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Médico brasileiro participa de missão para reconstruir uretra de ucranianos feridos na guerra

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Médico brasileiro participa de missão para reconstruir uretra de ucranianos feridos na guerra

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Quando decidiu seguir carreira como urologista e buscar, além da residência, um doutorado e especializações internacionais na área, o médico Wagner França jamais imaginou que sua expertise acabaria o colocando para atuar em uma guerra.

Mas foi o que aconteceu no final do ano passado, quando o especialista, coordenador do grupo de cirurgia reconstrutiva do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) de São Paulo, foi o único brasileiro convidado a integrar uma missão humanitária na Ucrânia para operar soldados feridos na guerra contra a Rússia que já dura mais de três anos.

França é um dos maiores especialistas do Brasil na cirurgia de reconstrução da uretra, um procedimento complexo indicado para pacientes que sofrem de estenose no canal uretral, um quadro em que há um estreitamento da estrutura que impossibilita a urina de passar.

Nesses casos, uma sonda não resolve o problema, já que a uretra fica bloqueada, e os pacientes que não se submetem à cirurgia precisam colocar um cateter ou sonda diretamente na bexiga.

No Hospital do Servidor Público Estadual, centro brasileiro que realiza o maior número de cirurgias do tipo no País (cerca de 400 por ano), a maioria dos pacientes que passa por uma reconstrução de uretra desenvolveu a estenose como sequela do tratamento de câncer de próstata. “Tanto a radioterapia quanto a cirurgia podem levar a um fechamento da uretra. Acontece apenas em 2% a 3% dos pacientes que passam pelo tratamento de câncer de próstata, mas, como é um tumor bastante comum, mesmo 2% a 3% já representa um número significativo de pacientes”, explica França.

Outra causa importante da estenose de uretra são traumas na região, como acidentes de trânsito ou agressões, como no caso de uma guerra. “A maioria dos soldados tinha a lesão na uretra causada por explosões de bombas. Alguns tinham outros problemas também, como amputação de membros, problemas renais. Um dos pacientes teve um pênis amputado, foi para a Alemanha para reconstruí-lo e voltou para a Ucrânia para reconstruirmos a uretra”, conta o urologista.

A reconstrução é feita a partir de um enxerto feito com tecido do próprio paciente. Esse tecido é retirado da mucosa oral, geralmente da região da bochecha, já que a área tem características semelhantes à da uretra. “É uma área que está em ambiente úmido e contaminado, que é a boca, então ela é mais resistente.”

Por ser complexa, a cirurgia costuma durar horas. Normalmente, conta França, o procedimento é feito com duas equipes, uma focada na retirada do enxerto da boca e outra atuando na região do períneo, onde é feita a incisão para a reconstrução da uretra. “Entramos com duas equipes para não estender o tempo cirúrgico. Se eu entrar com uma equipe só, a cirurgia pode durar seis ou sete horas. Se forem duas equipes, esse tempo cai pela metade”, diz o especialista.

Convite para missão partiu de ucraniano

O convite para integrar a missão partiu do urologista ucraniano radicado nos Estados Unidos Dmitriy Nikolavsky. França o conheceu em 2017, quando foi para Nova York fazer uma especialização em cirurgia reconstrutiva. “Ele é casado com uma brasileira, então ficamos muito próximos. Quando a guerra na Ucrânia começou, ele me disse que, em algum momento, gostaria de ir até lá para ajudar porque haveria muitos lesionados”, conta França.

“Ele perguntou se eu toparia ir também. Eu falei: topar, eu topo, mas eu tenho dois filhos, eu preciso de garantia de segurança”, lembra o brasileiro.

No segundo semestre do ano passado, Nikolavsky retomou o contato por considerar que as condições de segurança em seu país de nascimento eram melhores. “Ele nos disse que ficaríamos no hotel mais seguro de Kiev, é um hotel em que os quartos são subterrâneos, tipo um bunker, protegido por baterias antiaéreas. Ele disse que é onde os políticos se hospedam. E iríamos operar no hospital militar. Então me senti seguro para ir”, conta.

A viagem foi agendada para outubro. Além de França, integraram a missão cirurgiões da Argentina, do México e dos Estados Unidos. O urologista brasileiro voou até Varsóvia, na Polônia, e, de lá, embarcou em um trem de 18 horas até Kiev. “Foi nesse trajeto que senti o peso real da guerra. O trem era simples, parecia ter saído da Primeira ou Segunda Guerra Mundial. Ali caiu a ficha de que eu estava entrando em um país em conflito”, conta.

França passou dez dias no país e, nesse período, operou cerca de 30 soldados ucranianos. As jornadas no Hospital Militar começavam às 7 horas e se estendiam até as 21 horas. “Em dez dias, zeramos a fila do hospital e ainda formamos dois majores do Exército ucraniano para realizarem essa cirurgia”, relata.

Apesar da limitação de recursos, a equipe chegou preparada. “O hospital tinha infraestrutura média, mas nós levamos tudo: fios de sutura, sondas, bisturis. Os americanos, principalmente, vieram carregados de materiais. Não faltou nada”, afirma.

Nos poucos períodos de descanso no hotel, os cirurgiões eram constantemente lembrados de estarem em um país em guerra. Durante a estadia, sirenes de alerta soavam geralmente a cada 20 minutos no celular indicando bombardeios. “Nesses momentos, era preciso correr para o banheiro ou para o corredor, locais de paredes mais grossas”, conta.

`Força dos ucranianos é contagiante’

Apesar da tensão, o que mais chamou a atenção de França foi a resiliência dos profissionais de saúde que atuavam no hospital militar. “Os enfermeiros, muitos deles com familiares mortos ou no front, trabalhavam dia e noite como se nada tivesse acontecido. A força deles era contagiante. A gente percebe que não tem direito de reclamar de nada. Claro que é muito sofrimento, em muitos momentos tive vontade de chorar, mas a força deles é muito impressionante”, diz.

Uma das histórias mais marcantes foi a de um major que visitou a equipe. Para poder lutar, ele enviou o filho de cinco anos para Portugal, onde ficou abrigado na casa de amigos. O militar ficou dois anos sem ver a criança. Ao retornar, o menino lhe ensinou algumas palavras em português, idioma que o major praticava com França.

Também chamou a atenção a gratidão demonstrada pelos ucranianos por qualquer pessoa que fosse ajudá-los nesse momento crítico. O prefeito de Kiev, o ex-pugilista Vitaly Klitschko, visitava o hospital quase diariamente para acompanhar os trabalhos. “No final do dia, ele jantava com a gente”, recorda o médico brasileiro.

Os médicos da missão humanitária também foram homenageados com um outdoor colocado nas ruas de Kiev e ganharam um souvenir feito com um fragmento de míssil com a bandeira ucraniana gravada e bonecas feitas por crianças em creches.

Nesta semana, França e dois colegas que participaram da missão irão compartilhar a experiência com especialistas brasileiros. Ele receberá em São Paulo dois urologistas que conheceu durante a missão humanitária na Ucrânia, os cirurgiões Shubham Gupta e Paul Rusilko, para a quarta edição da Jornada Internacional de Urologia Funcional e Cirurgia Urológica Reconstrutiva e Protética (IV Urorecon), que será realizada nos dias 5 e 6 de setembro, no Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (Iamspe).

O evento terá transmissão ao vivo de cirurgias, inclusive o procedimento de reconstrução de uretra, além de palestras com especialistas brasileiros e internacionais. A programação completa e informações sobre inscrições estão disponíveis no site oficial do evento.

Fonte: Externa

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