Menos de 25% da população adulta brasileira consome frutas e hortaliças na quantidade recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo um estudo publicado na revista científica Cadernos de Saúde Pública. Especialistas associam o baixo índice a fatores como crise econômica, aumento dos preços e maior acesso a produtos ultraprocessados, que tendem a ser mais baratos e amplamente disponíveis.
A pesquisa avaliou dois tipos de consumo: o regular, definido como qualquer quantidade ingerida em pelo menos cinco dias da semana, e o recomendado pela OMS. Os resultados mostraram que, em média, 34% da população adulta consumia frutas e hortaliças regularmente, enquanto apenas 22,5% seguiam a recomendação da agência global.
OMS recomenda a ingestão diária de pelo menos cinco porções de frutas, verduras ou legumes Foto: igishevamaria/Adobe Stock
Para a OMS, o consumo de frutas e hortaliças deve ocorrer de forma diária. A recomendação é ingerir ao menos cinco porções por dia, em cinco dias da semana. No total, são cerca de 400 gramas por dia.
“Essa recomendação é feita pensando na prevenção de doenças, principalmente das doenças crônicas não transmissíveis”, explica Izabella Veiga, autora do estudo e doutoranda do Programa de Pós-graduação em Nutrição e Saúde da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Esses alimentos estão incluídos em um padrão alimentar saudável que vai refletir em uma proteção ao indivíduo no desenvolvimento dessas doenças ou na piora, quando já se tem essas doenças instaladas”.
A pesquisa foi realizada entre 2008 e 2023, com adultos residentes em 26 capitais brasileiras e no Distrito Federal. O estudo utilizou dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas Não Transmissíveis (Vigitel).
A princípio, os dados indicavam uma estagnação no consumo de frutas e hortaliças entre os brasileiros, mas, quando os pesquisadores dividiram o período total em duas fases, de 2008 a 2014 e de 2015 a 2023, identificaram uma mudança significativa. “Entre 2008 e 2014, observamos um crescimento no consumo, mas, a partir de 2015, houve uma redução expressiva”, conta Izabella.
Como se trata de um estudo observacional, não são apresentadas possíveis causas para o fenômeno. Os cientistas, porém, têm algumas hipóteses. “Entre 2015 e 2023, outros comportamentos também diminuíram, e vimos que esse cenário foi influenciado pela instabilidade política, crise econômica e pandemia de covid-19”, diz a pesquisadora.
Mulheres, indivíduos de 25 a 34 anos e aqueles com maior nível de escolaridade foram os que mais reduziram o consumo de frutas e vegetais. “As mulheres já são um grupo tradicionalmente vulnerável e, quando olhamos para a época da pandemia, foram elas que deixaram de trabalhar para ficar em casa cuidando dos filhos. Muitas são chefes de família e acabam sendo mais afetadas quando há uma elevação no preço dos alimentos, como temos visto nos últimos anos”, acrescenta.
Outro fator desfavorável à alimentação saudável é o preço de frutas, verduras e legumes em comparação com os produtos ultraprocessados. “A principal ação é do poder público, de criar estratégias para diminuir o preço dos alimentos in natura, mas também precisamos tentar incluir esses alimentos no nosso dia a dia”, defende Izabella.
Ana Maria Maya, especialista do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), pontua estratégias que já existem no Brasil e podem ser amplificadas a um contexto nacional. “Existem feiras e sacolões populares, e alguns estados adotam estratégias de ‘cestas verdes’. Além da cesta básica, as pessoas recebem frutas e verduras que são adquiridas nas centrais de abastecimento da cidade. Alguns locais também dão subsídios para esse tipo de alimento e conseguem reduzir o valor”.
No caso dos consumidores, Ana Maria recomenda comprar alimentos em feiras ou sacolões, em vez de supermercados, já que geralmente os produtos adquiridos diretamente dos produtores são mais baratos. “Outra dica é dar preferência aos alimentos da estação”, afirma.
Em relação ao poder público, Izabella cita algumas experiências pontuais de cidades como Nova York. “Criaram estratégias de taxação dos alimentos ultraprocessados e redução dos preços dos produtos in natura. Essas estratégias combinadas são ideais”, opina.
Frutas, verduras e legumes são alimentos ricos em nutrientes, vitaminas e fitoquímicos, ressalta Izabella. “Além disso, são alimentos de baixa caloria, que vão ajudar a prevenir doenças cardiovasculares, diabetes e a própria obesidade”.
Ana Maria também destaca a importância da alimentação saudável. “Quando olhamos para o cenário do Brasil, de redução no consumo desses alimentos, vemos que ele vem acompanhado de doenças crônicas não transmissíveis e do excesso de peso. O impacto da redução é uma piora na saúde da população. Isso acontece em todas as faixas etárias”.
A especialista do Idec lembra ainda que a obesidade infantil cresceu no País — os atendimentos ambulatoriais de crianças e adolescentes com a doença subiram cerca de 430% em oito anos, segundo o Ministério da Saúde —, com sérias consequências negativas. “No futuro, teremos mais adultos adoecidos. Isso vai impactar tanto o sistema de saúde quanto a economia.”