BRASÍLIA- Em sua primeira fala como ministro da Saúde do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Alexandre Padilha tentou pegar o bastão da mão de sua antecessora, Nísia Trindade, com elegância, mas não conseguiu.
Ao longo do discurso diante de uma plateia de apoiadores que lotou o salão nobre do Palácio do Planalto, Padilha escolheu como prioridade da nova gestão justamente pontos usados nos bastidores para justificar a saída de Nísia do cargo. A escolha expôs mais uma vez, no último ato, a narrativa construída para a demissão da socióloga e sanitarista.
Cerimônia nesta segunda-feira, 10, marcou a mudança de comando no Ministério da Saúde: sai Nísia Trindade e entra Alexandre Padilha Foto: WILTON JUNIOR
Diante da ex-ministra, que há quase um ano lançou o programa “Mais Acesso a Especialistas”, Padilha afirmou que sua “obsessão” será reduzir o tempo de espera para quem precisa de atendimento especializado no País.
A declaração jogou no colo de Nísia, que assistia ao discurso sentada no mesmo palco onde estava o presidente, o fracasso de uma política que desde a campanha está na ordem do dia de Lula. “Será mais que uma prioridade, será nossa agenda diária de trabalho”, disse Padilha, falando o que o chefe quer ouvir.
Como o Estadão mostrou, em janeiro, Lula se reuniu com Nísia para saber por que o programa não estaria andando. Na época, o presidente ainda tentava uma ofensiva de marketing na pasta, capitaneada pelo recém-chegado ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), Sidônio Palmeira.
Não bastasse o protagonismo do tema na fala de Padilha, o ministro trouxe à baila outras duas contas do rosário de motivos usado pelo governo para justificar a troca na pasta: o fortalecimento da vacinação e o combate à dengue.
No início de seu discurso, Padilha fez uma “saudação especial à vossa excelência, o Zé Gotinha”, e destacou: “Se prepara, Zé Gotinha, que vamos andar muito este País para vacinar quem precisa ser vacinado”.
Apesar de ter citado o papel de Nísia em garantir a retomada de políticas destruídas pelo bolsonarismo, como o programa de imunizações, ao falar em impulsionar um “amplo movimento nacional pela vacinação”, Padilha deixou para depois o fato de que, sob Nísia, a cobertura vacinal do País voltou a crescer significativamente, com aumento médio de 17 pontos porcentuais em comparação com 2022.
O cenário fez com que o Brasil saísse da lista de 20 países com maior número de crianças não vacinadas, onde ocupava o sétimo lugar em 2021.
Na prática, a declaração de Padilha, que parecia apenas um aceno positivo à vacinação, ecoou críticas feitas pela oposição no fim do ano passado, quando pelo menos 11 Estados do País registraram escassez de algum tipo de imunizante.
A fala jogou mais uma falha no colo de sua ex-colega e reforçou uma visão disseminada dentro do próprio governo: a de que a ministra não soube se defender das críticas e acabou gerando mais um ônus à gestão petista.
Nas prioridades de Padilha retiradas do saco de supostas falhas de Nísia, houve espaço ainda para o combate à dengue. A alta do número de casos da doença no início do ano passado foi um dos pontos de maior desgaste da ministra, levando sua permanência ao limite em março de 2024, quando Nísia foi cobrada publicamente durante uma reunião ministerial.
Na época, ao ser cobrada, Nísia afirmou que o ministério estaria fazendo sua parte, mas que a responsabilidade maior no combate ao mosquito ficaria fora da alçada federal, cabendo às Prefeituras e à própria população. A justificativa chegou a ser endossada pelo ministro da Casa Civil, Rui Costa, antes de o governo fazer um ajuste na estratégia de comunicação sobre o tema.
Pareciam águas passadas, até Padilha se lembrar nesta segunda-feira e defender uma união de esforços: “Porque o mosquito não é do prefeito, do governador, nem do presidente da República”.
Nesta segunda, pouco antes da cerimônia de posse, o governo divulgou em seus canais que o Brasil baixou em 69,25% o número de casos prováveis de dengue em comparação com o mesmo período de 2024.
Para não restar dúvidas de que ao longo de dois anos a pasta da Saúde esteve a cargo de uma aliada, o ministro lembrou o cenário de negação da ciência encontrado por Nísia quando Lula assumiu o governo, após o desmonte da gestão anterior. Padilha agradeceu a ex-ministra, a quem chamou de amiga, por seu “trabalho incansável” para reconstruir o ministério.
Com a casa arrumada, Padilha terá nas costas um bônus e um ônus: poderá formular políticas novas e construir marcas, como quer o presidente; mas, caso falhe, não poderá culpar o governo anterior.