Em um vale no interior de Vermont, nos Estados Unidos, uma ex-capelã de unidade de cuidados paliativos chamada Suzanne administra um centro de retiro para artistas, profissionais de saúde e educadores – e, desde meados de 2023, para pessoas com doenças terminais que buscam um lugar seguro e tranquilo para morrer.
Suzanne, que pediu que seu sobrenome não fosse mencionado por motivos de privacidade, faz parte de um número pequeno, mas crescente, de proprietários de imóveis que oferecem espaço para as pessoas que vêm a Vermont para a morte medicamente assistida desde que o Estado suspendeu o requisito de residência para uma lei de 2013 que permite que pacientes terminais ponham fim à própria vida de acordo com sua vontade.
“A ideia de alguém viajar para Vermont simplesmente por causa dessa lei e não ter uma casa e morrer no hotel… me fez chorar”, conta Suzanne, que se inspirou depois de ouvir uma reportagem no rádio sobre a ação judicial que forçou Vermont a suspender o requisito de residência.
Uma infraestrutura semelhante para pessoas que preferem morrer de acordo com seus próprios desejos está se desenvolvendo no Oregon, que suspendeu a exigência de residência de sua lei de morte medicamente assistida em julho de 2023, dois meses depois de Vermont. Entre os dez estados (além do Distrito de Colúmbia) que permitem a morte medicamente assistida, eles são as únicas jurisdições que fizeram isso.
Suzanne prepara seu espaço perto de Montpelier para um hóspede que deseja pôr fim à sua vida de acordo com a lei de morte medicamente assistida de Vermont (EUA), a Lei 39. Foto: Ian Thomas Jansen-Lonnquist/The Washington Post
As acomodações geralmente são quartos extras em casas e apartamentos particulares ou segundas residências que as pessoas alugam por temporada ou por meio do Airbnb ou Vrbo. Poucas são como a de Suzanne, projetada especialmente para pacientes e os entes queridos que estarão ao seu lado quando morrerem.
O que as propriedades têm em comum é que seus donos apoiam o movimento Morte com Dignidade, que em 1997 levou o Oregon a se tornar o primeiro Estado a legalizar a morte medicamente assistida. A lei do Oregon, que veio a ser um modelo para outras jurisdições, incluiu requisitos de residência em resposta às preocupações de que o Estado se tornaria um destino de morte, com corpos aparecendo em suas praias, lembra Peg Sandeen, CEO do grupo de defesa Death With Dignity.
Isso não aconteceu, e os legisladores de alguns Estados, como Nova York, estão apresentando projetos de lei sobre morte assistida sem requisitos de residência. Montana, onde uma decisão judicial de 2009 legalizou o procedimento, não tem regras claras de residência, mas as pessoas tendem a não ir para lá como vão para Vermont e Oregon, de acordo com o grupo de defesa Compassion and Choices.
Uma mesa é posta com frutas e chá no centro de retiro de Suzanne. Foto: Ian Thomas Jansen-Lonnquist/The Washington Post
Quando Vermont eliminou o requisito de residência, os proprietários que queriam abrir suas casas para pacientes que buscavam a morte medicamente assistida começaram a entrar em contato com a Patient Choices Vermont (PCV), organização sem fins lucrativos que ajudou a promulgar a lei de morte assistida, conhecida como Lei 39. A PCV oferece apoio para organizações de fim de vida de outros Estados que buscam clareza sobre a lei e para médicos e pacientes que estão planejando fazer o procedimento no Estado.
O Wayfinders Network da PCV, um grupo independente de enfermeiros de cuidados paliativos, gerentes de casos e doulas da morte, entra em contato com médicos, instituições e assistentes sociais “para que as pessoas saibam que nós existimos e que elas podem ter apoio”, diz Kasey March, membro da rede e doula da morte, cujos serviços incluem companhia, conforto, educação e orientação para pessoas no final da vida.
Os pacientes terminais muitas vezes preferem o conforto e a privacidade de uma casa, em vez de um hotel, observa Kasey, que tem uma lista de quatro ou cinco acomodações e está sempre procurando por mais. Ela fica sabendo dessas acomodações por meio de amigos, conhecidos e outros Wayfinders.
“Você quer um lugar onde ninguém vai bater à porta e perguntar o que está acontecendo e deixar você desconfortável”, resume ela. O preço, a disponibilidade e o local variam. A maioria das pessoas que busca assistência médica para morrer tem dificuldades de locomoção e procura acomodações acessíveis, perto de centros urbanos, conta a presidente da PCV, Betsy Walkerman.
Cindy, consultora que mora em uma casa de dois andares em Burlington, Vermont, e cujo nome completo não será mencionado por motivos de privacidade, dá desconto no aluguel de curto prazo para quem usa o andar térreo para a Lei 39. “Eu não gostaria que o dinheiro fosse um problema, então simplesmente faço dar certo”, comenta.
Suzanne trabalha com um sistema de doações: se alguém faz uma doação, ela investe o dinheiro de volta na propriedade, reformando a infraestrutura para futuros pacientes.
De acordo com o Departamento de Saúde de Vermont, até junho, pelo menos 26 pessoas haviam viajado para morrer no Estado, representando quase 25% das mortes assistidas relatadas desde maio de 2023. Suzanne recebeu três; Cindy, duas. Cindy tem outra pessoa agendada para o final de janeiro.
Como acontece com outras pessoas na mesma situação, nenhuma das duas apresenta seu espaço como um destino de morte assistida, porque só podem hospedar alguém que atenda a critérios rigorosos de elegibilidade, como ter menos de seis meses de expectativa de vida. Somente um médico de Vermont pode determinar esse período, e um segundo médico precisa confirmá-lo.
“Os médicos são as sentinelas no portão”, define Suzanne. “Se você não tiver um médico ou não atender aos requisitos de elegibilidade, não poderá morrer voluntariamente usando a Lei 39 em Vermont”.
Suzanne diz que sente que essa pintura simboliza a missão e o propósito de seu espaço de retiro. Foto: Ian Thomas Jansen-Lonnquist/The Washington Post
Assim como muitos outros Estados, Vermont tem uma escassez de médicos, o que pode dificultar o atendimento até mesmo para os habitantes locais. Encontrar um médico de Vermont quando se está fora do Estado é ainda mais desafiador, como descobriu uma família que usou o centro de Suzanne no ano passado.
Em maio de 2024, a filha mais nova, que mora em um Estado do oeste dos Estados Unidos e pediu que seu sobrenome não fosse mencionado por motivos de privacidade, ligou para pelo menos uma dúzia de clínicas de cuidados paliativos em Vermont e no Oregon para falar sobre o caso de seu pai, então com 78 anos, que estava morrendo de câncer. A primeira consulta seria em setembro, em Vermont. Ela não sabia ao certo se seu pai iria viver tanto tempo, e ele tinha deixado claro que não queria morrer no hospital, cercado por desconhecidos.
Quando ela soube que uma clínica de cuidados paliativos de Vermont tinha uma vaga em agosto, a família voou para lá, e o pai foi aprovado. O médico e o diretor do programa da clínica forneceram as informações de contato de Suzanne e também sugeriram que a família ligasse para hotéis e Airbnbs e fosse bem clara ao fazer a reserva.
A filha ligou para Suzanne primeiro. “Sou muito grata por não ter tido de fazer ligações telefônicas dizendo: ‘Preciso fazer uma reserva para alguém morrer aqui’”, conta ela.
Duas semanas depois, a família voltou a Vermont para que o pai morresse. Ele e sua esposa ficaram na casa de Suzanne. As filhas adultas, o genro e a neta ficaram em um hotel a cinco minutos dali.
“Suzanne foi muito acolhedora”, diz a esposa: ela deixou a família livre para usar sua casa vizinha ao centro, instalou uma cama em frente à janela panorâmica para que o casal pudesse apreciar a vista enquanto descansavam juntos e acolheu o cachorrinho que a filha mais velha tinha trazido para dar apoio emocional.
“Pude passar a última noite com ele”, lembra a esposa. “A vista era incrível – borboletas por toda parte, beija-flores, um gazebo. Dá para ver as colinas pela janela. Depois, dissemos: ‘É exatamente o que ele queria: estar em casa’”. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU