Celebrado há séculos por sua ação estimulante, o café tem sido investigado por outros benefícios nos quatro cantos do planeta.
Um dos mais recentes artigos, publicado no periódico científico The Journal of Nutrition, mostra uma relação entre o consumo da bebida e a redução do risco de mortalidade por problemas cardiovasculares.
Para chegar a essa conclusão, estudiosos da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, avaliaram dados de mais de 46 mil voluntários do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), pesquisa que monitora o estado nutricional e o estilo de vida de milhares de norte-americanos.
Coar o café reduz a quantidade de substâncias envolvidas com o aumento dos níveis de colesterol Foto: Daniel/Adobe Stock
Outro trabalho, realizado por pesquisadores chineses, aponta um elo entre a ingestão de café (e também de chá verde) e a diminuição do risco de câncer. O resultado veio da análise de informações de mais de 159 mil participantes do UK Biobank – estudo britânico que avalia condições de saúde de meio milhão de pessoas.
Embora tenham populações e objetivos diferentes, ambos destacam que os achados estão atrelados ao consumo da bebida sem açúcar.
A adição do ingrediente pode por tudo a perder, segundo esses cientistas.
“O exagero açucarado é um dos maiores deslizes no preparo do café”, lamenta a nutricionista Beatriz Feltrin, parceira do Projeto Cozinhando com Ciência, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Para a nutricionista Gabriela Parise, que faz parte do grupo Café e Coração, do Instituto do Coração (InCor), o ideal é beber puro. “Ao adoçar, o verdadeiro sabor do café se perde”, comenta. A opinião é compartilhada por experts capazes de identificar todas as sutilezas presentes em cafés de boa qualidade.
A bebida, bastante complexa, é uma mistura harmoniosa de acidez, adstringência e amargor, oriunda do mix de substâncias encontradas no grão, obra de mais de 800 compostos aromáticos.
Muito além da cafeína
Apesar de a cafeína ser a grande estrela, pesquisas têm desvendado o papel de outros componentes. “Oferece polifenóis”, comenta o cardiologista Luiz Antônio Machado, coordenador do Café e Coração, que surgiu há mais de uma década e reúne especialistas de diversas áreas em pesquisas sobre as propriedades da bebida.
Dentro dos polifenóis, os destaques vão para o ácido clorogênico, o ácido gálico, o ácido ferúlico e o ácido cafeico. “Eles apresentam potencial antioxidante e anti-inflamatório, que estariam por trás dos efeitos cardioprotetores”, diz o médico.
Existem evidências de que esses compostos ajudam a proteger o endotélio, o tapete celular que recobre os vasos e está envolvido com a elasticidade e a circulação sanguínea.
Da mesma classe de fitoquímicos, vale mencionar o enterodiol e a enterolactona, que agem na modulação dos níveis de glicose no sangue — daí a associação do café com a redução do risco de diabetes tipo 2.
Entram na lista de protetores alguns sais minerais, como potássio e magnésio, além da niacina, uma vitamina do complexo B, em um combo de micronutrientes que também é aliado da saúde cardiovascular.
Gabriela menciona ainda as melanoidinas, que são formadas durante o processo de torra do grão e são responsáveis pelos tons marrons da bebida. “Elas apresentam atividade antioxidante”, diz a nutricionista.
O grande destaque
A cafeína, claro, também merece visibilidade, despontando em estudos pela relação com a neuroproteção, já que zela por estruturas cerebrais.
Mesmo que apresente ação antioxidante e anti-inflamatória, sua atuação mais esmiuçada é como estimulante do sistema nervoso central.
A substância tem a capacidade de bloquear o efeito da adenosina. Essa molécula é um neuromodulador e reduz descargas nervosas, tornando lenta a liberação de alguns neurotransmissores – os mensageiros químicos responsáveis pela comunicação entre os neurônios.
Isso significa que, com a chegada da cafeína, sensações de cansaço e sonolência são suprimidas, dando lugar à disposição.
“Melhora a concentração e a capacidade de aprendizado”, afirma Gabriela.
“O conselho é evitá-la à noite ou mesmo durante a tarde para não atrapalhar o sono”, diz Beatriz. A sugestão, baseada nos últimos achados da literatura científica, é consumir café, no máximo, entre sete e nove horas antes de ir dormir.
Café coado?
Outra recomendação baseada em evidências é coar o café, pois a filtragem influencia na quantidade de substâncias envolvidas com o aumento dos níveis de colesterol.
“O filtro de papel retém boa parte dos diterpenos”, afirma a nutricionista Mônica Pinto, da Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC).
Mônica refere-se aos compostos conhecidos como cafestol e kahweol. “Eles estão presentes nos óleos naturais do café e têm efeitos tanto positivos quanto negativos”, afirma.
Métodos de preparo não filtrados tendem a oferecer mais diterpenos. “É o caso da prensa francesa, em que a água é despejada sobre o pó, permanecendo em infusão por maior tempo”, comenta. Dessa forma, mais desses compostos são extraídos durante o processo.
Já o café expresso não concentra tantos diterpenos justamente porque é feito rapidamente.
Mas esse campo ainda requer muita investigação. “Por enquanto, a atenção deve ser redobrada para pacientes coronarianos”, diz Gabriela, que pesquisa o assunto para sua tese de doutorado no InCor.
Além de prender essas substâncias suspeitas, tem quem filtre por outros motivos.
“Para muitas pessoas existe uma questão cultural, o coador de pano remete à roça, ao café preparado pela avó”, comenta a nutricionista Maria Tereza de Freitas, da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), em Minas Gerais.
Esse acessório requer um cuidado especial para não virar reduto de impurezas que podem comprometer a qualidade da bebida. “A falta de zelo com a limpeza pode favorecer a proliferação de microrganismos por trás de desarranjos intestinais”, diz a professora, que coordena o projeto “Promoção de condições higiênicas adequadas em cozinhas domiciliares do município de Ouro Preto”.
Veja a seguir 8 estratégias que tornam a bebida mais saborosa e cheia de benefícios.
1 – Atenção no mercado
Os cuidados começam já no supermercado. A sugestão é optar por produtos embalados a vácuo ou que apresentem válvulas especiais. Essas embalagens tendem a impedir a entrada de oxigênio, brecando processos que reduzem a quantidade de compostos benéficos.
Também é fundamental observar a data de validade, que denuncia o frescor do café.
2 – Vale moer na hora
Quando se tratar de grãos inteiros, a dica é moer somente no momento de consumir para evitar a oxidação. “A diferença sensorial é realmente muito expressiva”, diz Gabriela.
3 – Adicione água de boa qualidade
Os especialistas sugerem usar água filtrada porque o líquido vindo diretamente da torneira costuma concentrar mais cloro, o que pode alterar o sabor do café.
4 – Não erre a temperatura
“A água não deve ferver, mas atingir temperatura em torno de 92 a 96 ºC”, ensina Gabriela. Para quem não tem termômetro, o ponto certo é quando começam a aparecer aquelas bolhinhas. Passada essa marca, a bebida costuma ficar mais amarga e ocorrem perdas de compostos benéficos.
5 – Acerte na proporção
Sabor, cor e aromas da bebida dependem dessa fórmula. Em geral, para cada 150 ml de água, recomenda-se acrescentar 10 g de pó, o que equivale a uma colher (sopa) cheia, mas a medida pode variar de acordo com a preferência e com o tipo de café.
6 – Utilize filtro
Uma dica aqui é escaldar o filtro. Isso reduz qualquer gosto residual, seja no acessório de papel ou no de pano.
Para os coadores de tecido, é fundamental o cuidado com a higienização após o uso. “Deve-se tirar a borra e lavar em água corrente e quente”, ensina Maria Tereza. O ideal é espremer para retirar todo o líquido e guardá-lo seco. Ele também pode ser armazenado em recipiente tampado e na geladeira.
A recomendação para quem faz café diariamente é trocar mensalmente o coador. “Uma sugestão é optar por tipos de puro algodão, que não vão liberar substâncias indesejáveis”, diz.
Também é fundamental caprichar na limpeza dos suportes para filtros, que pode ser feita com auxílio de escovinha e detergente neutro.
7 – Adoce na hora de beber
O recomendado é saborear a bebida sem açúcar ou edulcorantes artificiais, para se valer de todos os benefícios sensoriais e à saúde. Mas, para quem não gosta de café puro, a sugestão é economizar nas colheradas ou gotas.
Outra indicação é adoçar só no momento de consumir para atenuar reações químicas indesejáveis capazes de alterar o preparado.
Guardar café adoçado na garrafa térmica, por exemplo, contribui para o aumento da velocidade da oxidação, impactando no sabor e na degradação de compostos protetores.
8 – Escolha a melhor garrafa
Apreciadores defendem que a bebida deve ser consumida imediatamente após o preparo. “Café bom é o fresco, passado na hora”, afirma Gabriela. Mas como muita gente não pode fazer a bebida várias vezes ao dia, o armazenamento em garrafas térmicas é uma opção.
“A dica é optar por garrafas de aço inoxidável, com ótima vedação”, sugere a nutricionista, que ainda recomenda encher até a boca e fechar completamente, para evitar a entrada de ar e estancar processos oxidativos.
Aqui também a higienização é crucial para afastar a multiplicação de microrganismos indesejáveis. “Detergente e uma escovinha para limpeza ajudam a remover as sujeiras”, diz Maria Tereza.
Vale atenção com as partes removíveis e locais que possam acumular impurezas.
Seguir todos esses passos durante o preparo contribui para a qualidade do cafezinho, mas seus efeitos protetores só ficam evidentes dentro de um contexto saudável, com dieta equilibrada, prática de exercícios físicos e sono adequado, não custa reforçar sempre.