Quando o assunto é masculinidade, assuntos que envolvem a aparência do pênis ainda pesam (e muito). Talvez por isso a tal “harmonização peniana” esteja chamando tanta atenção. O procedimento, que promete aumentar a espessura do órgão, vem ganhando popularidade nas redes sociais e virou a nova aposta de quem quer elevar a autoestima — e, de quebra, o desempenho sexual.
Apesar de estar em alta agora, o preenchimento peniano não é exatamente uma novidade. Como explica o urologista Ubirajara Barroso, professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública, esse tipo de intervenção já existe há pelo menos uma década. A grande diferença está no material usado. No passado, o procedimento era feito com PMMA, uma substância permanente e considerada de alto risco. O uso para fins estéticos, inclusive, foi proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
O ideal é que o paciente passe por uma avaliação criteriosa, receba todas as informações, inclusive sobre o que é considerado um tamanho de pênis normal, e tenha tempo para pensar se realmente deseja fazer o procedimento, afirma médico Foto: Shisu_ka/Adobe Stock
Hoje, a coisa mudou. O material da vez é o ácido hialurônico — sim, o mesmo usado para dar volume aos lábios, suavizar olheiras e destacar a “maçã do rosto”. “O ponto positivo do produto é que, se a pessoa não gostar do resultado ou tiver algum efeito colateral, dá para reverter. Isso torna o processo mais controlável, o que explica a popularidade repentina”, afirma Eduardo de Paula Miranda, coordenador da área de Sexualidade Humana da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).
Vale ressaltar, no entanto, que o procedimento é puramente estético. Ele não aumenta o comprimento do pênis, apenas a espessura — ou seja, não é indicado para quem tem alguma condição médica, como o micropênis. E se alguém prometer milagres — como melhorar a performance ou turbinar a sensibilidade — é bom ligar o sinal de alerta. “O que pode acontecer é a pessoa se sentir mais confiante, e essa autoconfiança refletir positivamente em outras áreas. Mas afirmar que o procedimento tem impacto em outros sentidos além do estético não é verdade”, ressalta Barroso.
Segundo o médico, o uso do ácido hialurônico pode aumentar a espessura do pênis de 1 a 3 centímetros. E o efeito não é permanente — costuma durar de 6 meses a 2 anos, dependendo de como o corpo reage e absorve a substância (algo que acontece naturalmente, já que o organismo a reconhece como algo “familiar”).
Os preços do procedimento variam de R$ 8 mil a R$ 20 mil. Tudo depende da quantidade de produto, da clínica escolhida e dos honorários dos profissionais envolvidos. E aí surge outra questão: o preenchimento peniano pode ser realizado por urologista, dermatologista, esteticista, dentista, biomédico. Essa variedade de especialidades tem gerado bastante debate (veja mais abaixo).
Visão distorcida
A maioria daqueles que buscam esse tipo de procedimento está dentro do que é considerado normal — sem nenhuma alteração anatômica ou problema físico. Para Ubirajara, isso revela o quanto a ideia do que seria um “tamanho ideal” é distorcida na nossa sociedade. “Muitos acreditam que um pênis ‘ok’ tem de ter 15 ou 16 centímetros ereto, quando, na verdade, a média real gira em torno de 12 a 14.”
Essa percepção equivocada, segundo Miranda, tem muito a ver com as referências irreais — especialmente em filmes e na pornografia, que acabam reforçando padrões de corpo masculino distantes da realidade.
Além disso, persiste uma ideia ultrapassada de que “quanto maior, melhor” — como se o tamanho do pênis estivesse diretamente ligado à virilidade ou ao desempenho sexual. “Isso é puro mito”, reforça o professor. “Tem estudo mostrando que, entre dez características importantes para uma parceira, o tamanho do pênis é a que menos pesa. A principal zona erógena está na parte mais superficial dos genitais e também do ânus. Ou seja, aumentar o tamanho não vai, por si só, melhorar a relação sexual.”
Procedimento não está isento de riscos
Embora a harmonização peniana esteja se popularizando, ela não é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) ou por outros conselhos profissionais.
Atualmente, o procedimento acontece por uma espécie de “brecha”: o ácido hialurônico é uma substância liberada para uso estético no Brasil, e não existe nenhuma norma que proíba expressamente sua aplicação na região peniana. Por outro lado, também não há qualquer regulamentação específica que autorize ou estabeleça critérios técnicos para esse tipo de intervenção.
Ou seja, a técnica não é exatamente proibida, nem oficialmente permitida. Com isso, a segurança e a responsabilidade recaem quase que totalmente sobre o profissional que aplica o produto e sobre o paciente que aceita fazer.
Vale destacar que o pênis é um órgão complexo, com funções que vão muito além da estética — por isso, a SBU defende que o preenchimento peniano seja considerado um ato médico — e, no melhor dos casos, realizado apenas por urologistas, que são especialistas no sistema reprodutor masculino.
Quando o procedimento não é bem planejado ou não é executado da forma correta, as consequências podem ser sérias. Podem ocorrer desde assimetrias e infecções até problemas mais graves, como fibrose, disfunção erétil ou necrose da pele. Isso sem contar os impactos emocionais.
Por outro lado, o interesse existe — e está crescendo. “Os homens estão buscando. A demanda é real, cada vez mais presente, e a medicina precisa escutar esses desejos também”, destaca Miranda. “As mulheres já fazem procedimentos estéticos em regiões íntimas há bastante tempo, e elas também não são livres de risco. É importante considerar esse ponto.”
Regulamentação e pontos de atenção
Segundo o CFM, há uma análise em andamento para atualizar a resolução 1.478, de 1997, que define como experimentais procedimentos como o alongamento peniano cirúrgico e a neurotripsia, usada para tratar ejaculação precoce. Na época, a técnica de aumento da circunferência peniana — apelidada agora de “harmonização peniana” — não entrou na discussão, mesmo quando passou a ser realizada com PMMA.
Com a popularização do procedimento, o conselho analisa as evidências científicas disponíveis para decidir se a prática pode ser regulamentada ou se deve ser considerada experimental.
De acordo com Miranda, os primeiros estudos mostram resultados promissores, mas ainda são poucos. E mesmo que o ácido hialurônico seja absorvido naturalmente pelo corpo — e por isso considerado de baixo risco —, ainda não se sabe exatamente quais são os efeitos no longo prazo. Ou seja, não dá para prever com segurança o que vai acontecer com o órgão desses pacientes daqui a 10 ou 15 anos. “Se a técnica for considerada experimental, a orientação é que os médicos recuem e parem de realizar o procedimento”, destaca o urologista da SBU.
Agora, se a prática for liberada, a regulamentação deve considerar vários pontos, na opinião dele. O primeiro deles é que o mercado cresceu mais rápido do que o conhecimento científico. Hoje, existem diversas técnicas e tipos de ácidos hialurônicos sendo usados. Cada profissional acaba adotando seu próprio jeito de aplicar: com agulha, com cânula, de frente para trás, de trás para frente, com uma ou várias punções, com ou sem anestesia… e na falta de uma padronização clara, fica difícil garantir segurança.
A quantidade aplicada também varia bastante e, muitas vezes, o próprio paciente interfere nisso. “Tem gente que chega pedindo 20 ou 30 ml, como se fosse só uma questão de desejo. Mas a anatomia tem limites”, destaca Miranda.
Outro ponto delicado é identificar quando a vontade de mudar o corpo esconde um sofrimento mais profundo. Barroso explica que nem todo homem procura esse tipo de procedimento por uma questão puramente estética. Às vezes, há uma distorção da autoimagem, o que pode indicar um transtorno dismórfico corporal — uma condição mental em que a pessoa tem um foco obsessivo em algum detalhe do corpo, buscando soluções cada vez mais radicais, sem se sentir realmente satisfeita.
Nessas situações, o cuidado precisa ser redobrado. “Problemas complexos não têm soluções simples. O paciente precisa entender o que está por trás desse desejo e receber uma orientação honesta e responsável”, reforça o especialista.
Por trás da novidade, há também um mercado potente, com muito dinheiro envolvido — e, portanto, movido por grandes interesses comerciais.
“Não é como aplicar botox na testa ou fazer uma limpeza de pele. Estamos falando de um procedimento íntimo, em um órgão funcional. Tem risco, tem custo e não é definitivo. O efeito passa, tem que reaplicar. E aí? A pessoa vai fazer isso pelo resto da vida? Quanto dinheiro vai gastar? Essas são conversas que precisam acontecer antes da decisão”, alerta Miranda.
O ideal, segundo ele, é que o paciente passe por uma avaliação criteriosa, receba todas as informações — inclusive sobre o que é considerado um tamanho peniano dentro da normalidade — e tenha tempo para pensar. Só então o procedimento deve ser considerado.
Por fim, o especialista chama atenção para a velocidade com que novas substâncias chegam ao mercado estético — e o risco de quererem “testar tudo” no pênis. “Já tem gente divulgando preenchimento peniano com botox, com PDRN (um composto derivado do DNA de salmão usado em tratamentos estéticos), sendo que o hialurônico ainda está em fase de estudo. É preciso controlar os ânimos e abandonar a lógica simplista desse tipo de procedimento.”
Procedimento pode acarretar infrações ao Código de Ética Médica
Enquanto o preenchimento peniano não é oficialmente reconhecido pelo CFM, os médicos que divulgam o procedimento podem estar pisando em terreno delicado — inclusive do ponto de vista ético.
Quando perguntado sobre orientações para os profissionais que oferecem ou divulgam esse tipo de tratamento, o CFM respondeu que “tais procedimentos são novos e não foram formalmente reconhecidos”, o que pode configurar infrações ao Código de Ética Médica. Isso porque o artigo 113 da norma proíbe médicos de divulgarem, fora do meio científico, qualquer tratamento ou técnica cujo valor ainda não tenha sido comprovado e aceito oficialmente por órgãos competentes.
A reportagem também perguntou se o CFM tem feito algum tipo de fiscalização — especialmente nas redes sociais, onde muitos desses procedimentos são divulgados — e se já aplicou alguma penalidade. Até agora, não houve retorno, mas o espaço segue aberto para atualizações.