estudos mostram que, entre um a cinco anos após o início da dieta, apenas 10% a 20% das pessoas conseguem sustentar o peso perdido, ou seja, de 80% a 90% recuperam tudo, e muitas ainda ganham mais”, adiciona.
Se fosse para considerar um medicamento com esse nível de eficácia, provavelmente ele nem seria indicado. Mesmo assim, o discurso em torno das dietas continua forte, alimentado por redes sociais que exaltam casos de sucesso isolados e os transformam em referência.
Desire também destaca que o peso corporal é fortemente influenciado pela genética, com o IMC (Índice de Massa Corporal) sendo determinado de 60% a 80% por fatores genéticos. Isso mostra que emagrecimento vai muito além de “força de vontade” e que estratégias sustentáveis precisam respeitar a biologia e a individualidade de cada pessoa.
7- ‘Sucos detox limpam o organismo’
Muito populares nas redes sociais e em dietas da moda, os chamados sucos detox são vendidos como soluções rápidas para “limpar o organismo”. Mas, ao contrário do que prometem, nenhum alimento tem poder de desintoxicação. Segundo Lara, quem realmente faz esse trabalho é o próprio organismo, especialmente o fígado, além dos rins, intestino e até a pele. “Não tem nenhum alimento que tenha esse poder mágico detox”, afirma.
Isso não significa que os sucos à base de vegetais não tenham seu valor – eles podem ser fontes importantes de vitaminas, minerais e antioxidantes. Mas não corrigem excessos. O que realmente contribui para um organismo saudável, segundo a especialista, é uma alimentação equilibrada, rica em frutas, verduras, legumes e muita água.
8- ‘Todo alimento industrializado é ruim’
Essa crença é comum, mas nem sempre corresponde à realidade. O simples fato de um alimento passar por um processo industrial não o torna automaticamente ruim ou sem valor nutricional.
Há vários alimentos industrializados que oferecem substâncias importantes para o corpo, além de garantirem segurança alimentar, acessibilidade e praticidade para a população. Iogurtes, vegetais congelados, leguminosas enlatadas, pães e cereais integrais, por exemplo, podem fazer parte de uma rotina saudável.
O segredo, segundo Lara, está em avaliar a qualidade do alimento, sua composição, ingredientes e função dentro de uma dieta equilibrada. “A melhor escolha depende do contexto, da quantidade, da frequência de consumo, das necessidades individuais e da leitura atenta dos rótulos”, pontua.
9- ‘Comer de três em três horas acelera o metabolismo’
Durante anos, esse hábito foi promovido como uma estratégia para ajudar no emagrecimento. No entanto, segundo a nutricionista Marcela Kotait, coordenadora do ambulatório de anorexia nervosa do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), essa ideia não tem base científica.
Ela explica que seguir um cronograma rígido de alimentação pode, inclusive, ser prejudicial: “O que a gente sabe, por outro lado, é que esse hábito de comer a cada três horas numa tentativa pré-definida, com a intenção de emagrecer, faz com que o indivíduo se desconecte dos sinais internos de fome e saciedade.”
Além disso, Marcela reforça que não existe comprovação de que o simples ato de comer em intervalos curtos acelere o metabolismo. “Esse número meio mágico, de três em três horas, não se sustenta. Quando se pensa em emagrecimento ou manutenção do peso, o que importa mesmo é a ingestão calórica total ao longo do dia, e não como ela é fracionada”, conclui.
10- ‘Água com limão em jejum emagrece’
Segundo Marcela, esse é mais um conselho sem sentido. “Não existe comprovação de que a água com limão em jejum ajude a perder peso. Isso faz parte de uma série de modismos que tentam oferecer soluções mágicas, muitas vezes ligadas à ideia de alterar o pH do estômago ou do corpo”, explica a especialista.
Marcela alerta que esse tipo de crença se baseia em pseudociência e pode desviar o foco do que realmente importa para o emagrecimento: alimentação equilibrada, consciência corporal e hábitos sustentáveis.
11- ‘Comer gordura engorda’
Marcela aponta que essa ideia é simplista e equivocada. “Na verdade, tudo engorda e nada engorda. O grande ponto é que, quando se come em excesso, tudo pode se transformar em depósito de energia que o nosso corpo vai armazenar em forma de gordura. E o que leva ao ganho de peso é o excesso, independentemente do nutriente”, afirma.
Marcela explica que tanto gorduras como proteínas e carboidratos podem ser convertidos em gordura corporal.
Segundo ela, o mais importante é considerar a quantidade, a frequência e o comportamento alimentar como um todo. “É mais relevante entender como o indivíduo se relaciona com a comida do que demonizar um nutriente específico”, resume.
12- ‘Ovo aumenta o colesterol’
Essa associação já foi desmentida há tempos pela ciência. “O ovo é o grande exemplo do que uma informação mal embasada pode causar: terrorismo nutricional”, destaca Marcela.
De acordo com a nutricionista, o ovo, assim como outros itens demonizados ao longo do tempo, como a manteiga, foi vítima de modismos alimentares. “São alimentos ricos em determinados nutrientes, mas isso precisa ser analisado com equilíbrio, considerando quantidade e frequência de consumo.”
Ela alerta também para o problema de reduzir a comida aos seus nutrientes, um comportamento comum no discurso atual sobre alimentação. “As pessoas não comem mais pão, comem carboidrato; não comem mais carne, comem proteína. Essa codificação afasta o indivíduo de uma relação saudável com a comida”, alerta.
Para a especialista, uma alimentação verdadeiramente equilibrada envolve escuta do corpo, respeito à fome e à saciedade, e escolhas conscientes. “Comer bem não é cortar nutrientes, é construir um hábito alimentar pacífico e sustentável a longo prazo”, conclui.