Eu sempre gostei muito do cinema e da maneira como essa arte pode nos mobilizar para reflexões profundas e transformadoras. E, ao longo de minha trajetória, percebi que muitas vezes é necessário rever alguns filmes, porque a nossa compreensão sobre determinados assuntos vai mudando.
É o caso de “Dança Comigo?”, um filme japonês de 1996. Ele conta a história de um homem com um bom emprego e família carinhosa, que acaba sendo tocado por uma imagem de uma mulher dançando numa sacada. A partir desse momento, o personagem passa a questionar a sua vida, refletindo sobre como ter mais propósito e satisfação. Ele encontra na dança uma nova vontade, uma vida além do trabalho, levando à uma ressignificação de si.
Fico pensando que muitos de nós nunca paramos para pensar sobre questões que podem nos guiar por caminhos melhores. Em geral, seguimos como numa espécie de “piloto automático”, sem uma pausa para respirar e avaliar escolhas.
Enquanto isso, o tempo passa. Ou, como observou muito bem Ziraldo, com toda a sua genialidade: “De repente, fiquei velho.” De olho nisso, te convido a analisar a visita do tempo por meio de quatro perguntas.
Ao longo da vida, é importante parar e refletir sobre certas questões que podem levar a uma mudança de rota, sugere geriatra Foto: allvision/Adobe Stock
1- Você tem receio de falar sobre o seu envelhecimento?
Falamos pouco sobre as transformações do corpo com aqueles que estão ao nosso redor. Muitas vezes nos cobramos para sermos “super-heróis” que, diante da falha ou castração (no sentido psicanalítico), sofremos – e muito.
Conversar e refletir sobre essas questões pode ajudar a criar redes de apoio, a garantir empatia daqueles que amamos, além de nos auxiliar na elaboração de estratégias para um amanhã melhor.
2- Como você se enxerga em 10 anos?
Alguns gestores de empresas fazem essa pergunta na entrevista de emprego com seus candidatos, mas ela pode ser transformadora na vida de todos nós em um contexto mais amplo.
Ao encararmos o envelhecimento como algo ativo, em vez de olhá-lo de forma passiva – como anos que simplesmente passam –, conseguimos humanizá-lo e nos aproximar dele. Assim, pensando em um futuro melhor, incluímos na rotina hábitos mais saudáveis, capazes de garantir autonomia e maior independência.
3- O que você gostaria de saber sobre a vida após os 60?
O envelhecimento é uma das melhores conquistas que vivenciamos neste século. Mas, apesar do ganho de longevidade registrado nos últimos censos populacionais, ainda paira no ar e nas comunidades um preconceito enraizado contra as pessoas idosas, o idadismo. Isso afasta a potência e a pluralidade das pessoas idosas das soluções essenciais para a construção de um mundo melhor. Fora que também dificulta a criação de novas relações, podendo piorar a solidão e o isolamento social dos mais velhos.
Dito isso, pensar sobre a vida após os 60 não só é uma garantia de planos melhores de aposentadoria e de plenitude para aqueles que estão próximos dessa idade, como também pode ajudar na empatia dos que estão longe desse marco.
Como bem disse Simone de Beauvoir, “velho é sempre o outro”. Mas isso pode ser transformado se as pessoas entenderem que velhos somos todos nós, e que o envelhecimento deve ser celebrado.
4- Como falar com quem se ama sobre a finitude?
Por fim, e não menos importante, algo que evitamos sempre questionar e abordar em conversas se refere à finitude. Por mais difícil que isso seja, falar sobre a morte diz mais sobre a vida do que sobre a maneira que pretendemos morrer. Em primeiro lugar, claro, isso ajuda a garantir que nossas vontades sejam atendidas frente a uma doença grave, incurável e ameaçadora da vida. Mas não só: também auxilia a vivermos de outra forma, e não de maneira pueril, fingindo ingenuamente que não iremos partir nunca.
Essa consciência faz a gente amar e se desculpar mais, além de trazer um olhar efetivo para o presente – que, como a própria palavra diz, é o que merecemos no dia de nosso aniversário e no restante do ano.
Caso você não goste de spoilers, é melhor parar por aqui. Embora o nosso protagonista de “Dança Comigo?” encare desafios, incluindo os ciúmes e a desconfiança da esposa, ao final do filme o casal se reconcilia e ela até passa a acompanhá-lo no seu novo hobby. O recado que fica é: a conclusão da história de cada um sempre pode ser reescrita, mas, para isso, é importante se fazer perguntas ao longo do caminho. E elas podem ser tão simples quanto “vamos dançar?”.