Se você ou alguém da família anda aumentando demais o volume da TV ou tem dificuldade para entender conversas em lugares barulhentos, vale a pena ficar atento. Esses sinais, por mais sutis que pareçam, podem ser indicativos de presbiacusia, a perda auditiva associada ao envelhecimento.
A perda de audição ao envelhecer é um processo natural e bastante lento, porém progressivo e irreversível. Ela é causada pelo desgaste das células auditivas, especificamente as chamadas “ciliadas internas”, responsáveis por transformar ondas sonoras em impulsos elétricos que são enviados ao cérebro, reproduzindo sons.
Além da idade, alguns comportamentos e condições ao longo da vida potencializam a presbiacusia, embora ela tenha uma importante relação com a genética. Entre esses fatores estão o uso prologado de fones de ouvido, exposição a níveis sonoros elevados no trabalho e doenças crônicas como diabetes e hipertensão.
Sintomas
As frequências de sons agudos, os mais importantes para o entendimento da fala, são as mais afetadas em um quadro de presbiacusia. Por isso o principal sintoma é o prejuízo à comunicação.
“O ouvido consegue captar a energia sonora através das vogais, que são mais graves, porém a audição não capta bem os sons das consoantes. Assim, o sujeito escuta, mas a inteligibilidade da fala é afetada”, explica a geriatra Letícia Carvalho, docente da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autora de uma recente coluna sobre o tema.
Essas dificuldades começam a surgir, em média, a partir dos 55 anos. Nessa idade, já podemos precisar de um esforço extra para entender os sons em situações específicas, como conversas sussurradas, ambientes com muito ruído ou em diálogos sem leitura labial, como ao telefone.
“Os primeiros sinais aparecem em ambientes ruidosos ou com acústica ruim, como em missas. Com o tempo, a pessoa começa a aumentar o volume da TV ou rádio para ouvir direito. Depois, surgem indícios de que ela realmente não está entendendo as falas, como pedir para repetir o que foi dito ou não reagir quando chamada”, exemplifica a geriatra.
Buscar ajuda o quanto antes
Apesar de incômodos, esses primeiros indícios da presbiacusia são muitas vezes negligenciados. “Geralmente, as pessoas rejeitam essa condição. Elas dizem ‘não entendo bem as palavras, mas estou escutando’ e adiam a decisão de investigar”, comenta Letícia.
O problema é que, quanto maior a perda auditiva, mais difícil é corrigi-la. Procurar orientação médica o quanto antes é importante porque a privação sonora prolongada dificulta a adaptação aos aparelhos auditivos.
“Quanto mais tempo ficamos sem ouvir bem, mais as vias auditivas se enfraquecem, perdendo a capacidade de processar os sons. Assim, quando a pessoa começa a usar o aparelho auditivo, o som se torna algo novo e as vias auditivas não estão preparadas para lidar com isso”, explica a docente da UFSCar.
Nesses casos, o som pode parecer alto e confuso no início, causando desconforto. Além disso, idosos podem enfrentar dificuldades para se adaptar ao manuseio do aparelho. No entanto, com orientação e tempo, essas barreiras costumam ser superadas, se o uso for iniciado o quanto antes.
Tratamento
A presbiacusia é irreversível. “Não há remédio ou cirurgia para impedir a progressão do quadro, justamente porque essa perda auditiva é causada pelo envelhecimento celular natural”, reforça Letícia. Por isso, o tratamento concentra-se no uso de próteses auditivas para corrigir a deficiência e melhorar a qualidade de vida.
Esses aparelhos aumentam e ajustam os sons conforme a necessidade de cada pessoa. Eles tornam as vozes mais fáceis de ouvir e filtram os ruídos ao redor, ajudando na comunicação.
Mas vale destacar que nem toda perda auditiva com a idade é presbiacusia. Outras condições também podem reduzir a audição, como acúmulo de cera, infecção de ouvido ou doenças sem ligação direta com o envelhecimento. Nesses casos, o problema pode ser tratado com a remoção da obstrução, uso de antibióticos ou outros tratamentos indicados para cada quadro.
Diagnóstico
Para o diagnóstico, o primeiro passo é procurar um geriatra ou profissional de outras áreas médicas, que pode fazer uma triagem e solicitar o exame de audiometria. É esse teste, realizado por fonoaudiólogos ou médicos, que avalia a existência e o grau de perda auditiva.
“Qualquer médico que tenha contato com a pessoa idosa pode pedir o exame em caso de queixa do paciente ou de seus familiares”, diz Letícia.
O rastreio da audição também está previsto na Avaliação Multidimensional do Idoso, realizada pela atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS), englobando a audiometria, o Teste de Sussurro e a avaliação otorrinolaringológica em geral.
Relação com a demência
Pesquisas recentes destacam a conexão entre a falta de tratamento para perda auditiva em idosos e complicações como demências.
Um estudo publicado no ano passado na revista científica JAMA, por exemplo, associou o uso de dispositivos auditivos a uma redução de 19% nos riscos de declínio cognitivo de longo prazo. Além disso, o uso dos aparelhos foi associado a uma melhora de 3% nas pontuações em testes que avaliavam a cognição geral no curto prazo.
Por isso, a perda auditiva é considerada um dos fatores de risco modificáveis para demência, de acordo com relatório publicado na revista The Lancet. Outros exemplos de fatores de risco modificáveis são déficit educacional, isolamento social e perda da visão.
“Estudos indicam que pessoas que começam a perder a audição por volta dos 50 ou 55 anos e não buscam tratamento têm um risco maior de desenvolver demência em idades mais avançadas”, reforça Letícia. Nesse sentido, ela enfatiza a importância do uso das próteses auditivas.
Além disso, de maneira geral, a audição desempenha um papel fundamental nas capacidades necessárias para um envelhecimento saudável. Cuidar da saúde auditiva é essencial para garantir a comunicação plena, autonomia e uma vida social ativa na terceira idade. “Para envelhecer bem, é preciso ouvir bem”, resume Letícia.