Dois movimentos distintos ocorridos esta semana mostram que a principal causa das autoridades públicas no País tem sido a vingança. No primeiro caso, foi o sentimento de desforra que provocou o afastamento momentâneo da juíza Gabriela Hardt, a despeito de supostos erros ou abusos dos integrantes da Operação Lava Jato. No segundo, o espírito de represália contra o Supremo Tribunal Federal e não o interesse de aprimorar a política sobre drogas, fez o Senado aprovar a PEC que considera todo usuário criminoso.
Num governo em que ainda procuramos qual a marca e o norte, além do arroz com feijão de empurrar com a barriga o ajuste das contas, o objetivo identificável foi pronunciado pelo próprio presidente Lula: “Só vou ficar bem quando foder (sic) com o Moro”, disse em entrevista a um site amigo em março de 2023.
E, de fato, aparentemente, uma das metas não escritas do atual governo e dos que o apoiam tem sido desmoralizar e punir qualquer agente público que esteve envolvido na operação Lava Jato – agora tida como “fascista”. Há exemplos para todos os lados. Por razões formais, o deslumbrado ex-procurador Deltan Dallagnol, eleito deputado federal pelo Paraná, foi cassado de maneira fulminante. O atual senador Sérgio Moro já se safou de um afastamento da justiça do Paraná, mas poderá ter vida mais difícil em um julgamento conduzido pelo Tribunal Superior Eleitoral.
O ministro do STF Dias Toffoli, sempre que possível, anula algum acordo firmado pela Lava Jato. Já determinou a criação de força tarefa para apurar se foram cometidas irregularidades por agentes públicos. Persegue a “reparação de danos causados” por ações do Ministério Público e decisões da 13ª Vara Federal de Curitiba contra Lula. Enquanto isso, revelou reportagem de Tácio Loran, deste Estadão, o escritório de advocacia do ministro da Controladoria-Geral da União (CGU), Vinícius Marques de Carvalho, presta serviços para a Novonor, antiga Odebrecht. Concomitantemente, a Controladoria renegocia os acordos de leniência firmados pela Lava Jato.
Que a Lava Jato cometeu equívocos, fez acusações infundadas, passou de certos limites, incriminou inocentes, já tem ficado evidente. Porém, como se diz na linguagem popular, querem jogar a água da bacia fora com o bebê dentro. Quer dizer então que os crimes não ocorreram? Tome-se, por exemplo, o livro da repórter investigativa Malu Gaspar, “A Organização”. Ali há detalhes de como ocorreram os delitos e por quais objetivos políticos ou empresariais. Relata-se uma quantidade expressiva de transgressões que, com bastante má-fé, querem transformar em histórias de ficção. Culpada ou inocente, a juíza Hardt pode sucumbir frente a esse mecanismo de buscar recriar a história sob os novos ventos políticos. Se a Lava Jato se excedeu é bastante irônico que seus representantes, neste sentido, sejam vítimas de um certo lavajatismo reverso.
No caso do Senado, a mira também é o Judiciário e o que pode decidir sobre o consumo de entorpecentes. Com avanços e recuos, países desenvolvidos ao redor do mundo têm buscado implantar políticas de liberalização de drogas leves. A filosofia para tal medida tem a ver com as chamadas liberdades individuais e a impossibilidade de punir as autolesões. Também se parte da ideia de que a máquina repressiva estatal para combater usuários é cara, ineficiente e, em muitos casos, corrupta. A liberação da maconha tem ocorrido sem maiores sobressaltos em locais como EUA ou Alemanha. A descriminalização do uso de drogas pesadas já tem sido uma questão mais polêmica. O estado americano do Oregon é um exemplo de recuo nesse passo mais ousado.
E como está essa discussão no Brasil? Ora, de um lado o Supremo numa discussão algo bizantina sobre qual a quantidade de gramas pode diferenciar o usuário do traficante de maconha e, do outro lado, sem qualquer sutileza, senadores preferem ser draconianos e populistas. Seria ótimo se buscassem uma solução para um problema que de fato é de saúde pública. Mas não. Querem apenas a revanche contra os juízes que atuam do outro lado da Esplanada.
Na prática, oportunidades de avançarmos no combate à corrupção sem abusos das autoridades, ou mesmo buscarmos uma política mais eficiente para combater os malefícios das drogas, se tornaram apenas subterfúgios para revanches mesquinhas. Ou seja, para muita gente com poder de fato, vencer a disputa política contra quem se considera inimigo ou adversário passou a ser mais importante, neste atual momento, do que discutir o que realmente é prioridade para o Brasil.