Todos sabem que fazer exercícios regularmente é indispensável, seja para melhora da saúde, da aparência física ou do desempenho. No entanto, seguir conselhos errados pode ser um atalho para se frustrar com metas que não serão atingidas, organizar o treino de forma inadequada e até mesmo se machucar. Como a ciência do exercício é uma das áreas que mais sofrem com mitos profundamente enraizados no imaginário coletivo, dedico esta coluna a expor alguns desses pensamentos errôneos, e explicar por que não fazem sentido.
1- Abdominais fazem perder barriga
Abdominais são exercícios excelentes, e deveriam estar presentes em praticamente todas as rotinas de treino. São exercícios que fortalecem músculos importantes para a postura, o equilíbrio e a execução de diversas atividades do dia a dia. Músculos abdominais fortes contribuem para a estabilidade do tronco e do quadril; quando fracos, há aumento do risco de desenvolvimento de dor lombar crônica. Não à toa, programas de fortalecimento abdominal podem melhorar quadros de dor lombar.
Motivos não faltam, portanto, para treinar seu abdômen com afinco – mas perder barriga definitivamente não é um deles.
Diferente do que muitos imaginam, não é possível escolher de quais regiões a gordura será mobilizada para fornecer energia para o exercício. Portanto, treinar esse ou aquele músculo não significa que se está queimando gordura dessa ou daquela parte do corpo. A gordura que está acima (logo, fora) do músculo que você trabalha não é preferencialmente ativada só porque o músculo abaixo dela está contraindo.
Para perder gordura da barriga, é necessário eliminar gordura corporal como um todo, e torcer um pouco para que aquele depósito que te incomoda seja contemplado na loteria da mobilização da gordura. Vale dizer que alguns dos nossos estoques de gordura são, digamos, mais teimosos, e apresentam uma certa resistência em serem mobilizados durante o exercício físico.
Curiosamente, a gordura que fica logo abaixo da pele é geralmente uma das mais difíceis de mobilizar. No entanto, ainda que os abdominais não ajudem muito a “chapar” a barriga, eles podem deixar os músculos maiores e, caso a gordura acima deles seja reduzida o suficiente, há chance de ficarem visíveis. É aí que os “gominhos” começam a aparecer.
2- Para emagrecer, é preciso fazer exercícios aeróbios
Assim como os abdominais, exercícios aeróbios também deveriam ser parte integrante da rotina de qualquer pessoa. Seus benefícios são tantos que não caberiam neste espaço. Por isso, vou apenas assegurar que, embora eles possam contribuir para o emagrecimento, é perfeitamente factível emagrecer sem esse tipo de atividade.
Esse mito baseia-se na ideia errônea de que a gordura que perdemos durante o treino é relevante para o processo de emagrecimento, o que não é verdade, já que são quantidades muito pequenas. Ele também ignora o fato de que o exercício em si é pouco eficiente para a perda de peso (nesse quesito, modificações alimentares têm impacto muito maior).
Por fim, esse mito desconsidera que outros tipos de exercício, em especial o treinamento de força, podem contribuir para o emagrecimento – não necessariamente por promover perda de gordura, mas sim por estimular o ganho de massa magra.
Em um contexto em que se perde peso, é natural que parte considerável disso venha da perda de músculos. Logo, manter os músculos durante a perda de peso resulta, automaticamente, em maior eliminação de gordura. Esse processo é denominado recomposição corporal e, embora o treinamento aeróbio possa contribuir com ele, o treinamento de força é muito efetivo nessa missão.
3- Suei bastante, logo, o treino foi bom
Exercícios intensos resultam em um gasto maior de energia, e parte dessa energia é dissipada na forma de calor. Para evitar que a temperatura corporal atinja valores perigosamente elevados, nosso organismo dispõe de vários mecanismos de arrefecimento, dentre os quais a produção de suor é um dos mais relevantes. Logo, faz algum sentido imaginar que treinos mais intensos levam à sudorese mais significativa.
No entanto, inúmeros outros fatores afetam a produção de suor, tais como sexo biológico (homens tendem a suar mais do que mulheres), genética (algumas pessoas naturalmente suam mais do que outras), aptidão física (pessoas treinadas costumam suar mais do que pessoas não treinadas) e aclimatação (indivíduos habituados a climas quentes suam mais do que os não acostumados).
Além disso, as condições ambientais são preponderantes no que tange as taxas de sudorese. Assim, é perfeitamente possível suar muito, mesmo em treinos relativamente leves, a depender das condições ambientais e das características de quem se exercita.
Da mesma forma, pessoas que naturalmente suam menos, ou que se exercitam em condições amenas, podem suar pouco, mesmo durante treinos intensos. Fora isso, é sempre bom reforçar que o exercício não precisa necessariamente ser intenso para ser bom.
4- Fiquei com dor, logo, o treino foi bom
Em um passado não muito distante, uma hipótese razoavelmente bem aceita entre os acadêmicos dizia que o crescimento muscular ocorreria em resposta ao dano muscular provocado pelo treino.
Mas a dor muscular pós-treino não é sinônimo de treino de qualidade, e pode até ser contraproducente, especialmente se o objetivo for o crescimento muscular. Esse tema foi discutido em detalhes na última coluna.
5- Ácido lático é ruim, pois causa dor, fadiga e câimbras
Durante a realização de exercícios, o organismo produz uma substância chamada ácido lático, ou lactato, para ser mais preciso. Inicialmente apontado pela ciência como agente causador de fadiga, ele foi absolvido por estudos realizados nas duas últimas décadas.
Esses trabalhos mostraram que o lactato não atrapalha a contração muscular, tampouco causa fadiga. Algumas causas da fadiga já foram razoavelmente bem elucidadas, e hoje há um consenso entre os especialistas de que o ácido lático não é uma delas. Na verdade, sabemos que sua produção é fundamental para sustentar exercícios intensos, o que pode ser verificado pela produção muito maior dessa substância entre velocistas em comparação com atletas de provas longas.
Entre leigos e aficionados, a má fama do lactato ganhou ainda mais eco, e até hoje muitos ainda acreditam que ele causa aquela sensação de queimação nos músculos, típica do exercício intenso, e até câimbras.
Ocorre que, coincidentemente, o lactato é produzido em altas quantidades pelo músculo durante um exercício mais intenso, que é justamente quando há dor, desconforto, fadiga. No entanto, a dor e o desconforto desaparecem tão logo o exercício é interrompido, mas o lactato permanece elevado por muito mais tempo – como culpá-lo, então, por essa dor? Já a câimbra que decorre do exercício é bem mais difícil de ser estudada, e ainda não sabemos muito sobre esse fenômeno. De qualquer forma, nada, até o momento, indica que o lactato tenha qualquer participação no surgimento desse desconforto.