Tigelas de frutas. Smoothies. Pudim de chia. Muitos de nós conscientemente polvilhamos gérmen de trigo em cima das frutas ou abraçamos qualquer tendência alimentar saudável que prometa proporcionar uma vida mais longa, e qual é o mal nisso?
O problema é que as boas intenções podem ir longe demais. Nos últimos anos, médicos e pesquisadores têm observado um aumento na ortorexia, distúrbio alimentar focado em uma alimentação extremamente saudável.
Na ortorexia nervosa, as escolhas alimentares rígidas deixam de fora não apenas ultraprocessados, mas também alimentos saudáveis e ricos em nutrientes Foto: nicoletaionescu/Adobe Stock
Em 1997, o médico Steven Bratman cunhou o termo “ortorexia” (orthos, “correto”, e orexia, “apetite”) em resposta aos pacientes que estavam bem fisicamente, mas “enlouquecendo” por causa de seus hábitos alimentares.
O trabalho de Bratman observou duas fases da ortorexia: a ortorexia saudável, com um interesse por comer de forma correta sem características patológicas, e a ortorexia nervosa, com um foco obsessivo na alimentação saudável.
“Muitas pessoas conseguem comer de forma saudável sem ser ortoréxicas”, diz Bratman. “A diferença está na obsessividade e nas restrições que causam dano.”
Um problema alimentar ‘complicado’
A ortorexia está ligada ao perfeccionismo, transtorno obsessivo-compulsivo e ansiedade. Suas características incluem escolhas alimentares rígidas, planejamento meticuloso e um foco na comida como fonte de saúde em vez de prazer.
A prevalência da ortorexia nervosa continua difícil de determinar, com algumas pesquisas estimando que 6,9% da população geral luta contra ela, contra 35 a 57,8% em grupos de alto risco, que incluem profissionais da saúde, atletas, artistas e outros indivíduos com tendências perfeccionistas. Especialistas argumentam que a falta de uma ferramenta de diagnóstico recomendada mina as estimativas do quadro, que pode ter consequências significativas para a saúde mental e física.
“A ortorexia é complicada porque comer de maneira saudável é bom para nós”, diz Jennifer Wildes, professora de Psiquiatria na University of Chicago Medicine. “Mas quando interfere no funcionamento psicossocial e a ideia de comer bolo de aniversário faz você ir às lágrimas, é um grande sinal de que você precisa de ajuda.”
Eu conheço bem isso. Durante meu último ano de faculdade, em 1997, eu comia uma batata-doce no jantar todas as noites. Eu recusava jantares com amigos, temendo um desvio da minha refeição “segura” e saudável. Eu estava obcecada por “comer limpo”, mas não era anoréxica ou bulímica, então havia pouco — se algum — apoio disponível.
Algumas pesquisas recentes sugerem que a ortorexia está em ascensão.
Um estudo liderado por José Francisco López-Gil, pesquisador sênior em medicina do estilo de vida na Universidad de Las Américas, espera esclarecer a prevalência da condição, fatores contribuintes e desafios diagnósticos. O trabalho de López-Gil enfatiza a necessidade de critérios diagnósticos padronizados para a condição. “Mais pesquisa é necessária, mas isso não significa que (a ortorexia) não seja uma condição real e significativa”, diz López-Gil.
Conexão com as redes sociais
Especialistas dizem que as redes sociais desempenham um papel na perpetuação da ortorexia, embora a extensão seja incerta. “É difícil dizer se há um aumento na ortorexia porque estamos melhores em reconhecê-la, ou por causa das redes sociais”, afirma Jennifer. “Provavelmente, são ambos.”
López-Gil diz que o maior uso de redes sociais correlaciona-se com o aumento dos sintomas de ortorexia, particularmente dentro das comunidades online sobre “comer limpo”. Ele também aponta para mudanças nos hábitos alimentares pós-pandemia, aumento do tempo de tela e ansiedade como fatores contribuintes.
“Sempre houve uma relação entre o consumo de mídia e as percepções do seu corpo ou comportamentos alimentares”, diz T. Makana Chock, professora na Syracuse University’s Newhouse School of Public Communications. “Mas as redes sociais são diferentes porque são sociais, e os humanos têm um desejo visceral de pertencer a um grupo, mesmo que seja um grupo de pessoas que nunca encontraram pessoalmente.”
Uma simples busca no TikTok por “comer limpo” reúne 64,5 milhões de posts. “O que eu como em um dia”, um termo comum nas plataformas sociais, mostra a ingestão diária de alimentos por influenciadores, incluindo tigelas de pepino e dias de déficit calórico.
“Ortoréxicos desenvolvem regras bastante elaboradas em torno de comer e viver de forma limpa e aderem a elas”, diz David J. Alperovitz, diretor do Centro de Transtornos Alimentares Klarman, no McLean Hospital. “As pessoas se voltam para coisas que podem controlar quando se sentem ansiosas, e comida e dieta, bem como peso, formato e tamanho do corpo, são quantificáveis.”
Ao contrário daqueles com anorexia nervosa, a pesquisa mostra que indivíduos com ortorexia tipicamente não lutam com percepção de peso ou forma corporal. A distinção é crucial, já que muitos ortoréxicos são tratados com terapia para anorexia, o que pode não ser apropriado.
Ironicamente, apesar de consumirem calorias adequadas, algumas pessoas ortoréxicas podem estar desnutridas porque suas dietas limitadas não fornecem os nutrientes de que precisam.
“É difícil reconhecer que a busca por uma vida saudável pode se tornar extrema e criar problemas físicos e psicológicos”, diz Doreen S. Marshall, diretora executiva da Associação Nacional de Transtornos Alimentares (NEDA, em inglês). Marshall acrescenta que a alta taxa de mortalidade associada aos transtornos alimentares exige mais atenção e recursos.
Obtendo ajuda
Os especialistas oferecem os seguintes conselhos:
- Não espere para obter ajuda – Doreen sugere começar com a ferramenta de triagem da NEDA (em inglês), que foi usada 110 mil vezes no ano passado e mais de 1 milhão de vezes desde sua criação. Tratar a saúde mental e a saúde física na ortorexia é um imperativo.
- Procure profissionais – O tratamento é mais eficaz com uma equipe multidisciplinar, incluindo um terapeuta individual, psiquiatra, nutricionista e, em alguns casos, um terapeuta familiar. Como, a menos que haja um sinal de alerta, os médicos de atendimento primário geralmente falham em perguntar aos pacientes sobre suas escolhas alimentares e comportamentos, Doreen sugere levar o resultado da triagem da NEDA para consultas médicas e discutir maneiras de obter ajuda.
- Engane o algoritmo – Vença o jogo das plataformas sociais. Buscar por destinos de viagem, tênis ou vídeos engraçados de animais mudará o feed de conteúdo, diz Makana. Ela recomenda estipular e cronometrar o tempo para navegação, limitar o uso a uma ou duas vezes por dia e verificar as credenciais dos influenciadores cujos conselhos nutricionais você esteja seguindo.
- Vá ao supermercado – Jennifer envia seus pacientes ao supermercado e pede-lhes que listem os alimentos que amavam e que não se permitem mais comer. Então, eles comem algo da lista por conta própria ou em seu consultório. Como isso pode ser difícil, ela também pede que os pacientes pendurem uma lista do que costumavam valorizar em sua vida na porta da geladeira, no espelho ou na mesa de cabeceira. Assim, quando comer alimentos fora da “lista segura” fica assustador, eles podem recorrer ao lembrete.
- Resista aos rótulos – Alperovitz adverte famílias e amigos a terem cuidado com a linguagem que usam sobre comida e a resistirem a rótulos como “bom” ou “ruim”. Fazer uma pausa ao falar sobre comida e oferecer apoio também pode ser útil. “Eu vejo muitas famílias que têm uma orientação para comer saudável, e seus comentários, embora bem intencionados, podem se alinhar com uma concepção cultural mais ampla de saudável que se encaixa nesse padrão de restrição”, afirma ele.
Pessoas com ortorexia podem se libertar de seus comportamentos, ressalta Jennifer. “Só precisa haver aquela pequena parte que quer mudar”, diz ela. “Acho que a maioria das pessoas tem isso dentro de si. O primeiro passo é buscar ajuda.”
Este texto foi originalmente publicado no The Washington Post. Ele foi traduzido com o auxílio de ferramentas de Inteligência Artificial e revisado por nossa equipe editorial. Saiba mais em nossa Política de IA.