BRAIP ads_banner

8 fatores que podem estar sacrificando o seu cérebro

CasaNotícias

8 fatores que podem estar sacrificando o seu cérebro

Como é um cérebro solitário? Entenda a relação com doenças neurodegenerativas, como Alzheimer
Saiba como é o sono ideal para um cérebro saudável
Confira 5 alimentos que fazem bem ao cérebro

“A experiência constantemente molda o cérebro e, nesse sentido, o cérebro é moldado pela experiência.” A frase de mão dupla do neurologista anglo-americano Oliver Sacks reflete a ideia de que o cérebro tem uma capacidade considerável de responder a informações e vivências – incluindo aquelas que não lhe fazem nada bem, seja agora, seja mais para frente. “A gente vem assistindo a uma quase epidemia de maus hábitos que, certamente, têm impacto a médio e longo prazo para a saúde mental das pessoas”, enfatiza o neurologista Paulo Caramelli, professor de Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Aspectos como tabagismo e consumo excessivo de álcool prejudicam a saúde do cérebro Foto: kulkann/Adobe Stock

Estima-se, por exemplo, que 57 milhões de pessoas vivam atualmente com demência, mas que esse número pode chegar a 153 milhões em 2050 se continuarmos a maltratar nosso cérebro com comportamentos nocivos. Sim, porque, segundo os cientistas, a demência não é uma sentença inexorável. Se o cérebro tem plasticidade, ele pode fazer o malabarismo de mudar de rumo e sair de um potencial prejuízo. A Comissão Lancet (grupo multidisciplinar de especialistas convocado pela revista The Lancet para abordar desafios urgentes de saúde global) estima que até 40% dos casos de demência em todo o mundo são potencialmente preveníveis ou poderiam ser adiados ou atenuados se fossem evitados certos fatores de risco. Não são apenas hábitos, mas condições nocivas de vida que por vezes se emaranham. Um pode interferir no outro, que pode interferir no um. Seguem abaixo os fatores mais preocupantes, levantados pela Comissão e por outros estudos.

Baixa educação

Estudos como o publicado em 2022 na revista Alzheimer’s & Dementia mostram que oito anos ou menos de educação formal podem comprometer seriamente a robustez do cérebro. “A educação é uma das principais fontes de estímulo cognitivo, principalmente na infância e adolescência, quando se formam novos neurônios”, diz a geriatra brasileira Claudia Suemoto, primeira autora da pesquisa.

Ela lembra que não é só uma questão de quantidade, mas também de qualidade. “Aqueles neurônios que se formam na vigência de uma ação cognitiva mais intensa são mais arborizados. É como se fosse uma árvore com mais galhos, com mais sinapses.” Diante de uma educação deficitária, a poupança de neurônios seria menor e menos comunicativa – algo complicado para o cérebro, considerando a necessidade quase certa de uma reserva neuronal de qualidade durante o envelhecimento.

O quadro é ainda mais alarmante para os brasileiros quando se sabe que o analfabetismo funcional no País alcança 29% daqueles entre 15 e 64 anos, mesmo patamar de 2018, segundo levantamento do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) divulgado em maio. Com relação aos jovens, o analfabetismo funcional ainda teve um pérfido incremento. Em 2018, 14% dos jovens de 15 a 29 anos estavam nessa condição de saber ler e escrever, mas incapazes de interpretar textos ou fazer contas mais complexas, enquanto o percentual aumentou para 16% em 2024.

Sono ruim

“Proporcionalmente, o sono é mais importante para o cérebro do que para o resto do corpo”, afirma Márcio Nattan, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) com especialidade em estilo de vida. “Uma pessoa que tem distúrbio do sono tem maior risco de desenvolver doença neurodegenerativa, desenvolver transtorno de ansiedade, ter problemas com a memória e piorar a enxaqueca”, diz ele, cujo consultório atende especialmente vítimas de cefaleias.

A questão, lembra Nattan, é que nem sempre a pessoa percebe que está com o sono comprometido. “Isso é muito comum entre os pacientes que me procuram com enxaqueca crônica”, diz. Além de tratar a enxaqueca, o médico busca sondar a perda de qualidade do sono, por exemplo, pois ela pode ser uma das razões que contribuem para a cronificação. “Pessoas que dormem cinco ou seis horas não acham que têm privação de sono”, afirma. “No entanto, é como se estivessem dirigindo bêbadas depois de uma taça de vinho, já que não reconhecem danos na atenção e nos reflexos.”

Caramelli destaca que pessoas que dormem mal, têm insônia ou sono fragmentado provavelmente terão comprometimento do sistema glinfático, que é muito ativo durante o sono e tem o papel crucial de limpar o cérebro de substâncias tóxicas que se depositam no tecido cerebral. Ele fala principalmente de proteínas anormais como a beta-amiloide, cujo acúmulo no cérebro está ligado à doença de Alzheimer.

Excesso de telas

O tempo gasto em frente ao celular, tablet, notebook e TV está ligado diretamente às noites mal dormidas. A preocupação dos especialistas tem se detido no onipresente celular. Primeiro, pelo seu uso comprometedor na higiene do sono, já que a luz azul do aparelho constantemente ligada corta a produção da melatonina. Hormônio naturalmente produzido pelo corpo, ela ajuda a sinalizar ao cérebro quando é hora de dormir, mas precisa de um escurinho, pois é produzida em resposta à ausência de luz.

O segundo ponto é o conteúdo oferecido pelos celulares, especialmente o veiculado pelas redes sociais. “Elas drenam a nossa cognição”, diz Nattan. “Uma criança exposta a estímulos constantes e rápidos, por exemplo, começa a ter muita dificuldade de acessar a atenção sustentada, que é essencial ao desenvolvimento”, completa. Nattan menciona o efeito deletério da expectativa em relação às curtidas. “Essa expectativa alterada dos likes baixa muito o limiar para a frustração. A questão é que, no dia a dia, diante de uma não validação, não dá para fechar a página da vida real e fingir que nada aconteceu.”

Consumo excessivo de álcool

Artigo publicado em abril na revista Neurology por dez pesquisadores brasileiros envolvendo 1.781 participantes de pesquisa mostra que o consumo intenso de álcool foi associado à redução da massa cerebral e das capacidades cognitivas, enquanto o moderado estaria ligado à arteriolosclerose hialina, patologia caracterizada pelo espessamento da parede de pequenas artérias devido ao acúmulo de um material translúcido. Esse espessamento pode contribuir para AVCs e outras doenças cerebrovasculares.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que homens e mulheres não excedam duas doses por dia e entende como dose padrão 10 g de etanol puro (cerca de 285 ml de cerveja comum ou 100 ml de vinho). “Mas a OMS lembra que, pensando em saúde pública, não haveria uma dose segura de álcool para a saúde como um todo”, diz Suemoto, uma das autoras do artigo da Neurology.

Tabagismo

Ainda que as campanhas de combate ao tabagismo no Brasil estejam anos-luz à frente daquelas voltadas ao alcoolismo, cerca de 9,3% da população adulta do País é fumante, segundo dados de 2023 da pesquisa Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel). Seriam quase 20 milhões de pessoas sujeitas aos efeitos prejudiciais do hábito, ligados tradicionalmente o pulmão e o coração, mas que também ascendem ao cérebro.

Conforme estudo realizado por pesquisadores da Escola de Medicina da Universidade de Washington, nos Estados Unidos, e publicado em janeiro de 2024 na revista científica Biological Psychiatry: Global Open Science, o hábito de fumar reduz o volume do cérebro de forma irreversível, um aspecto especialmente importante porque o envelhecimento também causa diminuição. Mas é possível uma redução de danos. Coautora do artigo, a médica Laura Beirut lembra que parar de fumar o quanto antes significa interromper o envelhecimento precoce do cérebro e, portanto, o risco embutido de demência.

Dieta ultraprocessada

O cérebro não fica imune aos alimentos com formulações industriais prontas para consumo, que geralmente trazem altos níveis de açúcar, gordura e sal, além de aditivos artificiais como corantes, aromatizantes e conservantes. “Há evidências de que esses alimentos promovem a ativação de mecanismos inflamatórios no organismo como um todo, cérebro inclusive, o que pode contribuir para um declínio cognitivo”, diz Caramelli. Sem falar no quanto contribuem para a obesidade, por si só uma inflamação sistêmica crônica, que não perdoa os neurônios. Sabe-se que a obesidade é um fator de risco de cronificação da enxaqueca, por exemplo.

Nattan ressalta ainda a influência dos alimentos ultraprocessados no mecanismo dopaminérgico de sobrevivência, ou seja, aquele ativado pelo neurotransmissor dopamina no sistema nervoso. A dopamina está associada a atividades agradáveis ou recompensadoras, que causam prazer e satisfação. “Há fatores perversos em torno dos ultraprocessados porque eles não apenas são mais baratos e superdivulgados, mas muito mais palatáveis”, afirma. Isso sem contar o apelo do consumo instantâneo. A pergunta que fica, entre os que se preocupam com a saúde física e mental, é se estamos mais desembalando do que descascando os alimentos do dia a dia.

Sedentarismo

A atividade física é extremamente neuroprotetora por seus mecanismos vasculares. Quem se exercita de forma regular tem uma saúde vascular melhor, o que levaria à prevenção de AVCs. Adicionalmente, há estudos mostrando que a prática de exercícios leva à liberação de irisina, hormônio produzido principalmente pelo músculo esquelético que, liberado na corrente sanguínea, atua em diversos tecidos do corpo, com potenciais benefícios para a saúde, entre eles a proteção do cérebro. “Ela diminui inflamação e contribui para o aumento da conexão entre as células nervosas”, diz Caramelli.

A recomendação clássica para combater o sedentarismo é de 150 minutos por semana de atividade moderada, dividida entre exercícios aeróbicos e de musculação. “Mas não basta fazer atividade física por 30 minutos às 5h da manhã e passar o resto do dia sentado”, adverte. Pelo bem do corpo, e por conseguinte do cérebro, há que se manter em movimento.

Isolamento social

A solidão pode ter efeito significativo no nosso bem-estar físico, mental e emocional, sendo inclusive considerada fonte de estresse nos dias atuais”, diz Priscila Ligeiro Esper, médica especialista em estilo de vida.

Ela resgata pesquisa publicada em 2023 pela Cigna, empresa de seguros de saúde que desde 2018 estuda os efeitos da solidão nos EUA. O estudo revelou que mais de 58% dos adultos americanos relataram solidão. Pessoas com ansiedade e/ou depressão, assim como aquelas que tiveram AVC, são as que se sentem mais sozinhas, segundo esse levantamento. Outra pesquisa destacada pela médica foi publicada na revista American Sociological Review e indicou que o número de pessoas nos EUA que relatam não ter confidentes próximos triplicou nas últimas décadas. No Brasil, o olhar está bastante voltado para os efeitos do isolamento social entre os mais velhos.

Professora na Universidade Metropolitana de Santos, Priscila lembra que a qualidade dos relacionamentos próximos e significativos – com familiares, amigos e comunidade – é o preditor mais forte de saúde física e mental, bem-estar e longevidade, superando fatores como riqueza ou fama. “Ao mesmo tempo, o isolamento social e a solidão se mostraram tão prejudiciais à saúde quanto o fumo ou o alcoolismo, aumentando o risco de doenças e reduzindo a expectativa de vida.”

Caramelli está preocupado com a adicção dos idosos às redes sociais e seu conteúdo notadamente passivo e pouco desafiador para o cérebro: “Os idosos eram um bastião de resistência aos celulares, liam mais e tinham mais interação social, e isso, infelizmente, está se desfazendo”.

Fonte: Externa

BRAIP ads_banner