Cada vez mais jovens estão sendo diagnosticados com problemas de saúde antes associados ao envelhecimento, como infarto, diverticulite, osteoporose, catarata e diabetes do tipo 2. Especialistas apontam que manter certos hábitos de vida, como seguir uma alimentação desequilibrada, ser sedentário e fumar, tem contribuído para que enfermidades típicas da velhice se antecipem e afetem adultos em plena fase produtiva.
“Percebemos que o brasileiro não tem dado a devida atenção aos fatores de risco. Isso é preocupante”, diz Francisco Saraiva, presidente do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). O médico explica que isso pode não só antecipar o diagnóstico de doenças como também elevar o risco de morte.
Segundo Saraiva, precisamos de mais políticas públicas que mostrem a importância de um acompanhamento médico especializado, justamente para que a população entenda quais são esses fatores de risco – e como evitá-los. Se isso não for uma prioridade, alerta o especialista, “não vamos ter hospitais que aguentem, ao mesmo tempo, tantos jovens e idosos”. A seguir, confira problemas de saúde que têm surgido cada vez mais cedo.
Infarto
Um levantamento do Estadão, com base em dados do Ministério da Saúde, mostra que as internações de pessoas abaixo de 40 anos em decorrência de infarto passaram de 1,7 caso por 100 mil habitantes em 2000 para quase 5 em 2022 — um aumento de 184%.
Infarto é um dos problemas que têm acometido gente mais jovem Foto: My Ocean studio/Adobe Stock
“Hoje, não precisa envelhecer para ter infarto — basta colecionar fatores de risco”, ressalta Saraiva. “Metade da população adulta está com excesso de peso, cerca de 20% dos brasileiros têm pressão alta e temos visto um crescente número de jovens usando cigarro eletrônico, fatores que potencializam o risco de infarto”, descreve o cardiologista.
Saraiva aponta que o uso de drogas, como cocaína e crack, também tem contribuído para o crescimento. “Estamos observando mais casos de infarto relacionados às drogas, e a cocaína é o carro-chefe.”
Diabetes do tipo 2
Segundo a médica Bianca Pititto, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e integrante da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), o excesso de peso e a obesidade precoces explicam o aumento da incidência dessa doença entre os mais novos. Essa situação favorece a resistência à insulina, condição em que o hormônio não consegue executar sua tarefa direito – ou seja, colocar a glicose dentro das células para gerar energia. Dessa maneira, o açúcar sobra na circulação.
Uma pesquisa baseada em dados do estudo Global Burden of Disease 2019 e publicada na revista científica The BMJ apontou que a taxa de diabetes tipo 2 entre adolescentes e adultos jovens (de 15 a 39 anos) subiu 56% em todo o mundo entre 1990 e 2019 – passando de 117 casos a cada 100 mil pessoas para 183 a cada 100 mil.
Entre os principais sintomas de diabetes em pessoas jovens estão sede em excesso, urinar muitas vezes ao dia, perda de peso rápida, cansaço recorrente, visão borrada e aumento da fome. “Em alguns casos, o diabetes tipo 2 pode ser silencioso, sem sintomas evidentes, o que dificulta o diagnóstico precoce. Por isso, pais e jovens devem estar atentos a mudanças repentinas no corpo e procurar avaliação médica quando houver suspeita”, alerta Bianca.
A situação preocupa sobretudo porque, em jovens, a doença tende a provocar complicações mais rapidamente do que se observa entre indivíduos acima de 40 ou 50 anos.
Um artigo publicado em 2023 no The Lancet Diabetes & Endocrinology mostrou, com base na análise de diversos bancos de dados, que pessoas diagnosticadas com diabetes do tipo 2 antes dos 30 anos morrem, em média, 14 anos mais cedo do que aquelas sem a condição. Em contraste, quando a doença se manifesta após os 70 anos, a perda média de expectativa de vida é inferior a 2 anos. “Essas evidências somente reforçam a importância do diagnóstico precoce e o controle intensivo da doença”, destaca Bianca.
Osteoporose
“A osteoporose pode ocorrer em qualquer idade, inclusive na infância e adolescência. Isso se deve ao fato de que mais de 90% da massa óssea é formada nas duas primeiras décadas de vida”, explica Elaine de Azevedo, médica reumatologista e coordenadora da Comissão de Doenças Osteometabólicas e Osteoporose da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR). O quadro é caracterizado pelo enfraquecimento dos ossos e predisposição a fraturas.
A osteoporose é classificada como primária quando está relacionada ao envelhecimento e à menopausa. Se for consequência de outros fatores ou doenças, é chamada de secundária. “Nos jovens adultos, a maioria dos casos é secundária, ou seja, há condições de base que comprometem a massa óssea”, comenta a médica.
Segundo Elaine, os fatores que mais têm contribuído para o diagnóstico de osteoporose precoce são:
- Baixo pico de massa óssea: se o jovem não alcança um pico adequado de massa óssea nas duas primeiras décadas de vida, apresenta maior risco de osteoporose precoce. Entre as razões para isso estão sedentarismo e dieta pobre em cálcio na infância e adolescência.
- Uso de medicamentos: utilização corriqueira de corticoides (principal causa por trás do diagnóstico da osteoporose precoce), anticonvulsivantes (como fenitoína, carbamazepina e valproato) e de inibidores de bomba de prótons (indicados para refluxo, por exemplo) na infância e adolescência.
- Estilo de vida: dietas restritivas ou desequilibradas (com pouca ingestão de cálcio e proteína); deficiência de vitamina D (devido à baixa exposição solar); tabagismo; e consumo excessivo de álcool.
- Doenças crônicas: condições autoimunes (artrite reumatoide, lúpus) ou que causam má absorção intestinal, além de insuficiência renal crônica ou hepática.
Diverticulite
Nos últimos anos, médicos têm observado um crescimento de casos de diverticulite entre adultos, especialmente na faixa dos 40 aos 49 anos. Essa doença ocorre quando pequenas bolsas na parede do cólon ficam inflamadas. O quadro pode provocar dor abdominal, náusea, constipação, cólicas e febre.
Mais uma vez, questões de estilo de vida são mencionadas como possíveis responsáveis pelo novo cenário. “A teoria é que isso se deve, em parte, à maior presença de obesidade nessa população”, resume Mauro Bafutto, médico gastroenterologista que integra a Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG).
Estudos mostram que o ganho de peso na vida adulta pode aumentar significativamente o risco de desenvolver diverticulite, especialmente em homens com índice de massa corporal (IMC) acima de 30.
Para prevenir, Bafutto recomenda fazer mudanças na rotina. “Manter uma alimentação rica em fibras, praticar atividade física regularmente, evitar o tabagismo e a obesidade são medidas úteis”, orienta. Ele também destaca a importância de não ingerir certos medicamentos em excesso, como anti-inflamatórios não esteroides, e de garantir os níveis adequados de vitamina D.
Esteatose hepática
A Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) também tem observado um crescimento de casos de esteatose hepática, popularmente conhecida como fígado gorduroso, entre os brasileiros jovens.
Uma pesquisa da American Association for the Study of Liver Diseases revelou que a América do Sul foi a região do globo que registrou o maior aumento de adolescentes com gordura no fígado em 29 anos – um aumento de 39,2%. No mundo, a prevalência de adolescentes com a doença subiu de 3,7%, em 1990, para 4,7% em 2019.
Segundo a hepatologista Claudia Oliveira, membro da SBH, o consumo de alimentos ultraprocessados está entre os motivos por trás dessa disparada. Esses produtos são conhecidos por concentrarem quantidades expressivas de compostos críticos, como açúcar, gordura saturada, sódio e aditivos químicos.
Gordura no fígado pode provocar outros sérios problemas de saúde, incluindo câncer no órgão Foto: eddows/Adobe Stock
“A esteatose hepática não é só uma gordurinha no fígado, como ainda se fala. É uma doença sistêmica que demonstra que o metabolismo não está adequado. O acúmulo excessivo de gordura no fígado pode acarretar inflamação hepática, fibrose, cirrose e até o desenvolvimento de câncer de fígado”, alerta Claudia.
Para evitar o quadro, a médica aconselha uma revisão nos hábitos alimentares e a prática de exercícios. “Atividade física regular, pelo menos três vezes por semana, durante 40 a 60 minutos, associada a uma dieta com predomínio de alimentos in natura e pobre em ultraprocessados”, pontua.
Catarata
Segundo o oftalmologista Cesar Motta, diretor da Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO), tirando questões genéticas, há algumas possíveis explicações para o aumento de catarata em faixas etárias mais novas. Ele cita, por exemplo, a exposição solar e também a alta prevalência de obesidade entre os brasileiros. O sobrepeso, vale destacar, favorece o desenvolvimento de diabetes do tipo 2 – e indivíduos com essa doença têm de duas a cinco vezes mais chances de ter catarata do que a população sem diabetes.
Os sintomas em jovens não diferem daqueles observados em idosos: visão embaçada, sensibilidade à luz, dificuldade para enxergar à noite e variações frequentes no grau dos óculos são os sinais mais comuns.
Atualmente, conta Motta, os oftalmologistas tendem a indicar a cirurgia em estágios mais iniciais da doença, aproveitando os avanços tecnológicos e a qualidade das lentes intraoculares. “Diferentemente do passado, hoje não deixamos a catarata avançar como fazíamos antigamente”, informa.
Doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC)
“Apesar de a maioria dos casos ser diagnosticada após os 40 anos, têm sido relatadas manifestações em pessoas mais jovens”, afirma Roberto Stirbulov, médico pneumologista e coordenador da Comissão Científica de DPOC da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
Segundo Stirbulov, em regra, o tempo de exposição ao tabaco é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença. “Em média, é necessário fumar um maço por dia durante 20 anos, o que chamamos de ‘20 anos-maço’, para começar a apresentar sinais da doença”. No entanto, o início precoce do tabagismo pode antecipar os sintomas – entre os principais estão tosse persistente, falta de ar e redução da capacidade física.
O uso de cigarros eletrônicos, popular entre adolescentes e jovens adultos, é outro ponto de atenção. O pneumologista Luiz Fernando Pereira, membro da Comissão Científica de Tabagismo da SBPT, alerta que diversos tipos de vapes liberam quase 2 mil substâncias diferentes, e muitas podem causar problemas respiratórios. Nicotina, propilenoglicol, glicerol, metais pesados e partículas finas são exemplos.
No Brasil, ainda não existe um banco de dados estruturado que relacione idade e aparecimento da DPOC. Mas centros de atendimento já registram casos em pacientes com apenas 35 anos. Stirbulov destaca que existe a suspeita de que quem começa a utilizar cigarro eletrônico em uma fase mais precoce da vida tende a manifestar a DPOC mais cedo, mas esse elo ainda precisa ser confirmado.
“Em 85% dos casos de DPOC no Brasil, a causa é a exposição à queima do tabaco: cigarro, charuto e narguilé. Portanto, evitar esse hábito é a principal forma de prevenção da doença”, destaca Stirbulov.