Um estudo com mais de 12 mil brasileiros publicado nesta quarta-feira, 3, no periódico científico americano Neurology, um dos mais respeitados do mundo no campo da neurologia, mostra que o alto consumo de alguns adoçantes artificiais pode estar associado a um declínio mais rápido da cognição.
A pesquisa, feita por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e que acompanhou mais de 12 mil brasileiros por cerca de oito anos, monitorou o consumo de sete tipos de adoçantes frequentemente presentes em alimentos e bebidas adoçados artificialmente: aspartame, sacarina, acessulfame-K, eritritol, xilitol, sorbitol e tagatose.
A sucralose não entrou no estudo porque não era amplamente disponível no País quando o trabalho foi iniciado, em 2008. No artigo publicado nesta quarta, no entanto, os pesquisadores ressaltam que o consumo de sucralose já foi associado em estudos anteriores “à redução do desempenho nos domínios de memória e função executiva, possivelmente ligada a alterações no microbioma, neuroinflamação e neurotoxicidade decorrente de metabólitos de adoçantes de baixa ou nenhuma caloria”.
Os participantes da pesquisa, que integram a coorte do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa), foram divididos em três grupos de acordo com o padrão de uso de adoçantes: o grupo considerado de consumo alto ingeria, em média, 191 miligramas diárias do produto — o que equivale à quantidade de adoçante presente em uma latinha de refrigerante diet, por exemplo. Aqueles classificados como de consumo médio usavam 65 miligramas por dia. Já os de consumo baixo ingeriam 20 miligramas diárias.
Adoçantes estão associados a aceleração do declínio cognitivo Foto: Freepik
Ao longo dos oito anos de acompanhamento, os participantes realizaram testes cognitivos voltados para memória, fluência verbal, velocidade de processamento e raciocínio. Os resultados mostraram que o declínio cognitivo foi 62% mais acelerado entre aqueles que consumiam maiores quantidades de adoçantes em comparação aos que ingeriam menos – o que representaria um declínico cerca de um ano e meio mais acelerado. No grupo de consumo médio, a queda cognitiva foi 35% mais rápida.
Os efeitos se mostraram especialmente evidentes em pessoas com menos de 60 anos, com impacto mais claro nas habilidades de linguagem e no desempenho cognitivo global, e foram ainda mais acentuados entre participantes com diabetes, sobretudo no domínio da memória.
Dos sete adoçantes avaliados, seis estiveram ligados ao declínio cognitivo mais acelerado — apenas o tagatose não mostrou associação significativa.
“Já tinhamos alguns estudos pequenos mostrando uma relação entre adoçantes e cognição, mas eram mais limitados porque tinham número menor de participantes ou avaliavam um produto específico, como refrigerante diet. Esse estudo é inédito porque é o primeiro grande estudo a analisar isso. Temos uma amostra grande, com acompanhamento longo e análise mais abrangente”, disse ao Estadão a autora senior da pesquisa, Claudia Suemoto, pesquisadora do Elsa-Brasil e professora de geriatria da FMUSP.
Ela destaca, porém, que a pesquisa achou uma correlação entre o maior consumo de adoçantes e declínio cognitivo, mas que são necessários novos trabalhos para estabelecer se há, de fato, uma relação de causalidade, e quais os possíveis mecanismos de ação desse tipo de produto no funcionamento do cérebro.
Por enquanto, diz Claudia, os cientistas têm apenas algumas pistas sobre esses mecanismos. “Em estudos em modelos animais, ratos que consumiram adoçantes tiveram mais inflamação cerebral e mais morte neuronal. Também sabemos, por estudos prévios, que adoçante altera bastante a microbiota intestinal. Como temos cada vez mais estudos mostrando o link entre cérebro e intestino, isso pode influenciar também”, afirmou a pesquisadora, que defendeu que mais estudos sejam feitos para confirmar os achados da pesquisa brasileira e entender o real risco desses produtos para o cérebro.
Um dos caminhos que pode trazer novas descobertas é submeter os participantes do estudo a exames de imagem. De acordo com Claudia, o Elsa-Brasil conseguiu um financiamento para fazer ressonância do crânio de 2 mil participantes da coorte, o que poderá ajudar os pesquisadores a observar eventuais danos cerebrais nos participantes de acordo com seus padrões alimentares.
Devo parar de consumir adoçante?
Para Claudia, o estudo levanta um alerta sobre nossas escolhas alimentares e, embora sejam necessárias mais pesquisas para que os efeitos do produto sobre o cérebro sejam melhor conhecidos, a pesquisadora recomenda moderação no consumo. “Meu conselho é moderar o que você adoça, parar ou reduzir o uso, reeducar o paladar para comer coisas com menos açúcar e buscar opções naturais de adoçante, como mel”, destaca.
Em editorial publicado na Neurology comentando o estudo, o médico americano Thomas Monroe Holland do Rush Institute for Healthy Aging, dos Estados Unidos, destaca que a pesquisa brasileira soma-se a um corpo crescente de evidências de que aditivos alimentares comuns em ultraprocessados, como os adoçantes artificiais, podem impactar a saúde do cérebro de formas que médicos e cientistas “só agora começam a compreender”.
Ele diz ainda que os achados podem levar médicos a reconsiderar as recomendações dietéticas padrão. “A suposição generalizada de que os adoçantes de baixa ou nenhuma caloria representam uma alternativa segura ao açúcar pode estar equivocada, sobretudo diante de sua ampla presença em produtos comercializados como opções ‘mais saudáveis’.”
Claudia recomenda ainda que os consumidores estejam atentos aos rótulos de alimentos anunciados como saudáveis porque muitos deles são adoçados com produtos como o aspartame, que, além de possíveis efeitos danosos ao cérebro, já foram ligados também a um maior risco de câncer.