Na incessante busca por um corpo magro, um dos maiores desejos das pessoas é queimar mais gordura. A princípio, parece fazer todo sentido, afinal, se eu quero perder gordura, a única forma de fazer isso seria por meio de sua queima ou, em termos mais técnicos, de sua oxidação. Mas esse é um raciocínio bastante raso e que ignora a complexidade da fisiologia e do metabolismo energético.
A oxidação, lembremos, é uma reação que ocorre na presença de oxigênio (ou outro agente oxidante), e que transfere energia. Em nosso organismo, a oxidação de combustíveis ocorre de forma controlada e está intimamente ligada às necessidades energéticas das células. Quando elas precisam de mais energia, aumenta-se a taxa de oxidação – e aumenta-se também o consumo de oxigênio. Não à toa, quando fazemos exercício, o uso de energia aumenta e, em paralelo, também o consumo de oxigênio.
Nas nossas células, assim como ocorre nos carros flex, há diversos tipos de combustíveis que podem ser utilizados para atender às demandas de energia. Além das gorduras, as células podem utilizar carboidratos, na forma de glicose (deixarei de lado neste texto outros combustíveis que contribuem menos para o fornecimento de energia).
Existem diferenças importantes entre a oxidação de gorduras e de carboidratos. A queima de carboidratos é mais rápida e mais eficiente, pois, para a mesma quantidade de oxigênio, produz mais energia (com o perdão dos físicos) do que as gorduras. Assim, os carboidratos vão se tornando combustíveis preferenciais conforme aumenta a demanda por energia nas células. Sempre que a urgência por energia se acentua, aumenta também o uso dos combustíveis mais rápidos e eficientes – os carboidratos.
Há, contudo, um importante “porém” sobre o uso dos carboidratos como combustível celular: seus estoques (glicogênio muscular, no termo técnico) são limitados, e podem se esvaziar de forma relativamente rápida durante períodos de restrição do consumo de carboidratos ou de alta utilização de carboidratos como combustível. Para se ter uma ideia, em poucas horas os músculos da perna podem perder quase toda sua reserva de carboidratos durante uma corrida em intensidade moderada. Em intensidades maiores, essa perda pode ser ainda mais rápida. E o esgotamento do glicogênio tem uma consequência fatal para o desempenho: fadiga muscular. Logo, reduções importantes do carboidrato não combinam muito com rendimento físico.
Queimar mais gordura torna os músculos menos eficientes, o que pode aumentar de forma substantiva o tempo para completar uma prova Foto: master1305/Adobe Stock
Pelo princípio de que há uma relação inversa entre uso de gorduras ou carboidratos como combustível, depreende-se que quando o uso de um aumenta, o do outro necessariamente diminui. As gorduras, portanto, têm preferência quando a demanda por energia é baixa. Por isso, quando estamos em repouso queimamos primariamente gorduras. Da mesma forma, durante o exercício, conforme a intensidade aumenta, eleva-se também o uso de carboidratos e reduz-se o de gorduras.
Se a lógica de “favorecer a queima de gordura” realmente levasse ao emagrecimento, poderíamos concluir que ficar em repouso emagrece, já que é o momento de maior queima relativa de gordura – sabemos que não é assim que funciona. Ou então, poderíamos concluir que exercícios de baixa intensidade realizados na zona de máxima queima absoluta de gordura (denominada FatMax) seriam a melhor opção para emagrecer – e não são. Se assim fosse, exercícios que usam muito pouca gordura, como a musculação e os intervalados de alta intensidade, não seriam relevantes para o emagrecimento – e podem ser.
Vejamos, por exemplo, o que acontece quando intencionalmente aumentamos o percentual de oxidação de gorduras durante o repouso. A famosa dieta cetogênica tem como um de seus principais trunfos a dita “flexibilidade metabólica”, termo que faz referência ao aumento da capacidade de se queimar gorduras. Isso, de fato, ocorre. A queima de gordura após semanas de restrição quase total de carboidratos pode pular de cera de 50% para aproximadamente 85% do total de calorias gastas a partir das gorduras. Parece um efeito excelente, não? Pois nem tanto. Cálculos simples mostram que isso resulta em aumento de apenas 70 a 80 gramas adicionais de gordura oxidada por dia. Mas lembremos o que gerou tais respostas: dieta cetogênica, uma estratégia nutricional que, na melhor das hipóteses, envolve o aumento do consumo de gordura de 65 para 135 gramas por dia (valores aproximados). Na pior delas, o consumo sobe para 175 gramas ao dia. Não preciso dizer que os 70 gramas gastos a mais pelo seu corpo foram devidamente compensados pela ingestão adicional de gordura, preciso?
E se aumentarmos o percentual de oxidação de gorduras durante o exercício físico? Essa é uma questão interessante, pois, por um lado, queimar mais gordura significa queimar menos carboidrato. Isso pouparia os estoques de glicogênio, fazendo com que durassem mais. A fadiga, dessa forma, demoraria mais para aparecer. Por outro lado, queimar mais gordura torna os músculos menos eficientes. A perda de eficiência pode ter pouco impacto para o desportista amador, mas, para quem busca performance, tal perda pode aumentar de forma substantiva o tempo para completar uma prova, ou tornar o atleta mais lento ao longo da prova.
Nosso corpo é, sim, capaz de se adaptar a mudanças na oferta de nutrientes. São respostas que provavelmente tiveram importância evolutiva, e por isso permanecem até hoje. Por mais que consigamos alterar o uso de combustíveis, é ingênuo acreditar que apenas isso seria capaz de impactar significativamente a gordura corporal, ou que magicamente tornaria os atletas mais rápidos. Esses processos são complexos e multifatoriais. A resposta não está, e nunca estará, na simples manipulação de uma única variável.