A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o Kinsula (donanemab), medicamento da farmacêutica Eli Lilly, que promete retardar o avanço do Alzheimer. É a primeira terapia do tipo que ganha sinal verde da Anvisa. A publicação ocorreu na edição da quinta-feira, 17, do Diário Oficial da União.
Alzheimer é uma doença neurodegenerativa que afeta a memória Foto: Vitalii Vodolazskyi/Adobe Stock
O medicamento injetável, administrado uma vez por mês, é indicado para pacientes com diagnóstico de Alzheimer no estágio inicial da doença, isto inclui aqueles com comprometimento cognitivo leve (pacientes que apresentam desempenho cognitivo abaixo da média, mas sem perda da funcionalidade) ou com demência na fase leve (aqui, além do declínio cognitivo, há perda de funcionalidade).
O tratamento não é indicado para alguns tipos de pacientes, como os que são homozigotos da variante ε4 do gene APOE – situação identificada por exames genéticos –, quem faz uso de anticoagulantes ou aqueles com diagnóstico de angiopatia amiloide cerebral (AAC) na ressonância magnética antes de iniciar o tratamento. Em todas essas circunstâncias, há risco aumentado de edema e sangramento.
O medicamento já foi aprovado em diversos países, inclusive nos Estados Unidos, onde recebeu aval da Food and Drug Administration (FDA) em julho do ano passado. A Agência Europeia de Medicamentos (EMA, na sigla em inglês) recusou a autorização de comercialização do Kisunla na União Europeia em março deste ano. A Lilly pediu uma reavaliação do parecer em abril.
Na avaliação da EMA, os benefícios do Kisunla não foram significativos o suficiente para compensar os riscos relacionados ao desenvolvimento de um inchaço (edema) no cérebro, um efeito colateral conhecido como ARIA e que só é detectado via ressonância magnética — na maioria dos casos, a condição é assintomática, mas é potencialmente perigosa.
Segundo a EMA, a ARIA ocorreu em 36,8% das pessoas que receberam Kisunla, em comparação com 14,9% das pessoas que usaram um placebo. Em análises adicionais, excluindo pacientes com o risco aumentado para a condição (aqueles que apresentam a variante da APOE), a ARIA ocorreu em 24,7% das pessoas que receberam o medicamento, em comparação com 12% do grupo placebo.
Ao Estadão, a Anvisa informou que as reações adversas mais comuns do medicamento são relacionadas à infusão, que pode causar febre e sintomas semelhantes aos da gripe, além de dor de cabeça e ARIA — na nota, a agência citou os dados destacados também pela EMA.
Como acontece com qualquer medicamento, a Anvisa irá monitorar a segurança e a efetividade do donanemabe sob rigorosa análise. Serão implementadas atividades de minimização de risco para o donanemabe em conformidade com Plano de Minimização de Riscos aprovado.
O medicamento ainda precisa passar pelo processo de precificação junto à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), da Anvisa. A Lilly informou que ainda não há data definida para a comercialização do Kinsula no Brasil.
Sem euforia
A geriatra Claudia Kimie Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), avalia que a aprovação é uma notícia boa, no entanto, destaca que está longe de justificar uma euforia. Isso porque, considerando todos os poréns envolvidos na indicação, poucos pacientes devem se beneficiar. “No final, quando você selecionar os pacientes que realmente têm doença de Alzheimer e que são elegíveis a tomar a droga, vai sobrar pouca gente. É uma minoria”, diz. “E é muito importante que os pacientes sejam bem selecionados”, reforça.
De acordo com ela, nos estudos, a melhora dos pacientes do ponto de vista cognitivo e até mesmo funcional foi “muito modesta”. Mesmo assim, ela acredita que haja motivos para celebrar. “Temos que comemorar o avanço da ciência.”
Reconhecido internacionalmente por suas contribuições na pesquisa sobre o Alzheimer, o neurologista Ricardo Nitrini, por sua vez, lamenta a aprovação por parte da Anvisa e se diz muito preocupado.
“O medicamento teve um efeito estatisticamente significativo (nas pesquisas). Mas não atingiu aquilo que seria o efeito clínico minimamente significativo, ou seja, que pudesse ser percebido pelo paciente, pelos familiares ou pelo médico”, avalia.
“É um remédio com muitos efeitos colaterais, alguns potencialmente graves. Isso preocupa de tal maneira que todo paciente que toma tem que ser monitorado com ressonâncias magnéticas frequentes, porque podem ocorrer eventos adversos. Não são comuns, mas podem acontecer efeitos até fatais”, completa.