BRAIP ads_banner

‘O autismo é uma parte da pessoa, mas não o todo’, diz referência mundial em TEA

CasaNotícias

‘O autismo é uma parte da pessoa, mas não o todo’, diz referência mundial em TEA

TOC vai além de ‘perfeccionismo’ e ‘mania de limpeza’: ‘É um aprisionamento’
Estudo propõe teste simples para avaliar o envelhecimento saudável; especialistas analisam
Agenda cheia ou mais tempo livre? Estudos investigam o que é melhor para quem tem TDAH

FORTALEZA* – É com alegria que a psicóloga norte-americana Catherine Lord, referência mundial em transtorno do espectro autista (TEA), fala sobre os pacientes que acompanha há mais de 30 anos. E é com orgulho que ela mostra as conquistas de cada um. Alguns fizeram faculdade, muitos estão trabalhando e uma parte deles tem filhos.

Nem todas as crianças com TEA atingirão esses feitos. Catherine não vende falsas esperanças. Mas ela ensina medidas para que pessoas com autismo tenham melhor qualidade de vida — a começar por seu reconhecimento.

“O autismo é uma parte da pessoa, mas não o todo”, afirmou a especialista no Congresso Brain 2025: Cérebro, Comportamento e Emoções, realizado em Fortaleza. É preciso reconhecer os indivíduos com TEA em sua complexidade humana, sem reduzi-los a características ou mesmo estereótipos do transtorno.

Segundo Catherine Lord, para decidir qual a melhor forma de acompanhar o paciente com TEA, é preciso antes entender seus pontos fortes e fracos Foto: Alex/Adobe Stock

Segundo Catherine, a essência do autismo é uma combinação de dois fatores. O primeiro aspecto é a comunicação. Não apenas a capacidade de falar, mas de interagir com as pessoas e entender as reações delas. O segundo está relacionado a respostas sensoriais não usuais e à necessidade de repetição. Ser incomodado por certos sons, querer cheirar coisas que a maioria das pessoas nem perceberia, olhar de uma forma pouco habitual.

“Não sabemos por que essas coisas aparecem juntas. Esperamos que os neurocientistas compreendam isso. Mas, quando você tem ambas, é uma pessoa diferente”, sintetizou Catherine. “Precisamos prover diferentes oportunidades para as pessoas aprenderem e se desenvolverem apesar dessas diferenças. Mostrar que elas podem ser felizes e, na medida do possível, independentes.”

A pesquisa conduzida por ela desde o início dos anos 90 traz pistas de como atingir esse objetivo. O estudo começou com o acompanhamento de 250 crianças com cerca de 2 anos encaminhadas a serviços de saúde nos Estados Unidos com suspeita de autismo. Esses pacientes foram avaliados pessoalmente aos 2, 3, 4, 5, 9, 19, 26, 30 e 34 anos, com entrevistas e questionários sendo realizados nos intervalos entre as visitas. Com isso, há um conjunto considerável de horas de observação direta, testes cognitivos e de linguagem e avaliações motoras.

Um dos pontos observados nesse acompanhamento é que as mudanças são graduais, mas não há necessariamente uma linearidade nas trajetórias. Há inclusive “pioras”. “É muito comum crianças autistas reduzirem ou perderem algumas habilidades no segundo ano de vida, e é por isso que as pessoas começaram a dizer que vacinas causam autismo. Elas não causam. Vacinas não causam autismo. Mas essas perdas são reais”, afirmou.

“Elas podem variar bastante: podem ser mais sutis, como a perda de interesse pelo irmãozinho, ou esquecer todas as palavras já aprendidas. Isso é muito difícil para os pais, que têm a frustração de ver que o filho não consegue mais fazer o que fazia. Algumas crianças recuperam essas habilidades, mas não sabemos por que isso acontece.”

Outro aspecto é que o diagnóstico antes dos 2 anos, quando a neuroplasticidade do cérebro é maior, contribui para a aquisição da linguagem. “Muitas coisas melhoram gradualmente no decorrer da vida, mas a linguagem geralmente é o que mais evolui quando a criança tem entre 18 meses e 4 anos”, disse a pesquisadora.

“Se você olhar para crianças neurotípicas, aos 4 anos, elas têm domínio da língua. Não é perfeito, mas elas têm gramática, semântica, vocabulário. Esse conhecimento ainda fica melhor, mas há algo diferente no nosso cérebro após 4 ou 5 anos. Então, queremos que as crianças com autismo comecem a aprender mais cedo porque nada faz mais diferença do que quão bem elas podem falar.”

De acordo com Catherine, o diagnóstico antes dos 2 anos não é definitivo e é preciso continuar acompanhando a criança até os 5 anos para confirmar o quadro, mas ele é importante por indicar que ela pode precisar de acompanhamento e de estímulos diferentes, e por permitir o acesso a direitos e serviços voltados a pessoas com o transtorno.

Sinais

O autismo pode ser entendido como uma desordem neurobiológica de aprendizado e processamento. Estar no espectro significa receber e lidar com as informações de maneira diversa dos neurotípicos.

A maioria das crianças com autismo começa a parecer um pouco diferente entre 1 e 2 anos de idade. Os sinais, contudo, nem sempre são muito claros. Ao contrário de quando são mais velhas e apresentam alguns comportamentos não usuais, nessa faixa etária, os principais indícios estão naquilo que não é feito.

“Elas não respondem ao nome delas, não aprendem as mesmas palavras que outras crianças, não vocalizam, não buscam a atenção das pessoas, não realizam brincadeiras típicas da idade”, enumerou Catherine.

O diagnóstico é feito por profissionais de saúde, mas pais, familiares e professores têm um papel fundamental na identificação e reporte de comportamentos. “Uma das coisas que mais afetam o diagnóstico é um membro da família dizer aos pais ‘eu acho que há algo errado’”, contou Catherine. “Muitas vezes, são os tios ou avós que conseguem, de maneira muito delicada, trazer uma conscientização sobre algumas diferenças que eles percebem.”

Diante do diagnóstico, o primeiro conselho de Catherine é encontrar grupos de pais de crianças com TEA para a troca de experiências. O segundo é procurar fontes de informação sérias – no Brasil, um exemplo é a instituição Autismo e Realidade, mantida pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal – e ficar fora do TIkTok e outras redes sociais. O terceiro é encontrar um profissional de confiança.

“Pode ser um fonoaudiólogo, um professor, um terapeuta ocupacional, um psicólogo, mas fique com ele. Faça-o conhecer seu filho e ouça o que ele tem a dizer. Ele poderá direcionar os próximos passos”, comentou. “Realmente ajuda ter alguém em quem você confie.”

Um segundo momento do diagnóstico é verificar a presença de outros quadros, já que pessoas com TEA podem apresentar transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), ansiedade, depressão e deficiência intelectual. Identificar problemas associados é fundamental para a definição do tratamento, que, conforme Catherine, precisa ser customizado e constantemente atualizado.

“Muitos adolescentes autistas podem desenvolver depressão. É difícil ser uma pessoa com TEA nesta sociedade. E como podemos fazê-los se sentir melhores? Muitos adolescentes autistas podem desenvolver transtorno de ansiedade. Temos de ensiná-los a lidar com essa ansiedade e fazer com que se envolvam nas atividades para que não fiquem cada vez mais isolados. E muitas crianças com autismo sofrem de problemas gastrointestinais, alergias, epilepsia e efeitos colaterais dos medicamentos”, exemplificou.

“Muitos desses quadros são mais tratáveis do que o autismo em si. Podemos tornar a vida dessa criança melhor ajudando-a a se concentrar ou a não se sentir ansiosa.”

Tratamento

“Não existe um tratamento único para todas as crianças com autismo. Pessoas com autismo são muito diferentes umas das outras”, reforçou a psicóloga, destacando o gosto de alguns de seus pacientes por arte, por exemplo. Nesse sentido, para decidir o tratamento, o profissional precisa saber os pontos fortes e fracos do indivíduo.

Para Catherine, de forma geral, é necessário estimular as crianças a fazerem tarefas diferentes, alinhadas com as necessidades individuais e familiares, e garantir que elas tenham oportunidade de praticar essas atividades.

Também é fundamental que os profissionais de saúde ajudem a família a lidar com os medos ao longo do caminho e com a expectativa. “O pai diz: ‘Meu filho autista brincou de basquete um dia’. Isso foi aquele dia. Mas essa criança pode se adaptar, pode construir habilidades”, disse a pesquisadora.

“Queremos que os pais tenham uma visão positiva da sua relação com os filhos. Queremos que as famílias sintam que podem ajudar, que encontrem alegria”, acrescentou. “Há sempre algo que um pai ou uma mãe goste de fazer com aquela criança. Precisamos ajudá-los a encontrar tempo para fazer isso.”

*A repórter viajou a convite do Congresso Brain 2025: Cérebro, Comportamento e Emoções

Fonte: Externa

BRAIP ads_banner