A bactéria Streptococcus pneumoniae é uma das principais causas de meningite bacteriana e pneumonia em todo o mundo. Diante da sua periculosidade, pesquisadores do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR) conduziram um novo estudo para entender como o microrganismo responde aos antibióticos mais utilizados no tratamento dessas infecções. O resultado mostrou que, em muitos casos, os medicamentos de primeira escolha não causam mais o efeito esperado.
A principal preocupação é com a ceftriaxona, antibiótico “topo da lista” para tratar meningite, inclusive nas recomendações do Ministério da Saúde. A análise apontou que, em 14% das amostras, o remédio não teve efeito contra a bactéria. Isso significa que um em cada sete casos não teria a infecção controlada com esse tratamento.
Quando se trata da penicilina, um dos medicamentos da classe mais antigos do mercado, a falha sobe para quase 30% dos casos. “Historicamente, o tratamento era feito com penicilina. Com o tempo, a resistência foi aumentando e foi sendo necessário o uso de medicamentos mais potentes”, explica Pedro Peloso, pesquisador do IDOR e gerente de Microbiologia Clínica e Biologia Molecular do laboratório Richet.
Agora, o mesmo parece estar acontecendo com a ceftriaxona. O problema é que, diante de um diagnóstico de meningite ou pneumonia grave, o tratamento precisa ser iniciado imediatamente, mesmo sem a confirmação do tipo exato de bactéria. Além disso, com o cenário de resistência, os médicos podem precisar recorrer a antibióticos mais potentes, que têm maior chance de funcionar, mas também apresentam mais riscos de toxicidade, explica Peloso.
Meningite é uma inflamação das membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal Foto: Crystal light/Adobe Stock
O estudo, que teve os resultados publicados no periódico Critical Care Science, analisou 411 amostras da bactéria, também chamada de pneumococo, isoladas a partir do sangue de pacientes de 16 hospitais de alta complexidade do Rio de Janeiro.
A idade mediana dos participantes foi 46 anos, com 141 crianças e 136 idosos, e as amostras, identificadas utilizando uma técnica chamada de espectrometria de massas, foram submetidas a um teste de sensibilidade a antibióticos.
Para outros tipos de infecção, como pneumonia, foi observada uma resistência de 26% para a associação de sulfametoxazol e trimetoprima e 22% para ampicilina. Além disso, a resistência foi de 8% para penicilina e de 2% para ceftriaxona.
Por outro lado, não foi detectada resistência — nem nos casos de meningite e nem nos de pneumonia — à vancomicina, à linezolida ou à teicoplanina, antibióticos considerados como última linha de defesa.
Para os pesquisadores, os resultados corroboram tratamentos com a combinação de medicamentos. Também indicam um cenário preocupante de resistência bacteriana. “Com a maior resistência, você aumenta a possibilidade de efeitos adversos, o custo desse paciente e a possibilidade de usar um antimicrobiano que não faz sentido até ter o resultado do laboratório”, diz Peloso.
Ele lembra que a automedicação é um dos grandes problemas no que diz respeito à resistência bacteriana. No caso das infecções por pneumococo, porém, a situação pode estar mais vinculada à conduta hospitalar. “É uma infecção relativamente grave. Ela não vai ser tratada na ‘bancada da farmácia’ ou em casa. Geralmente, a pessoa que apresenta sintomas acaba indo para a emergência“, explica Peloso.
Outro problema, ressalta o microbiologista, é a cobertura da vacina pneumocócica abaixo do ideal, favorecendo a maior circulação da bactéria e a infecção por cepas resistentes.
Meningite: riscos e prevenção
A meningite é uma inflamação das membranas que envolvem o cérebro e a medula espinhal. Quando causada por bactérias, como o Streptococcus pneumoniae, a infecção pode ser extremamente grave, levando à morte em menos de 24 horas. Além disso, mesmo entre os sobreviventes, muitos podem ficar com sequelas permanentes.
De acordo com a Sociedade Brasileira de Imunologia (Sbim), a meningite causada pela pneumococo é a segunda mais frequente no Brasil e esta associada a uma letalidade de 30%.
Essa doença acontece quando a bactéria, alojada originalmente na nasofaringe, é transportada pela corrente sanguínea e invade as meninges — membranas que recobrem o cérebro e a medula espinhal —, gerando inflamação.
Ainda de acordo com a Sbim, a melhor forma de evitar a meningite pneumocócica é por meio da vacinação, indicada para crianças já no primeiro ano de vida. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) oferece a vacina pneumocócica conjugada 10-valente (VPC10) no calendário de vacinação infantil, a partir dos 2 meses de idade.
Do ponto de vista da saúde individual, a Sbim recomenda, sempre que possível, o uso da vacina VPC 13, que previne contra três sorotipos adicionais. Ela está disponível somente na rede privada e custa em torno de R$ 280. Geralmente, ela é administrada em quatro doses até 1 ano e 3 meses de idade, dependendo da fabricante.
No SUS, a vacina que protege contra 13 sorotipos de pneumococos está disponível somente para pessoas a partir de 5 anos de idade nas seguintes condições: com HIV/Aids, em tratamento oncológico, transplantados de órgãos sólidos e transplantados de células-tronco hematopoiéticas (medula óssea).