Um terço dos projetos sobre saúde no Congresso contraria ou repete políticas já existentes do SUS

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Um terço dos projetos sobre saúde no Congresso contraria ou repete políticas já existentes do SUS

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Um terço dos projetos de lei relacionados à saúde que tramitaram no Congresso Nacional no ano de 2024 contrariavam ou apenas repetiam normas ou políticas já existentes no País, mostra um estudo feito pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e divulgado nesta quarta-feira, 13.

Há exemplos de proposições que buscavam “criar” programas que já estão em vigor ou que iam contra legislações consolidadas, como a lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990.

Para o levantamento, realizado pelo IEPS em parceria com a Umane e a consultoria Eixo Estratégia Política, e apoio da Fundação José Luiz Setúbal, foram analisadas 2.568 proposições que tramitaram em três comissões estratégicas do Congresso no ano passado: Comissão de Assuntos Sociais (CAS) no Senado e as Comissões de Saúde (CSaúde) e de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família (CPASF) na Câmara dos Deputados.

Das mais de 2,5 mil proposições que passaram por uma primeira análise dos pesquisadores, 1.314 eram diretamente relacionadas à saúde, sendo 631 requerimentos e 683 projetos de lei ou de decreto legislativo.

Considerando só os projetos de lei com relação com políticas públicas de saúde (585), 37% entravam em choque com políticas vigentes (26%) ou repetiam diretrizes já estabelecidas, sem inovação ou diálogo com estratégias consolidadas (11%).

“Algo que chamou a nossa atenção foram normas que reproduziam políticas bem-sucedidas e com grande capilaridade. Um exemplo é o projeto que institui o Programa Saúde na Escola, que já existe e está presente em 99% dos municípios e é amplamente conhecido”, afirmou Rebeca Freitas, diretora de relações institucionais do IEPS.

Estudo do IEPS analisou projetos de lei que tramitaram na Câmara e no Senado  Foto: Foto: Andressa Anholete/Agencia Senado

No grupo de propostas que se opunham a legislações vigentes, os pesquisadores destacaram que 23% dos projetos em saúde mental contrariavam os princípios da Reforma Psiquiátrica e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que privilegia o atendimento ambulatorial de pacientes com transtornos mentais. Esses projetos buscavam, por exemplo, ampliar internações involuntárias e permitir a internação imediata de adolescentes sem decisão judicial, o que contraria também o ECA.

Diferenças entre Câmara e Senado

Fazendo a análise separadamente por cada Casa do Congresso, os pesquisadores verificaram que, tanto na Câmara quanto no Senado, a maioria das propostas era de complementação (39% e 44%, respectivamente), ou seja, propunham ampliar ou detalhar políticas públicas já existentes.

Aquelas que contrariavam normas ou políticas vigentes somaram 28% na Câmara e 24% no Senado. Elas incluem, por exemplo, projetos que tentam proibir vacinas obrigatórias ou desmontar programas consolidados do SUS.

A categoria de sobreposição, ou seja, que propunham ações já existentes, respondem por 9% na Câmara e 14,1% no Senado. Nesse grupo estão projetos que apenas transformam portarias, resoluções e notas técnicas em leis, reproduzindo integralmente seu conteúdo.

Por fim, as propostas classificadas na categoria de inovação, que são as que traziam temas inéditos ou soluções novas, como tecnologias e terapias emergentes, representavam somente 24,8% das propostas que tramitaram na Câmara e 17,6% das que foram analisadas nas comissões do Senado.

Projetos de pouca relevância

Outro dado destacado pelos pesquisadores no estudo é que 14% das proposições tinham caráter simbólico e de pouca relevância, como a criação de campanhas e datas comemorativas, o que mostra que a atividade legislativa às vezes se distancia das necessidades prioritárias da população. No Senado, esse tipo de projeto representava 17% do total. Na Câmara, era 11%.

Rebeca cita como exemplo projetos para criar o “Maio Roxo”, dedicado a doenças inflamatórias intestinais, e o “Fevereiro Cinza”, voltado à conscientização sobre ansiedade. Outros projetos criavam datas como o Dia Nacional de Cuidados com as Mãos e o Dia Nacional do Sono. “De forma geral, o que a gente gostaria de ver mais são projetos que fortalecem a capacidade do SUS“, diz a diretora de relações institucionais do IEPS.

O estudo mostra, no entanto, que menos de 10% dos projetos em cada Casa se dedicam a aprimoramentos estruturantes do sistema de saúde, o que “reforça uma tendência de atuação legislativa focada em medidas pontuais e de apelo público, em detrimento de iniciativas que poderiam gerar impacto sistêmico mais profundo no SUS”.

Herança ultrapassada da pandemia

O estudo também identificou uma “herança legislativa” da pandemia de covid-19, com projetos que continuaram tramitando em 2024, embora já não fizessem sentido diante do cenário atual. Há cinco proposições nessa situação, incluindo projetos que exigem “o uso de máscara transparente em transmissões televisivas durante o estado de calamidade pública” e outro que inclui novos grupos no plano emergencial de vacinação.

Para Rebeca, a prioridade, neste caso, deveria ser a tramitação de projetos “que criem um arcabouço normativo para preparar o País para futuras emergências em saúde pública“, que, entre outros objetivos, definiriam responsabilidades entre União, Estados e municípios e poderiam facilitar a distribuição de insumos num cenário de crise sanitária.

Incorporação de tecnologias sem seguir trâmites

Outro ponto de preocupação trazido pelo estudo é a apresentação de proposições que determinam a incorporação direta de medicamentos ao SUS, sem avaliação técnica prévia da Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec), órgão do Ministério da Saúde responsável por essa avaliação.

“Incluir determinados medicamentos via projeto de lei pode comprometer a análise de eficácia e custo-efetividade, e ter um impacto orçamentário, além de aumentar a judicialização”, destaca Rebeca.

Entre os projetos que tentavam incorporar tecnologias ao SUS sem passar pelos trâmites necessários estavam proposições para oferecer um novo teste diagnóstico de Alzheimer e tratamento com canetas para obesidade, que já está em análise pela Conitec, mas tem esbarrado no alto custo do produto.

Segundo Rebeca, o IEPS planeja enviar os resultados do estudo para parlamentares, organizações da sociedade civil e outras instâncias de participação, e produzir, nos próximos meses, um guia simplificado para orientar os gabinetes. “O estudo não tem caráter de crítica. Nosso objetivo é apoiar o trabalho legislativo e mostrar onde há espaço para melhorar, priorizando propostas que realmente fortaleçam o SUS”, diz a diretora do IEPS.

Câmara e Senado não comentam estudo

O Estadão procurou a Câmara e o Senado para solicitar posicionamento sobre o estudo e perguntar sobre estratégias que vem sendo adotadas para aprimorar a produção legislativa em temas de saúde.

A assessoria da Câmara informou que “não comenta nem emite nota sobre pesquisas ou estudos realizados por terceiros” e orientou a reportagem a entrar em contato diretamente com os líderes partidários ou com os deputados da Frente Parlamentar Mista da Saúde.

Procuramos a assessoria do deputado Dr. Zacharias Calil (União-GO), coordenador da Frente, mas não recebemos retorno até a publicação deste texto.

O Senado, por sua vez, recomendou que a reportagem entrasse em contato com os senadores que compõem a Comissão de Assuntos Sociais (CAS), por serem eles os responsáveis pela análise, discussão e apreciação dos projetos de lei que tratam de assuntos de saúde.

O senador Marcelo Castro (MDB-PI), presidente da comissão, foi procurado por meio de sua assessoria, mas também não se pronunciou.

Fonte: Externa