Noites maldormidas são inimigas conhecidas da saúde do coração. Mas, quando a rotina é puxada, será que dormir até mais tarde no fim de semana pode mitigar os riscos cardiovasculares? Um novo estudo brasileiro, publicado na revista científica Sleep – uma das principais da área –, sugere que sim.
A pesquisa acompanhou 1.170 adultos com rotina de trabalho das 8h às 17h, sem histórico de doenças cardiovasculares ou fatores de risco prévios. Para muitos, durante a semana, a quantidade de sono deixava a desejar. Mas quem dormia pelo menos 90 minutos a mais no fim de semana apresentava 38% menos risco de calcificação nas artérias coronárias — um marcador precoce de risco de infarto.
Os participantes usaram um dispositivo no pulso por uma semana, registrando seus ciclos de sono e vigília (um exame chamado actigrafia). Depois, mediram o escore de cálcio coronariano. E, cinco anos mais tarde, repetiram o exame.
O resultado concluiu, então, que dormir mais aos finais de semana não foi só um prazer, mas um investimento cardíaco.
Segundo especialistas, dormir bem é fundamental para prevenir irregularidades metabólicas, taquicardia, hipertensão e outros problemas Foto: PheelingsMedia/Adobe Stock
Os resultados do estudo
Durante a semana, a média de sono dos participantes era de 6h55. Mas, para alguns, o tempo de descanso era menor, aumentando aos sábados e domingos. Após as análises, os pesquisadores viram que 19,1% daqueles que recuperavam o descanso no fim de semana desenvolveram calcificação nas coronárias, contra 31,7% dos que mantinham o sono curto.
Isso representa uma redução de 38% no risco de desenvolver a condição entre os que investiam mais de 90 minutos no chamado sono de recuperação.
Além disso, quanto mais sono no fim de semana, menor foi o risco cardíaco documentado. Vale destacar ainda que o impacto positivo desse descanso de reposição foi mais expressivo entre as pessoas que dormiam menos durante a semana.
O cardiologista Luciano Drager, um dos autores do estudo, comenta que o sono compensatório de final de semana – também chamado de catch-up sleep – já é comum na nossa sociedade, mas havia muitas dúvidas sobre seus efeitos à saúde. Agora, com evidências em mãos, o estudo se destaca por trazer respostas inéditas.
Mas há ressalvas. Drager destaca que novas análises devem ser realizadas e que, embora tudo indique que o sono de recuperação traga benefícios para a saúde cardiovascular, isso não significa que o mesmo se aplica para outras partes do corpo, como o cérebro.
A regra continua: dormir bem todos os dias
De acordo com Drager, não podemos nos esquecer de que a regularidade e a boa duração do sono seguem como prioridades.
“Esses achados não servem para estimular que as pessoas pratiquem o catch-up sleep. Mas, se a sua realidade te impede (de ter um sono de qualidade durante a semana), os dados mostram que a compensação pode trazer benefícios”, destaca. Uma parcela da população trabalha de dia e estuda à noite, por exemplo, uma rotina que pode atrapalhar o descanso pleno.
Segundo Agnaldo Pispico, diretor da Sociedade de Cardiologia de São Paulo (Socesp), o sono é um importante período de restauração: quando um sujeito dorme, a sua frequência cardíaca cai, reduzindo também a pressão arterial e hormônios como cortisol e adrenalina – ambos têm ligação com situações de estresse.
“Esse “restart” é totalmente fisiológico, adequado e necessário”, resume. Por outro lado, ficar acordado além do necessário leva ao processo inverso. Daí vem taquicardia, elevação da pressão e inflamação em todo o corpo. “Quando você não tem esse período de descanso, acaba colocando o pé no acelerador da doença cardiovascular”, compara o médico.
Além disso, dormir pouco aumenta o risco de ganho de peso, diabetes, alterações emocionais e arritmias, que são fatores perigosos para o coração.
“Esse trabalho mostra justamente que é possível atenuar os efeitos adversos do déficit de sono semanal”, comenta Pispico. Mas ele destaca que são necessários estudos com outras populações para confirmar os achados.
Mesmo assim, o cardiologista aponta que, se um indivíduo tem o sono desregulado nos dias úteis, vale a pena orientá-lo a descansar mais aos finais de semana.
O sono e a saúde do coração
Rafael Rafaini Lloret, professor do curso de Medicina da Universidade Presbiteriana Mackenzie, conta que, há alguns anos, o sono passou a ser incluído como um dos principais fatores de risco para o coração em uma lista produzida pela Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês).
Ele explica que, quando uma pessoa dorme pouco ou mal com frequência, o organismo entra em um estado de alerta constante. Isso faz com que a pressão arterial suba, o batimento cardíaco acelere e hormônios como cortisol e adrenalina sejam liberados em excesso.
Além disso, falta de sono desorganiza o metabolismo e, assim, o corpo passa a controlar mal os níveis de açúcar e gordura no sangue. Isso favorece o aparecimento de inflamações silenciosas e a formação de placas nas artérias (aterosclerose), aumentando o risco de infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Por isso, a médica Maria Dantas, que atua no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, reforça que o escore de cálcio é apenas um dos marcadores utilizados para avaliar a saúde cardiovascular.
Ela reforça que, embora estudo tenha se concentrado nesse registro específico – algo comum em trabalhos científicos –, é preciso lembrar que os impactos negativos do sono insuficiente vão muito além. “É fundamental olharmos para a saúde do indivíduo de forma integral”, aponta.