De Bergoglio a Francisco: a trajetória do primeiro papa latino-americano
De Bergoglio a Francisco: a trajetória do primeiro papa latino-americano
O papa Francisco morreu nesta segunda-feira, 21, aos 88 anos, em decorrência de um acidente vascular cerebral (AVC) e de um colapso cardiocirculatório, segundo boletim médico divulgado pelo Vaticano.
A morte ocorre pouco após o pontífice argentino ficar 38 dias internado devido a uma pneumonia bilateral. No entanto, médicos ouvidos pelo Estadão afirmam que não necessariamente há relação direta entre os dois eventos.
“Ainda não há muitos detalhes, mas o papa tinha 88 anos, era hipertenso e diabético. Independentemente do quadro respiratório que tinha se agravado, toda pessoa portadora de hipertensão e diabetes tem um risco contemplado de ter AVC”, afirma Abrão Cury, cardiologista do HCor.
“Ao que parece, a morte do papa se deu por uma nova ocorrência, e não por um agravamento do quadro que ele tinha anteriormente”, acrescenta o médico, que também é professor de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Cury destaca que o boletim médico não especifica se houve AVC hemorrágico, em que há rompimento de um vaso sanguíneo no cérebro, ou isquêmico, quando ocorre obstrução de um vaso sanguíneo. “Pela rapidez da morte, eu contemplaria o AVC hemorrágico, que leva a um extenso sangramento no cérebro”, diz.
A avaliação dele é que o quadro de insuficiência cardíaca pode ter se dado logo depois disso. “Deve ter comprometido o sistema respiratório, e isso, por consequência, pode ter gerado uma parada cardíaca”, afirma. “Foi morte súbita: ele já estava doente, mas, pelo que foi noticiado, não é que ele teve uma piora da crise de falta de ar, mas uma nova complicação.”
Para Fernando Bacal, diretor do Núcleo de Transplantes do Instituto do Coração (InCor), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, o boletim não deixa claro se houve insuficiência cardíaca como predisposição para eventos de AVC, o que poderia se desconhecido até então, ou se a falência cardíaca foi o evento final de uma sucessão de eventos clínicos.
O papa Francisco morreu aos 88 anos, nesta segunda; nesta foto, tirada em 2018, ele acena para fiéis Foto: Vincenzo Pinto/AFP
“Conceitualmente, um paciente portador de insuficiência cardíaca pode ter mais riscos de AVC basicamente por dois aspectos: o coração fraco pode ser uma fonte de formação de trombos e coágulos no coração, que podem se desprender e ir para cabeça, levando ao AVC, ou os pacientes que têm insuficiência cardíaca têm mais risco de fibrilação atrial”, diz.
Essa segunda condição, explica Bacal, é uma arritmia nos átrios que também pode anteceder a formação de trombos que levam ao AVC. O médico afirma que diabetes e hipertensão, ambas listadas no boletim médico do papa Francisco, são comorbidades frequentes em pacientes com insuficiência cardíaca.
O médico acrescenta que os problemas respiratórios do papa podem não ter relação direta com o AVC, mas contribuíram para um possível enfraquecimento do pontífice. Quando jovem, Francisco foi vítima de uma doença respiratória grave e teve de retirar parte de um dos pulmões.
“As bronquiectasias (dilatações anormais nos brônquios) – acho que esse era o problema principal dele durante uma vida, que era o que se conhecia (do histórico de saúde), com problemas pulmonares, com cirurgias pulmonares prévias – predispõem a infecções pulmonares, como essa última internação, que foi por uma pneumonia bilateral grave e multibacteriana”, diz.
“Elas não são um fator diretamente relacionado à alteração cardiovascular, mas que, com certeza, impactou muito na queda, na fragilidade dele, na perda de capacidade funcional, com internação prolongada, dependendo de oxigênio e tomando uma série de medicações, como antibióticos, corticoides e assim por diante”, afirma Bacal.
Leia o boletim completo abaixo:
Certifico que Sua Santidade Francisco (Jorge Mario Bergoglio) nasceu em Buenos Aires (Argentina) em 17 de dezembro de 1936, residente na Cidade do Vaticano, cidadão do Vaticano, morreu às 7h35 do dia 21/04/2025 em seu apartamento na Domus Santa Marta (Cidade do Vaticano) por:
– AVC CEREBRAL
– COMA
– COLAPSO CARDIOCIRCULATÓRIO IRREVERSÍVEL
Em assunto afetado por:
– Episódio prévio de insuficiência respiratória aguda em pneumonia multimicrobiana bilateral
– Bronquiectasias múltiplas
– Pressão alta
– Diabetes tipo II
A morte foi determinada por registro eletrocardiotanatográfico.
Declaro que as causas da morte, segundo meu conhecimento e consciência, são aquelas indicadas acima.
Diretor do Departamento de Saúde e Higiene do Estado da Cidade do Vaticano
Prof. Andrea Arcangeli