Envolto na névoa dos meus 14 anos, fui instado a comparecer à comemoração de aniversário do irmão do meu avó Raul, ilustre médico sanitarista, pesquisador e senador pelo Amazonas, Alfredo Augusto da Matta, no Grajaú. Reclamei, pois o cinema era mais atraente, para ouvir de um pai mais sério que o habitual: meu filho, são 80 anos!
Naqueles anos 1950, poucos “chegavam”, como se dizia, aos 80 e eu acabei indo ao aniversário do “velho Alfredo” do qual guardei na minha memória o convívio afetuoso com primos e a figura do aniversariante sentado numa cadeira de rodas, cercado de afeto e cuidados como se ele fosse uma espécie rara por ter vencido oito décadas de um tempo que a ninguém poupa.
Lembro-me bem que formamos uma fila para que, um por um, ele nos conhecesse e, ao lado desse gesto tradicional, guardei a novidade de que um conceituado médico havia receitado periódicas doses de uísque para o coração do homenageado. Receita que, décadas depois, tenho seguido religiosamente…
Hoje, meus 87 anos podem surpreender, mas não são mais coisa do outro mundo.
Embora seja impossível não pensar que essa etapa de vida conduza a uma surpreendente caminhada, cujo combustível cabe numa pergunta sem resposta: como eu cheguei tão longe?
Uma voz murmura: é o teu quintal, para mostrar que, apesar de tudo, a vida é o nosso maior milagre.
Milagre paradoxal e revelador dos poderes do corpo, do amor e da morte que, embora triste, abre caminho e engendra a história e o suceder que nos obriga a zelar e respeitar todos os trajetos – curtos ou longos – das existências.
Tudo isso para dizer que minha amada neta Serena está grávida de um menino, que vai me consagrar no papel de bisavô, abrindo para mim a estreita porta da ancestralidade.
Ancestralidade que é a ponte entre vida e morte. Ancestralidade não planejada, mas aceita como um prêmio e como uma tênue esperança de ser lembrado neste maravilhoso mundo no qual somos uma eventual ponte entre o tudo e o nada…