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A cada hora, 100 pessoas morrem de causas ligadas à solidão no mundo, diz OMS

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A cada hora, 100 pessoas morrem de causas ligadas à solidão no mundo, diz OMS

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Novas estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que a solidão foi responsável por cerca de 871 mil mortes anuais no período de 2014 a 2019. É como se 100 pessoas no mundo morressem a cada hora por causas ligadas a ela.

Os dados alarmantes fazem parte de um relatório inédito da agência internacional publicado no fim de junho. O documento, que destaca a importância e o poder da saúde social, é resultado do trabalho de uma comissão da OMS sobre conexão social. “A falta de conexão social é uma séria ameaça à saúde global”, alertam os especialistas.

Prevalência da solidão é maior entre adolescentes e jovens adultos, aponta OMS Foto: kieferpix/Adobe Stock

Segundo eles, a solidão afeta uma em cada seis pessoas e está “amplamente disseminada” pelo mundo. Embora, nesse sentido, ela seja “democrática”, atinge de forma desproporcional os mais jovens, o que é particularmente alarmante — evidências mostram que experiências precoces de desconexão são fortes preditores da manutenção do problema ao longo da vida.

Os estudos sobre solidão ganharam reforço nas últimas duas décadas e, com a pandemia de covid-19 e a necessidade do isolamento social para conter o vírus, receberam um impulso importante.

O crescente arcabouço científico tem deixado países em alerta. O Japão criou um “Ministério da Solidão” e, no Reino Unido, foi designada uma secretaria para combatê-la. Em 2023, os Estados Unidos lançaram um relatório intitulado “Our Epidemic of Loneliness and Isolation” (Nossa epidemia de solidão e isolamento, em tradução literal).

“Nesta era em que as possibilidades de conexão são infinitas, cada vez mais pessoas se sentem isoladas e solitárias”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, em comunicado enviado à imprensa.

O ‘beabá’ da solidão

No dia a dia, é comum usar isolamento, solidão e falta de conexão social como sinônimos, mas tecnicamente eles são diferentes e o primeiro esforço da comissão foi definir cada um.

  • Conexão social: termo guarda-chuva que engloba três dimensões — estrutural, funcional e de qualidade — sobre como as pessoas se relacionam e interagem entre si. “Por exemplo, ter uma rede social ampla (estrutura) não garante que as necessidades de apoio serão atendidas (função) nem que essas interações serão positivas (qualidade)”, explicam no relatório. Ela não está limitada a contatos presenciais e abrange também formas de interação virtuais.

Considerando essa tridimensionalidade, a falta da conexão social pode ser vivenciada de diferentes formas. Duas delas são particularmente importantes no relatório:

  • Isolamento social: ausência de vínculos e interações com outras pessoas — é um déficit na dimensão estrutural da conexão social.
  • Solidão: é uma experiência subjetiva, na qual há uma discrepância entre o nível de conexão social desejado por uma pessoa e o que é efetivamente vivenciado por ela — nesse sentido, pode conectar as três dimensões da conexão social. Uma pessoa pode se sentir solitária mesmo apresentando níveis elevados em uma ou mais dessas dimensões — por exemplo, ela pode estar rodeada de pessoas, mas sentir que essas relações não são boas/profundas o suficiente.

A solidão pode ser classificada conforme a duração:

  • Transitória: quando se trata de uma resposta temporária a eventos da vida, como mudar-se de cidade, passar por um divórcio ou perder um ente querido. Do ponto de vista evolutivo, chega a ser interpretada como uma “adaptação biológica herdada”. Ela seria como a fome, um estímulo negativo para que busquemos mais comida, nesse caso, conexão.
  • Crônica: aqui, ela é persistente. De acordo com o documento, ela é definida por alguns especialistas como “aquela que dura dois anos ou mais”.

Como a falta de conexão sabota a saúde?

Segundo o relatório, os efeitos da falta de conexão social sobre a morbidade e a mortalidade têm “origens evolutivas profundas”.

“Evidências de estudos sobre a evolução humana indicam que a necessidade de conexão e cooperação dentro de grupos cada vez mais complexos impulsionou o desenvolvimento de cérebros maiores, da linguagem e de habilidades cognitivas avançadas”, dimensiona a comissão.

Ela tem amplos reflexos tanto na saúde física quanto na mental — e a relação, por vezes, pode ser bidirecional. Uma metanálise mostrou que a solidão ou o isolamento social estava associado a um aumento de 29% no risco de desenvolver doença cardíaca coronariana, e que o isolamento social estava ligado a um aumento de 32% no risco de acidente vascular cerebral (AVC).

Outro estudo mostrou que adultos que frequentemente se sentiam sozinhos apresentavam mais do que o dobro do risco de desenvolver depressão.

Um dos grandes pontos de controvérsia e debate nesse referencial é até que ponto há associações (fenômenos que ocorrem juntos com frequência) ou relações causais (quando um aspecto leva ao outro), e não é simples resolver a questão.

O padrão-ouro das evidências científicas são os estudos clínicos randomizados, nos quais a ideia central é dividir a população analisada em ao menos dois grupos — por exemplo, um pode receber um medicamento e o outro, um placebo. Agora, se tudo indica que a falta de conexão social pode levar a sérios problemas, nenhum comitê de ética aprovaria uma pesquisa com voluntários isolados de amigos e familiares por dias ou semanas.

Mas nem sempre são necessários estudos desse tipo para estabelecer causa e efeito — a exemplo da nossa compreensão sobre o tabagismo — e os cientistas têm usado algumas estratégias para driblar esse obstáculo. Uma delas é avaliar a relação dose–resposta, em que identificaram que níveis mais altos de falta de conexão social estão mais fortemente associados à mortalidade.

Os achados desses estudos reforçam a confiança de que a falta de conexão social não apenas está associada, mas de fato contribui para o surgimento de diversos problemas de saúde e para a mortalidade — os próprios comissários estimam 871 mil mortes por ano.

Mas o que explica esse impacto tão profundo? Três mecanismos possíveis e interconectados foram propostos, de acordo com o documento. São eles:

  • Via biológica: a falta de conexão social desencadeia uma resposta de “estresse biológico” que deixa a pessoa mais suscetível a doenças. “Por exemplo, o estresse crônico afeta os sistemas endócrino, imunológico, metabólico e cardiovascular, bem como as interações entre o intestino e o microbioma, impactando negativamente aspectos do funcionamento, como os níveis de cortisol, a pressão arterial, a imunidade e a inflamação”, escrevem.
  • Via psicológica: o aumento do estresse provocado pela falta de conexão também pode elevar os riscos de depressão e ansiedade, que, por sua vez, favorecem o desenvolvimento e a progressão de doenças crônicas.
  • Via comportamental: a falta de conexão pode aumentar as chances de desenvolvimento de comportamentos prejudiciais à saúde, como tabagismo, consumo excessivo de álcool, sedentarismo e alimentação inadequada.

Jovens se sentem mais solitários

Os comissários se debruçaram sobre várias bases de dados e sobre os melhores estudos e chegaram a uma estimativa de que a prevalência da solidão, independentemente do gênero e faixa etária, entre 2014 e 2023, foi de 15,8% — 1 pessoa a cada 6.

Eles também apontaram que ela varia com a idade. Estima-se que adolescentes (de 13 a 17 anos) apresentem a maior prevalência, com 20,9%, seguidos por jovens adultos (18 a 29 anos), com 17,4%, adultos (30 a 59 anos), com 15,1%, e idosos (com 60 anos ou mais), com 11,8%.

E isso é motivo de preocupação: as evidências indicam que vivenciar solidão e isolamento social na infância aumenta o risco de enfrentar os mesmos problemas na vida adulta. O dado aponta para uma janela de oportunidade — há tempo para agir e fortalecer as conexões sociais desde cedo —, mas também acende um alerta sobre o futuro da geração de adolescentes que hoje já enfrenta taxas elevadas de solidão.

Segundo o relatório, há menos dados de qualidade sobre isolamento social, que parece afetar desproporcionalmente os idosos. As melhores estimativas indicam que entre 25% e 33,6% desse público enfrentou isolamento social no período de 1990 a 2022.

Estamos mais solitários?

Faltam dados confiáveis que nos ajudem a entender como nossos antepassados viviam suas conexões sociais. Na ausência de evidências, emergem duas posições opostas.

  • Teoria da “comunidade perdida”: essa linha acredita que o isolamento social e a solidão são um produto da modernidade, com seus avanços tecnológicos rápidos e disruptivos, urbanização e capitalismo, levando a um maior individualismo e enfraquecimento de laços sociais.
  • A segunda linha defende que a prevalência de isolamento social e solidão flutuou ao longo da história e que a modernidade, em vez de aumentá-la, promoveu novas formas de conexão.

Em busca de conexão

O relatório aponta que políticas nacionais que abordam a conexão social, o isolamento social e a solidão começaram a ser adotadas, mas apenas 4,1% dos Estados-membros da OMS possuem um plano do tipo.

“Convoco líderes de todos os setores a reconhecerem a conexão social não apenas como uma prioridade de saúde pública, mas como a base para um mundo mais saudável, inclusivo e resiliente”, escreve Adhanom no documento.

Fonte: Externa

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