BRAIP ads_banner

O efeito placebo também tem poder para a saúde; saiba como funciona

CasaNotícias

O efeito placebo também tem poder para a saúde; saiba como funciona

Dor: quando os opioides, como o fentanil, podem ser necessários? Quais os cuidados ao usar?
‘Não tratado, o transtorno bipolar é uma doença progressiva’, afirma o psiquiatra Flávio Kapczinski
Idosos são considerados ‘teimosos’; psiquiatra explica por que isso não é verdade

Catarina Craveiro, técnica de pesquisa biomédica em Lisboa, desde a infância sofria de dores lombares por escoliose, não conseguia fazer muita coisa fisicamente e dependia de ibuprofeno para ter algum alívio.

“Realmente atrapalhava minha vida”, ela diz. “Eu tinha dores terríveis. Queria fazer as mesmas coisas que meus amigos, mas não conseguia.”

Em 2013, ela se inscreveu para um ensaio clínico, “esperando que eles tivessem algum medicamento mágico que tirasse minha dor”, e ficou decepcionada – e cética – ao saber que a pesquisa estudaria os efeitos de um placebo clinicamente inerte, que parece um remédio de verdade e é tomado como um remédio de verdade, mas não tem ingredientes ativos. “Eu não acreditava que iria funcionar, mas tentei”, ela lembra. “Não seria pior do que minha situação naquele momento”.

Hoje, aos 33 anos, ela não tem dor, é mãe de dois filhos e dá aula de kickboxing – e está convencida de que nada disso teria sido possível antes.

“Nossa mente é uma coisa poderosa, e no meu subconsciente eu queria tanto me sentir melhor que a mera ação mecânica de tomar um remédio” – mesmo sabendo que era clinicamente inerte – “funcionou”, ela diz. “Não tenho dúvidas de que o que tirou minha dor foi a disposição de me livrar da dor e o gesto de tomar aquela pílula”.

O “efeito placebo” é um fenômeno que ocorre quando a saúde física ou mental da pessoa melhora depois de tomar o que seria essencialmente um tratamento falso, sem benefícios terapêuticos claros.

“O efeito placebo não é mágico, é uma coisa de verdade”, de acordo com um crescente corpo de pesquisas nos últimos anos, diz Luana Colloca, diretora do Centro Placebo Além das Opiniões da escola de enfermagem da Universidade de Maryland, em Baltimore. “Anos atrás, parecia futurístico. Agora faz parte da ciência”.

Efeito placebo faz parte da ciência. “Não é mágico”, ressalta pesquisador. Foto: Aleksey 159/Adobe Stock

Historicamente, o efeito placebo era visto como enganação: os pacientes não sabiam que estavam tomando uma substância inerte, mas melhoravam porque acreditavam que iriam melhorar.

O bioeticista Arthur Caplan, por exemplo, relembra um dos primeiros casos que acompanhou, décadas atrás, quando um médico pediu seu conselho sobre dar aspirina em baixa dosagem – essencialmente um placebo, nesse caso – a uma mulher saudável que sofria de exaustão. O médico temia que, se não fizesse nada, a mãe solo de quatro crianças que tinha dois empregos – motorista de ônibus e faxineira – pudesse ir a outro lugar em busca de anfetaminas, estimulantes que podem ser viciantes. O abuso dessas substâncias pode causar sintomas físicos perigosos e efeitos psicóticos.

Caplan aprovou a ideia e, embora a desonestidade provavelmente fosse questionável, o tratamento falso funcionou, restaurando a energia da mulher e aliviando sua fadiga.

“Eu não gostava da falta de transparência, mas acho que foi correto usar um placebo sem risco para evitar uma droga viciante”, diz Caplan, professor de bioética na NYU Grossman School of Medicine. “Ela voltou feliz na consulta de acompanhamento, dois meses depois”.

Os pesquisadores agora acreditam que o efeito placebo pode acontecer mesmo quando os pacientes sabem que estão tomando placebo, como no caso de Catarina, processo conhecido como “uso de rótulo aberto”. Por esse motivo, os especialistas acreditam que os médicos devem incluí-los na prática médica convencional, mas sendo totalmente verdadeiros com os pacientes.

“Você nunca diz ao paciente que vai funcionar”, informa Ted Kaptchuk, professor de medicina na Harvard Medical School e diretor do programa em estudos sobre placebo e encontro terapêutico no Beth Israel Deaconess Medical Center. “Honestidade é fundamental. Deixamos bem claro: ‘Isto aqui é um placebo, não tem ingrediente ativo, é como se fosse uma pílula de açúcar. Pode funcionar, pode não funcionar. A melhora pode ser rápida, pode ser gradual’. É uma ideia meio maluca, mas temos evidências de que às vezes funciona”.

Pesquisas descobriram que placebos podem aliviar muitas queixas moduladas pelo cérebro, como dor, ansiedade, depressão e fadiga, entre outras. “Placebos não encolhem tumores, nem reduzem o colesterol. Não curam um resfriado comum”, diz Kaptchuk. “Mas aliviam sintomas de coisas como dor crônica, fadiga relacionada ao câncer e dor de osteoartrite. Não eliminam a artrite, mas podem eliminar a dor”, que é controlada pelo cérebro.

Mas especialistas ressaltam que placebos parecem funcionar apenas no contexto de um relacionamento de apoio e confiança entre médico e paciente. Isso é fundamental para o motivo pelo qual os pacientes se sentem melhor, dizem eles.

“É a empatia, a atenção, o apoio emocional, a preocupação, os atos de decência que acontecem entre paciente e médico”, diz Kaptchuk. “Você não pode simplesmente tomar um Tic-Tac, uma pílula de açúcar. Não funciona sem o médico”.

Cláudia Ferreira de Carvalho, a psicóloga clínica que conduziu o estudo que ajudou Craveiro, concorda. “O placebo de rótulo aberto é muito mais do que prescrever pílulas ou tratamentos inertes”, ela diz.

Embora os cientistas tenham identificado problemas de saúde que são mais suscetíveis do que outros ao efeito placebo, eles ainda não conseguem explicar por que placebos funcionam com alguns pacientes, mas não com outros.

“É uma questão muito importante”, comenta Kaptchuk. “Não existe um quadro claro e consistente de quais pacientes respondem. As pesquisas estão cheias de respostas contraditórias. Não é gênero, idade, gravidade da doença, e não há traços de personalidade que indiquem quem vai responder ou não. É por isso que o placebo é tão misterioso e tão difícil”.

Pesquisadores de placebo acham que o tratamento pode ter um papel importante na prática médica. Uma maneira de introduzi-lo, dizem eles, seria adicioná-lo ao tratamento normal: os pacientes tomariam seus remédios regulares e também um placebo, processo conhecido como “placebos de extensão de dose”.

O resultado pode reduzir a dosagem dos medicamentos regulares ou até suspendê-los por completo. Esse cenário pode diminuir os efeitos colaterais que geralmente acompanham o uso de drogas de longo e curto prazo, explicam os especialistas, e também pode diminuir o risco de dependência a opioides.

“O objetivo seria combinar o efeito do medicamento com eficácia comprovada ao efeito placebo produzido pelo cérebro quando o paciente espera que o medicamento funcione”, diz Grégory Scherrer, professor associado de biologia celular e fisiologia e pesquisador do centro de neurociências da Faculdade de Medicina da Universidade da Carolina do Norte.

“Para fazer isso, os médicos precisam se comportar e administrar o tratamento de uma forma que maximize as expectativas, o que poderia possibilitar que pacientes em terapia medicamentosa com efeitos colaterais – como pacientes tomando opioides potencialmente viciantes – tivessem uma alternativa mais segura com os mesmos resultados positivos”, acrescenta Scherrer, cuja pesquisa recentemente descobriu o que ele diz ser um circuito até então não identificado no cérebro de camundongos que produz efeitos placebo, o que pode acelerar a compreensão da resposta em humanos. “Com isso em mente, os médicos poderiam adaptar e ajustar os planos de tratamento para muitos de seus pacientes”.

Historicamente, os placebos têm sido usados como “controles” em estudos para testar novos remédios quando não há um tratamento padrão disponível. O objetivo é determinar a eficácia da nova terapia comparando-a ao placebo, sem que os participantes saibam o que estão tomando. O efeito placebo acontece quando ambos os grupos apresentam melhora, o que pode confundir os resultados.

Às vezes, os pesquisadores tentam evitar essa confusão incluindo um terceiro grupo que não recebe tratamento nenhum e, então, comparam todos os três grupos. Mas o bioeticista Caplan ressalta que “a maioria dos estudos não envolve placebo e compara o novo medicamento com a terapia padrão”. Quando se usam placebos, “o novo medicamento precisa ter um desempenho melhor do que o placebo, mas o efeito placebo geralmente não é zero”, diz ele.

Imagens cerebrais sugerem que o efeito placebo funciona estimulando certas regiões do cérebro a secretar endorfinas – neurotransmissores que podem aliviar a dor e o estresse e melhorar o humor, diz Luana.

“Nós liberamos endorfinas quando esperamos nos sentir melhor, e essa mentalidade contribui para a percepção de redução da dor e de outros sintomas, como ansiedade e fadiga”, esclarece Luana. “A melhora dos sintomas está relacionada à ativação das regiões cerebrais ligadas à cognição, incluindo as expectativas”.

No entanto, os mecanismos de ação podem diferir entre indivíduos, “o que explica por que alguns pacientes se beneficiam e outros não”, acrescenta ela.

O efeito placebo “está associado a mudanças reais no cérebro que contribuem para o alívio da dor”, diz Lauren Atlas, chefe da seção do Centro de Saúde Complementar e Integrativa dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, que aponta que a maioria das pesquisas sobre o efeito placebo se concentrou na dor, como os vários estudos que mostraram sua eficácia nos casos de dor lombar.

Karen Knight, médica especialista em dor de Denver, conduziu um pequeno estudo em pacientes que sofriam de dor lombar crônica com injeções intravenosas de um placebo. O procedimento produziu alívio significativo após um mês – o que durou pelo menos um ano – e também melhorou os sintomas de depressão, raiva e sono prejudicado, que são “os sintomas sobrepostos do sofrimento” e “que fazem a diferença na vida das pessoas”, diz Karen.

O experimento conduzido por Cláudia e seus colegas encontrou uma redução de 30% na dor habitual e na dor aguda entre o grupo placebo após três semanas de pílulas de placebo tomadas duas vezes ao dia junto com seus tratamentos regulares, em comparação com reduções de 9% e 16%, respectivamente, no grupo que recebeu apenas os cuidados regulares. O alívio persistiu por pelo menos cinco anos, de acordo com um estudo de acompanhamento, que também descobriu que o uso de analgésicos havia diminuído de 80% para 31% no grupo placebo.

Ao contrário da maioria dos cientistas, que acreditam que a resposta placebo depende das expectativas do paciente, Kaptchuk coloca menos ênfase nas expectativas e mais nos processos biológicos que ocorrem no cérebro. “Não está na mente, mas sim no cérebro”, diz ele. “Não tem a ver com o que você pensa. Pacientes de placebo de rótulo aberto não precisam acreditar que vai funcionar, mas funciona mesmo assim”.

Ele acha que o cérebro continua enviando sinais de dor mesmo depois que o corpo se cura, e o placebo, “em alguns pacientes, algumas vezes, dá ao cérebro a oportunidade de se ajustar e desligar os sinais [de dor] que estão relatando um incêndio quando não tem mais incêndio nenhum”, diz ele.

Mas, para pacientes como Catarina, pouco importa como funciona – e o importante é que funciona. Agora sem dor, ela não precisa mais tomar ibuprofeno – nem o placebo. “Funcionou de verdade”, diz ela. “Toda essa experiência mudou a minha vida”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU

Fonte: Externa

BRAIP ads_banner