Quando o plano é ajudar uma criança a ter uma rotina mais saudável, toda a família deve entrar no jogo, e um novo estudo reforça essa ideia.
Obesidade infantil pode levar a outras doenças na vida adulta Foto: Africa Studio/Adobe Stock
A pesquisa, conduzida nos Estados Unidos com 452 crianças entre 6 e 12 anos, sugere que programas de combate à obesidade infantil que envolvem uma mudança comportamental de toda a família são mais eficazes do que os métodos tradicionais aplicados em consultórios.
No Brasil, os especialistas também defendem a importância de incluir os pais e irmãos nas estratégias — e dão dicas do que fazer.
Terapia comportamental baseada na família
Na pesquisa norte-americana, os pesquisadores acompanharam dois grupos ao longo de dois anos. Um grupo recebeu o tratamento convencional, focado apenas na criança, e o outro participou de um programa familiar em unidades de atenção primária pediátrica. Como resultado, quem fez o programa em família perdeu 6,21% mais peso do que quem seguiu o caminho convencional.
Além disso, o peso das crianças do grupo familiar ficou estável no fim do estudo, enquanto nas crianças do grupo tradicional o excesso de peso aumentou. Ainda segundo a pesquisa, o número de crianças que atingiram um resultado significativo no controle do peso foi quase três vezes maior entre aquelas que passaram pelo acompanhamento familiar.
“A obesidade infantil está diretamente ligada a um estilo de vida que não é só da criança, mas da família toda. Então, a adoção do estilo de vida e alimentação saudáveis pela família impacta diretamente no maior ou menor risco”, explica Fabíola Suano, presidente do Departamento Científico de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Como funciona o modelo de cuidado
O programa de terapia comportamental baseada na família usado na pesquisa foi estruturado para acontecer dentro do ambiente doméstico, a partir de orientações recebidas em encontros com profissionais capacitados. A meta era que as famílias participassem de 26 sessões como os “coachs”, profissionais de saúde da atenção primária treinados, durante o acompanhamento de 24 meses.
Nas sessões, pais e filhos eram pesados e ocorria a revisão do diário alimentar, acompanhamento da atividade física e definição de metas conjuntas, além da discussão de manuais de tratamento.
As famílias receberam materiais educativos, como conteúdos sobre o sistema Traffic Light Eating, uma forma de classificar os alimentos usando uma espécie de semáforo, com cores de acordo com a frequência recomendada de consumo:
- Sinal verde para carne branca, ovos, frutas, vegetais e grãos integrais;
- Sinal amarelo para suco de fruta 100% integral, grãos refinados e alimentos enlatados;
- Sinal vermelho para alimentos ultraprocessados.
Também foram trabalhadas estratégias de organização da rotina, planos de atividade física, orientações sobre criação dos filhos e formas de incentivar mudanças duradouras no comportamento.
Como resultado, os pais também apresentaram melhoras em seus indicadores de peso, e até irmãos que não participaram diretamente das sessões reduziram o índice de massa corporal (IMC).
O que a família pode fazer?
“A influência da família é enorme, tanto genética quanto comportamental”, destaca Priscila Oyama, professora de Endocrinologia do Centro Universitário São Camilo.
Geneticamente falando, segundo o Ministério da Saúde, o risco de obesidade quando nenhum dos pais convive com o quadro é de 9%, ao passo que sobe para 50% quando um dos genitores tem obesidade e 80% quando ambos têm o diagnóstico.
Já no quesito comportamental, Fabíola destaca que o quadro é diretamente ligado ao estilo de vida da família. Por isso, é muito importante ampliar as orientações para todos, sem culpabilizá-los.
“A obesidade é uma questão multifatorial. Não é algo movido por uma falta de vontade de melhorar, como muitos estigmatizam”, reforça. “Mas, sem dúvida nenhuma, é obrigatório (para o pediatra) passar uma mudança de estilo de vida para a família, com a criança envolvida.”
Algumas dicas, segundo as especialistas, são:
Fabíola destaca que é preciso entender que a obesidade é uma doença crônica que impacta a qualidade de vida e aumenta o risco de desenvolvimento de doenças em curto e longo prazo.
Por muito tempo, a obesidade e o sobrepeso foram entendidos como um fator de risco para problemas de saúde. No entanto, hoje os especialistas acreditam que essa concepção pode ser limitada. Para eles, a obesidade é uma doença por si só e tem mecanismos diretos que podem afetar outros órgãos além do tecido adiposo, como o coração.
- Escolher e preparar adequadamente os alimentos
Valorizar o preparo de alimentos in natura e minimamente processados, usando ingredientes culinários básicos, é uma das estratégias mais eficazes para evitar o consumo de ultraprocessados.
Esses produtos concentram grandes quantidades de sal, gordura e açúcar, além de diversos aditivos químicos, e estão diretamente associados ao aumento de doenças como obesidade, diabetes e hipertensão. Por isso, preparar refeições em casa deve ser incentivado.
E vale lembrar que a chamada “comida de verdade” vai além da nutrição: ela reúne todos em torno de aspectos culturais e tem a ver com a própria história da família.
Segundo a SBP, o ideal é que, dos 6 aos 10 anos, o uso de celular, televisão e videogame seja reduzido a no máximo duas horas por dia e, dos 11 aos 18 anos, a até três horas por dia.
“No restante do tempo livre, o ideal é promover pelo menos 60 minutos diários de atividade física”, aponta Priscila. Assim também recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS), que aponta que todas as crianças e adolescentes devem fazer uma média de 60 minutos de atividade física aeróbica de intensidade moderada por dia, incluindo atividades que fortalecem músculos e ossos pelo menos três vezes por semana.
- Respeitar o momento de introdução alimentar
Durante a infância, é importante que a introdução alimentar seja feita no momento adequado, aponta Louise Cominato, coordenadora do Departamento de Obesidade Infantil da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso).
Nesse sentido, é importante evitar o contato com bebidas e comidas ultraprocessadas desde a primeira infância. Estudos indicam que a introdução desses alimentos antes dos seis meses de idade está fortemente associada ao aumento do risco de obesidade infantil, o que pode levar a outras doenças na vida adulta.
- Valorizar boas noites de sono
As noites de sono das crianças fazem muita diferença. “Não ir dormir muito tarde também ajuda na perda de peso”, destaca Louise.
Segundo o Instituto do Sono, a privação de sono provoca a desregulação hormonal, elevando a produção de grelina, hormônio responsável por estimular a fome. A ingestão calórica em excesso, por sua vez, favorece a obesidade.
Além disso, a produção de leptina, hormônio responsável por promover o gasto calórico e regular os níveis de glicose no sangue, também é afetada. Por fim, os níveis de cortisol, conhecido como hormônio do estresse, costumam subir em noites mal dormidas, o que também é associado ao ganho de peso.
- Tomar cuidado com as propagandas
“Não só o sedentarismo, mas também a exposição à propaganda de alimentos e brinquedos acaba impactando nas escolhas alimentares da criança e da família”, acrescenta Fabíola.
Por isso, é importante ter atenção ao que é consumido e promover atividades agradáveis que envolvam prática de atividade física, como brincar e correr, especialmente em lugares onde a criança possa ter contato com a natureza.
Políticas públicas
“A obesidade não é uma doença só da criança ou da família. Há necessidade de uma série de políticas públicas integradas”, destaca Fabíola. Nesse cenário, a escola pode e deve se envolver, com iniciativas para a promoção de alimentação saudável e inclusão da educação nutricional no currículo, sugere a especialista.
Além disso, não existem no Brasil centros destinados ao tratamento da obesidade infantil na atenção básica e nem uma diretriz específica destinada à rede pública.
O que há por aqui é a Estratégia Nacional para a Prevenção e Atenção à Obesidade Infantil, chamada de Proteja. Instituído em 2021, o documento é um guia de melhores práticas para gestores públicos e se fundamenta nos seguintes eixos:
- Vigilância alimentar e nutricional;
- Promoção da saúde nas escolas;
- Educação, comunicação e informação para promover a alimentação saudável e a prática de atividade física para toda a população brasileira;
- Formação e educação permanente dos profissionais envolvidos no cuidado às crianças;
- Articulações intersetoriais e de caráter comunitário que promovam ambientes saudáveis.
Ainda assim, falta muito para que o cenário seja o ideal no Sistema Único de Saúde (SUS), avaliam as especialistas. “Seria incrível se tivéssemos uma estrutura para tratamento de obesidade infantil e mais ainda se a população pudesse ter acesso a uma terapia baseada na família”, lamenta Louise.
Mas há casos de sucesso nos quais se inspirar. No Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da USP, por exemplo, há um ambulatório destinado a crianças e adolescentes com obesidade, onde é feito um trabalho multidisciplinar. “E todo o atendimento é baseado na família”, comenta Louise.
Por lá, é promovido o atendimento nutricional, são realizadas propostas de atividades físicas e o atendimento médico é voltado para mudanças de estilo de vida de toda a família. É um vislumbre do cenário ideal.