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A difícil tarefa de diagnosticar TDAH em adultos: ‘Faltam ferramentas’, diz psiquiatra

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A difícil tarefa de diagnosticar TDAH em adultos: ‘Faltam ferramentas’, diz psiquiatra

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O psiquiatra e psicoterapeuta Igor Studart, pesquisador do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP), não é um especialista em transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). No entanto, nos últimos anos, começou a observar uma crescente onda de adultos encaminhados com suspeita do transtorno.

No Brasil, a prevalência de TDAH entre adultos com mais de 44 anos é estimada em 6,1%  Foto: mattiagenini/Adobe Stock

Entender esse aumentou virou um interesse, inicialmente clínico, de Studart e colegas da Universidade de Copenhague, na Dinamarca, que se transformou em pesquisa. Eles, então, se debruçaram sobre quase 300 ensaios clínicos randomizados para verificar como o diagnóstico de TDAH é feito em adultos.

Os resultados não são nada animadores. “Encontramos variações substanciais e nenhum consenso sobre o método diagnóstico”, escreveram em um artigo publicado na revista científica European Psychiatry, da Cambridge University Press.

Estudos ‘severamente comprometidos’

Em apenas 1/3 dos estudos avaliados o diagnóstico de TDAH havia sido feito por um psiquiatra ou psicólogo. Nos demais, a pessoa que fez a avaliação não foi informada ou não era especialista, além de pesquisas nas quais ela foi feita por um computador. Quase metade dos estudos (49,7%) não relatou ter realizado uma avaliação de psicopatologia geral.

Pense na consulta psiquiátrica como uma entrevista. Ela pode seguir perguntas pré-estabelecidas (estruturada) ou o psiquiatra pode usar essas “perguntas guia”, mas acrescentar outras conforme o paciente fala (semi-estruturada) — em alguns casos, o profissional começa com uma entrevista semi-estruturada e depois realiza uma estruturada para confirmar o diagnóstico.

Nessas entrevistas, são abordadas questões relacionadas ao TDAH, mas também a outros transtornos, pois muitos deles podem causar sintomas como desatenção, impulsividade e inquietação.

Com esse tipo de avaliação, o profissional consegue entender qual transtorno está de fato presente — e, quando há mais de um, é possível estabelecer uma hierarquia diagnóstica, ou seja, identificar qual é o transtorno “principal”, que explica melhor os sintomas, e quais são os “secundários”.

Por conta de todas essas questões, os pesquisadores concluíram que a validade dos diagnósticos de TDAH em muitos dos estudos avaliados “parece estar severamente comprometida”.

Por que isso preocupa?

Os ensaios clínicos randomizados são considerados o padrão-ouro da pesquisa. Em geral, eles dividem aleatoriamente os pacientes em dois grupos e testam o valor de uma intervenção, como um novo medicamento, por exemplo.

Eles são a base para as metanálises — um tipo de estudo que olha para várias pesquisas e tenta encontrar um denominador comum entre seus resultados. É a partir delas que sociedades médicas, por exemplo, chegam a consensos e constroem as diretrizes de diagnóstico e tratamento, bússola da atuação de especialistas.

“Podemos estar dando orientações para todos os clínicos com base em estudos que, apesar de teoricamente serem da mais alta qualidade, não conseguiram avaliar bem os pacientes”, fala Studart.

‘TDAH não é coisa de criança?’

O TDAH é definido como um transtorno do neurodesenvolvimento — processo no qual o sistema nervoso se desenvolve, que costuma durar até o até o fim da adolescência ou início da vida adulta — marcado por uma tríade de sintomas: desatenção, hiperatividade e impulsividade.

Inicialmente, acreditava-se que o transtorno era uma condição exclusivamente infantil. A partir dos anos 1980 e 1990, porém, pesquisadores começaram a relatar que o TDAH não simplesmente desaparecia com o tempo — ele poderia persistir na fase adulta.

Por conta disso, manuais diagnósticos como o americano DSM, que guiam o trabalho de psiquiatras pelo mundo, passaram a reconhecer a possibilidade de o transtorno ser diagnosticado em adultos.

Critérios

É válido ressaltar que um dos critérios desses manuais para o diagnóstico na vida adulta é o surgimento dos sintomas ainda na infância — antes dos seis anos de idade no CID e até os 12 anos no DSM.

A compreensão por trás disso é que o paciente pode não ter tido acesso à atenção em saúde mental ou pode ter “mascarado” os sinais com estratégias adaptativas que deixaram de funcionar com o passar do tempo. Há um grupo emergente de especialistas que acredita que talvez o transtorno possa surgir na vida adulta, mas isso está longe de ser uma discussão pacificada.

E pode estar aí a origem do problema. No artigo, os pesquisadores apontam que, para se tornarem mais inclusivos, os critérios foram “diluídos”, o que levou ao que eles chamam de “subjetivização”.

No DMS, por exemplo, tanto em crianças quanto em adultos o diagnóstico é feito com base nos mesmos 18 critérios, que representam sinais e sintomas, embora o número mínimo exigido varie: são necessários ao menos 5 para adultos e 6 para crianças.

Acontece que, na infância, o diagnóstico se baseia muito mais em sinais, isto é, aquilo que é expressivo e pode ser observado. Com isso, é muito valorizado o relato de pais e professores, por exemplo.

Para encaixar os adultos nos critérios, afirmam os pesquisadores, os sinais viraram sintomas — ou seja, o que a pessoa relata sentir e está mais atrelado à vivência dela.

Em vez de basear a avaliação diagnóstica em relatos de características comportamentais observáveis por pais ou professores, como correr ou escalar excessivamente, ter dificuldade para ficar sentado e não conseguir brincar calmamente, a pessoa adulta deve considerar se acredita que, por exemplo, tem dificuldade em manter a atenção em tarefas, é facilmente distraída por pensamentos não relacionados, se contorce na cadeira e se sente ‘inquieta’, escrevem os pesquisadores.

Além disso, o paciente adulto precisa refletir e dizer se essas características já se manifestavam na infância, o que acrescenta um importante viés de memória. “Não lembramos exatamente o que aconteceu na nossa infância. Em geral, recordamos o que nos falaram (sobre nós mesmos)”, diz Studart.

“Estamos fazendo um diagnóstico (de TDAH em adultos) em um terreno movediço”, resume ele. “Não temos boas ferramentas.”

“É como se a gente ainda não tivesse, na nossa valise, as ferramentas necessárias para enxergar com mais profundidade os sintomas de quem tem TDAH (na vida adulta), e como eles se diferenciam de outras formas de desatenção ou inquietação ligadas a outros transtornos psiquiátricos ou às situações cotidianas de uma sociedade hiperconectada.”

Para Studart, é preciso estudar mais sobre a psicopatologia. Ir além de sinais e sintomas e responder à seguinte pergunta: como é ser adulto e ter TDAH? “Falta uma descrição experiencial”, defende.

Validade

Studart destaca, contudo, que a ideia do estudo não é questionar a validade do diagnóstico de TDAH em adultos — sim, há autores que questionam a existência do transtorno nessa faixa etária —, mas trazer um alerta sobre a qualidade dos estudos que estão guiando a forma como o quadro é entendido e também para o fato de que, dentro dos consultórios, ele precisa ser tocado com o máximo cuidado e atenção.

Ele mesmo fala que já diagnosticou adultos com TDAH — em comparação ao número de suspeitas encaminhadas, são a minoria, comenta. “Sim, diagnostico, mas sei que faço isso com uma validade diferente de outras coisas, como um quadro psicótico.”

Fonte: Externa

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