Manter os dentes saudáveis vai muito além de caprichar na escovação diária. Hoje, os especialistas sabem que até mesmo a forma como dormimos é capaz de influenciar a saúde bucal. Pessoas que passam a noite com a boca aberta, por exemplo, podem ter maior risco de cárie, inflamação gengival e lesões de lábio causadas por ressecamento. É o que alerta o Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp).
Hábito de dormir de boca aberta costuma estar ligado à dificuldade de respirar pelo nariz; especialista recomenda que otorrinolaringologista seja consultado Foto: chaossart/Adobe Stock
O cirurgião-dentista e presidente da Câmara Técnica de Periodontia do Crosp, Marcelo Cavenague, explica que o motivo por trás dessa relação tem a ver com a saliva – ou melhor, com a falta dela. “Se você fizer a experiência de passar alguns minutos com a boca aberta, respirando, vai perceber que ela ficará ressacada”, diz.
Esse ressecamento não é bem-vindo, já que a saliva tem um papel imprescindível na proteção da saúde bucal. É que ela ajuda a equilibrar a acidez da boca e, assim, protege o esmalte dentário e deixa os dentes mais resistentes e menos permeáveis — o que dificulta a ação de ácidos e bactérias nocivas. Isso evita, por exemplo, as cáries.
“Toda vez que comemos alguma coisa, temos um aumento da acidez bucal e da atividade de uma bactéria responsável pela formação da cárie, a Streptococcus mutans”, descreve Cavenague. Tais elementos favorecem o processo de perda mineral do dente, e é aí que entra uma das principais funções da saliva: neutralizar a acidez e normalizar o pH.
Uma pesquisa publicada no Journal of Oral Rehabilitation evidenciou essa atuação. Ao simular o que acontece com indivíduos que respiram pela boca enquanto dormem, cientistas confirmaram que pode ocorrer uma queda do pH, comprometendo o seu efeito protetor – mesmo entre pessoas com fluxo salivar normal.
A saliva também possui anticorpos que fortalecem a imunidade e ajudam a controlar os micro-organismos presentes na boca. Tem mais: ela limpa naturalmente a região, além de lubrificar e dissolver os alimentos, facilitando a mastigação e o ato de engolir.
Por isso, estudos reforçam que respirar pela boca na hora de dormir pode aumentar o risco de diversos problemas, como cárie, inflamação gengival, erosão dental e mau hálito (halitose). Esse processo também pode contribuir para a degradação de materiais restauradores presentes na cavidade oral.
Por que dormimos de boca aberta?
Geralmente, é a dificuldade de respirar naturalmente pelo nariz que faz com que as pessoas durmam com a boca aberta. Isso pode ser causado por algo temporário, como quadros de gripe, resfriado, sinusite e alergias, ou por questões permanentes, a exemplo de desvio de septo e hipertrofia do adenoide (também chamada de “carne esponjosa”, que afeta a região posterior do nariz).
Por isso, não dá para combater o hábito sem antes conhecer e resolver a causa – e um otorrinolaringologista é o profissional indicado para ajudar nesse processo. Como destaca Cavenague, se a pessoa não consegue respirar bem pelo nariz, não é possível exigir que ela durma de boca fechada.
É importante frisar que soluções como colar a boca com fita adesiva ou usar produtos que se propõe a prender a mandíbula podem ser perigosas e até fatais em quem tem uma obstrução nasal. Esses indivíduos precisam de avaliação médica e, em alguns casos, de cirurgia corretiva.
Distúrbios do sono
Pacientes com o hábito de dormir de boca aberta também podem apresentar distúrbios do sono, especialmente o ronco e a apneia obstrutiva. Quem convive com esses quadros, portanto, deve redobrar o cuidado com a saúde bucal, mas também ter atenção quanto a outros riscos.
A apneia, por exemplo, é uma condição grave, na qual a respiração é interrompida diversas vezes durante a noite. Esse quadro está ligado a um maior risco de problemas cardiovasculares, como infartos e AVCs.
Nesses casos, o tratamento mais eficaz é o uso do CPAP, aparelho que envia uma corrente de ar contínua para manter as vias aéreas abertas. Se o modelo for mais simples, a boca ainda pode ressecar. Já os equipamentos mais sofisticados aquecem e umidificam o ar, ajudando a manter a cavidade oral hidratada e reduzindo o impacto sobre os tecidos bucais.
Mas, antes de recorrer a qualquer tipo de estratégia para melhorar o ronco e o sono, Cavenague frisa que é essencial buscar um especialista para chegar ao diagnóstico correto e delinear o tratamento adequado.