Quais podem ser os impactos globais do corte de verbas para pesquisas científicas nos EUA?

CasaNotícias

Quais podem ser os impactos globais do corte de verbas para pesquisas científicas nos EUA?

Bets: governo cria grupo de trabalho para enfrentar impacto das apostas na saúde
Incerteza sobre juros nos EUA deve atrasar oferta bilionária do BRB
O que é mais importante na musculação: aumentar o peso ou as repetições?

Em maio de 2025, a administração Trump apresentou ao Congresso a proposta orçamentária para o ano fiscal de 2026 com uma medida que caiu como uma bomba sobre a comunidade científica: cortes de cerca de 40% no orçamento do National Institutes of Health (NIH), a principal agência do governo americano para a investigação biomédica, e 37% no National Cancer Institute (NCI).

Além disso, programas do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) voltados à prevenção e ao rastreamento de câncer foram ameaçados de extinção ou de drástica redução, e linhas de financiamento da ARPA-H, agência criada para impulsionar pesquisas biomédicas de alto risco, também foram atingidas.

Os efeitos já são visíveis. A execução orçamentária de 2025 resultou em congelamento de repasses, cancelamento de bolsas, rejeição de milhares de submissões de projetos e demissões em equipes de pesquisa. A Casa Branca justifica a decisão como uma “revisão de prioridades”, alegando combate a projetos considerados ideológicos ou ligados à diversidade, equidade e inclusão. O discurso oficial foca em reorganizar investimentos para segurança e defesa nacional, mas a pergunta que fica é: a que custo para os pacientes?

Nos Estados Unidos, o impacto se dá em pelo menos três frentes. A pesquisa básica e translacional, que alimenta a descoberta de novos alvos e biomarcadores, perde fôlego, comprometendo a base sobre a qual a indústria farmacêutica desenvolve novas terapias.

Ensaios clínicos acadêmicos, conduzidos por redes como National Clinical Trials Network (NCTN) e National Cancer Institute’s Community Oncology Research Program (NCORP), sofrem com atrasos, cancelamentos e menor diversidade de participantes.

E o futuro do processo de inovação fica ameaçado: estimativas anteriores do Escritório de Orçamento do Congresso americano (CBO, na sigla em inglês), indicavam que um corte permanente de apenas 10% no orçamento do NIH já reduziria em 20 o número de novos fármacos lançados por década. Agora, com cortes muito maiores, o risco é de uma geração inteira de tratamentos que pode simplesmente não chegar aos pacientes.

A indústria farmacêutica global continua investindo pesado em pesquisa e desenvolvimento (cerca de US$ 150 bilhões anuais), mas depende do ecossistema público para validar alvos e sustentar a infraestrutura científica. Uma retração tão profunda no financiamento público, portanto, afeta também a competitividade americana a médio prazo.

Cenário internacional

E os efeitos se espalham globalmente. Ao mesmo tempo em que empresas globais anunciam megainvestimentos em território americano, cresce a tendência de recentralização dos estudos clínicos nos EUA, impulsionada também por políticas industriais e incentivos domésticos. Para centros de pesquisa fora do território americano, isso significa menos oportunidades de participação em estudos multicêntricos, especialmente em fases precoces ou para subgrupos estratégicos. Para pacientes ao redor do mundo, isso representa menos acesso precoce à inovação.

Curiosamente, esse movimento abre uma janela de oportunidade para países como o Brasil. Podemos atrair subestudos, projetos de biomarcadores e gerar dados de mundo real capazes de complementar as evidências internacionais.

Também há espaço para consolidar o País como hub de serviços especializados, como pesquisa em economia e desfechos em saúde, estatística clínica e data management, combinando custo competitivo com expertise regulatória. Mas essa chance só se concretiza se houver investimento em governança ética, compliance de dados (LGPD e boas práticas) e métricas de performance, como tempo de escalabilidade e qualidade dos registros.

E, no centro dessa discussão, está o paciente oncológico. Lá nos EUA, existe até uma previsão de alívio financeiro, com medidas que reduzem o gasto anual com medicamentos de alto custo. Porém, de outro lado, há perdas no médio e longo prazo: a retração da ciência básica e translacional pode atrasar o desenvolvimento de novas terapias, limitar a diversidade de linhas de pesquisa e diminuir o acesso por meio de ensaios clínicos.

Cortar ciência pode parecer uma economia imediata, mas a conta chega. E costuma ser alta! Menos pesquisa hoje significa menos inovação amanhã. Para o Brasil, esse é o momento de se posicionar estrategicamente e transformar a lacuna americana em oportunidade concreta de fortalecer sua própria produção científica e garantir que o paciente, no futuro, não pague o preço da estagnação.

Fonte: Externa