Além do sofrimento enfrentado por mulheres diagnosticadas com câncer de mama, como o longo tratamento e o estigma, muitas pacientes ainda precisam lidar com a falta de apoio e o desemprego.
Segundo uma pesquisa realizada pela Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama), DataFolha e AstraZeneca, uma em cada dez mulheres é abandonada pelo parceiro após a confirmação da doença, e apenas 17% das entrevistadas não se sentiram desamparadas durante o tratamento.
“Infelizmente, é um dado que já esperávamos, de acordo com a experiência que temos dentro do tema”, relata a biomédica Gabriele Alves, coordenadora de Pesquisa e Informação em Saúde da Femama.
Foram analisadas as respostas de 240 mulheres com diagnóstico de câncer de mama em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Curitiba e Goiânia, entre os dias 5 e 13 de setembro de 2024. A margem de erro é de seis pontos percentuais, para baixo ou para cima.
Problemas financeiros
A pesquisa aponta que 40% das entrevistadas foram demitidas durante o tratamento, que pode envolver cirurgia, além de sessões de quimio e radioterapia.
Segundo especialistas, tirando o cansaço e outros efeitos colaterais após as sessões – que de fato demandam descanso –, a doença não costuma atrapalhar a atividade profissional. Ainda assim, seis em cada dez mulheres indicaram que a situação no trabalho mudou depois do diagnóstico.
“Estamos falando da falta da rede de apoio, tanto na família como no emprego, em entender o que essa mulher está passando”, avalia Gabriele.
Questionadas sobre qual tipo de apoio fez mais falta, o “financeiro” foi o mais lembrado. Cerca de 27% das mulheres marcaram essa opção e, considerando apenas as entrevistadas com renda de até dois salários mínimos, foram 33%. Mesmo entre aquelas com renda familiar de cinco salários mínimos ou mais a questão foi apontada por 7%.
O tratamento é oferecido pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas há gastos com transporte até o centro de tratamento, alimentação e outros itens. Somando ainda os gastos rotineiros, como aluguel, energia e compras no supermercado, a importância de permanecer no trabalho cresce ainda mais.
Os pesquisadores lembram que existe a possibilidade de a paciente pedir aposentadoria por invalidez pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), mas o processo é demorado.
Apoio da família
Ainda sobre a falta de apoio, 13% das mulheres disseram ter sentido falta de uma companhia, como alguém para conversar, e outras 13% gostariam de ajuda com a casa e os filhos. “Eu sou minha maior apoiadora”, disse uma das entrevistadas, em comentário opcional e anônimo.
Na outra ponta, 66% responderam que o apoio mais recebido foi o familiar, superando a ajuda profissional ou religiosa. Perguntadas sobre de quem receberam auxílio, 56% responderam “filhos” ao elencar as três principais pessoas que as ajudaram e, para 27%, eles foram as principais figuras de apoio.
“Quando meu cabelo caiu, achei que iam ter vergonha de mim, mas meu filho reuniu os amigos adolescentes num almoço de surpresa e teve amigos e familiares que rasparam a cabeça”, comentou uma entrevistada.
“(O apoio veio) do meu filho, ele não me deixava (ir sozinha). Ele trabalha na CPTM, mas era muito presente. Os chefes liberavam ele, me ajudou demais.”, compartilhou outra.
Os companheiros foram mencionados como apoio principal por 22% das entrevistadas e como um dos três principais apoiadores por 38% das pacientes, mesma porcentagem das que indicaram “um amigo”. Nesta semana, o apresentador Rodrigo Faro se posicionou sobre a importância do apoio dos parceiros durante o tratamento oncológico – sua esposa, a modelo Vera Viel, foi diagnosticada com um tumor raro na coxa esquerda – e criticou aqueles que abandonam as companheiras (veja abaixo).
Conforme a Femama, embora não haja dados científicos especificamente sobre o impacto da rede de apoio na adesão ao tratamento, a relação é visível.
“Desde a consulta, as mulheres que vêm com acompanhante têm alguém para dizer ‘está tomando o remédio direito? A médica disse isso e isso’. Às vezes, a paciente está mal, vomitando, e o acompanhante precisa estar lá dizendo ‘vai passar’. Muitas querem abandonar o tratamento e não têm ninguém que diga ‘calma, vai melhorar, continua’”, afirma Maira Caleffi, chefe do serviço de mastologia do Hospital Moinhos de Vento e presidente-fundadora da Femama.
“Eu opero em centros particulares e mesmo lá ouço ‘doutora, eu sou sozinha, não tenho ninguém, como é que eu faço?’”, acrescenta a mastologista. Nessas situações, Maira incentiva a paciente a acionar um amigo de confiança ou contar para os filhos. Em caso de resposta negativa, ela indica ONGs com grupos de apoio formados por outras pacientes. A ideia é a mulher perceber que sempre há alguém com quem contar.
“Evitamos campanhas e falas colocando a mulher como heroína porque a sociedade já faz muito isso e, quando vem um problema como o câncer de mama, elas querem enfrentar sozinhas. Não precisa (ser assim)”, reforça Mely Paredes, coordenadora de comunicação da Femama.
Busca por informações e tratamento
A pesquisa apontou que apenas 44% das mulheres sabiam dizer qual era seu tipo de câncer. “É imprescindível saber sobre a sua própria doença e a forma de tratamento, para pressionar o médico a fazer da melhor forma”, defende a mastologista.
Em relação à busca por informação sobre a doença, 48% contaram recorrer ao próprio médico; 34% citaram o Google e 11% mencionaram a internet de forma geral. O hospital foi citado por 10% e o Youtube, por 8%.
Para Gabriele, a falta de conhecimento e a busca por informações em locais não oficiais são preocupantes. A biomédica superou um câncer de mama há alguns anos e acredita que a informação sobre seu quadro foi fundamental para entender o que acontecia em cada fase do tratamento.
“Uma das questões que mais atrapalha (a luta contra o câncer de mama) é a falta de acesso a informações sobre prevenção, diagnóstico e até mesmo tratamento e controle do câncer”, diz. Por isso, neste ano, a campanha do Outubro Rosa da Femama é “Com Mais Informação Somos Mais Vida”.
Outra briga da entidade é a aprovação de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) uniformizando o tratamento da doença em todo o País. “Temos medicações que já foram aprovadas pelas comissões técnicas desde 2021 e as pacientes ainda não têm acesso, porque esses protocolos não estão atualizados”, argumenta Mely.
O Ministério da Saúde chegou a divulgar um relatório preliminar com o PCDT do câncer de mama em fevereiro deste ano, mas ele não foi publicado oficialmente nem entrou em vigor. A expectativa das ativistas é que o documento seja provado até o fim do Outubro Rosa.