Uma nova análise, feita a partir de dados coletados de uma pequena população indígena da Amazônia boliviana, sugere que uma das nossas ideias mais básicas sobre a biologia do envelhecimento humano pode estar errada.
A inflamação é uma resposta natural do sistema imunológico para proteger o corpo contra lesões ou infecções.
Moradores das grandes cidades estão mais expostos à poluição, por exemplo, um fator associado a doenças crônicas Foto: Satjawat/Adobe Stock
Por muito tempo, cientistas acreditaram que a inflamação crônica e de baixo grau — que, em inglês, tem até um termo específico, “inflammaging”, que pode ser traduzido para algo como “inflamação do envelhecimento” — era uma característica intrínseca do envelhecer.
Os novos dados, contudo, levantam a hipótese de que, talvez, a inflamação não esteja ligada diretamente à idade, e sim ao estilo de vida ou ao ambiente.
O estudo, publicado no fim de junho na revista científica Nature Aging, observou que pessoas de duas regiões não industrializadas apresentavam, ao longo da vida, um tipo diferente de inflamação em comparação com pessoas de áreas urbanas.
A inflamação observada nas populações não industrializadas parece estar relacionada principalmente a infecções causadas por bactérias, vírus e parasitas, e não aos sinais iniciais de doenças crônicas, como costuma ocorrer nas populações urbanas. Além disso, ela não parecia aumentar com o avanço da idade.
Os cientistas usaram bancos de dados já existentes de quatro populações distintas — Itália, Singapura, Bolívia e Malásia — para comparar os sinais de inflamação. Uma das limitações da pesquisa é o fato de não terem sido eles mesmos os responsáveis pela coleta de amostras de sangue, o que pode ter um impacto nas comparações.
Ainda assim, se os resultados forem confirmados por estudos maiores, podem indicar que fatores como dieta, estilo de vida e ambiente influenciam mais a inflamação do que o envelhecimento em si, avalia Alan Cohen, um dos autores do artigo e professor associado de Ciências da Saúde Ambiental na Universidade Columbia, nos Estado Unidos.
“O ‘inflammaging’ pode não ser um produto direto da idade, mas sim uma resposta a condições de vida industrializadas”, afirma Cohen. Segundo ele, isso serve de alerta para especialistas que, como ele, talvez estivessem superestimando a prevalência desse fenômeno em escala global.
“Nosso entendimento sobre inflamação e envelhecimento saudável se baseia quase totalmente em pesquisas feitas em países de alta renda, como os Estados Unidos”, diz Thomas McDade, antropólogo biológico da Universidade Northwestern. Para ele, esse olhar mais amplo revelou que existe uma variação muito maior no envelhecimento ao redor do mundo do que os cientistas imaginavam.
Bimal Desai, professor de farmacologia que estuda inflamação na Escola de Medicina da Universidade da Virgínia, pondera que o estudo, sim, “inicia uma discussão valiosa”, mas ainda são necessárias muitas outras pesquisas “antes de reescrevermos a narrativa do ‘inflammaging’”.
A inflamação varia de acordo com o lugar
No estudo, os pesquisadores compararam amostras de sangue de cerca de 2,8 mil adultos, com idades entre 18 e 95 anos.
Pessoas da região de Chianti, na Itália, e de Singapura, áreas mais industrializadas, apresentaram as proteínas características do inflammaging. Enquanto isso, aqueles dos povos originários Tsimane, da Bolívia, e Orang Asli, na Malásia, mostraram marcadores inflamatórios diferentes, provavelmente associados a infecções — não ao inflammaging.
O fato de os marcadores inflamatórios serem tão semelhantes entre os grupos das regiões industrializadas, mas tão distintos de pessoas de outras regiões, é impressionante, afirma Aurelia Santoro, professora associada da Universidade de Bolonha, na Itália, que não esteve envolvida no estudo.
“Isso sugere que as células imunológicas são ativadas de maneiras diferentes a depender do contexto”, diz ela.
Os marcadores proteicos da população Tsimane se mostraram ainda menos associados ao inflammaging do que os Orang Asli. Os autores do estudo especulam que isso se deve a diferenças no estilo de vida e na alimentação entre os dois povos.
Controvérsia
Alguns especialistas, no entanto, questionaram a relevância dos achados do novo estudo.
Vishwa Deep Dixit, diretor do Centro de Pesquisa sobre Envelhecimento da Universidade de Yale, afirma que não é surpresa que estilos de vida com menor exposição à poluição estejam associados a taxas mais baixas de doenças crônicas.
É um argumento que “gira em círculos” e não comprova nem refuta se a inflamação é, de fato, causa das doenças crônicas.
De todo modo, os especialistas concordam que os achados precisam ser replicados em estudos maiores, mais diversos e que acompanhem os pacientes ao longo do tempo.
Embora tenham taxas menores de doenças crônicas, as duas populações indígenas estudadas tendem a ter uma expectativa de vida mais curta do que as pessoas de regiões industrializadas. Isso levanta a possibilidade de que elas simplesmente não vivam tempo suficiente para desenvolver a inflamação típica do envelhecimento, pondera Aurelia.
O problema pode estar no modo de vida urbano
Como o estudo analisou marcadores proteicos em amostras de sangue, e não as diferenças específicas de estilo de vida ou dieta entre as populações, os cientistas precisaram criar hipóteses fundamentadas para entender as diferenças nos marcadores de inflamação, explica Cohen.
Thomas McDade, que já estou a inflamação no povo Tsimane, especula que populações de regiões não industrializadas podem ser expostas, desde cedo, a certos microrganismos presentes na água, nos alimentos, no solo e em animais domésticos. Essa exposição precoce, então, poderia fortalecer a resposta imunológica mais tarde na vida.
Ao mesmo tempo, pessoas que vivem em ambientes urbanos e industrializados estão “expostas a muitos poluentes e toxinas”, muitos dos quais têm “efeitos pró-inflamatórios comprovados”, afirma McDade.
Dieta e estilo de vida também podem influenciar: os Tsimane costumam viver em pequenos povoados e seguem uma dieta majoritariamente baseada em vegetais, conta ele.
Cohen acrescenta que pode haver tipos bons e ruins de inflamação. Embora as populações indígenas estudadas experienciem inflamação decorrente de infecções, ela não parece estar associada à presença de doenças crônicas mais tarde na vida. Isso pode indicar que a simples presença de inflamação não é necessariamente tão prejudicial quanto se pensa, pondera.
Ainda não está claro se há algo que as pessoas possam fazer para controlar os níveis de inflamação em fases mais avançadas da vida.
Para quem busca envelhecer com mais saúde, o melhor caminho pode ser investir em alimentação equilibrada e atividade física regular, que ajudam a regular o sistema imunológico ao longo do tempo — em vez de apostar em medicamentos ou suplementos comercializados como anti-inflamatórios, sugere Cohen.
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