A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visa a acabar com a escala 6×1 está no centro de debates promovidos neste 1º de maio e também tem despertado a atenção de pesquisadores e profissionais de saúde.
Um estudo conduzido na Universidade Federal Fluminense (UFF) aponta impactos da escala 6×1 na saúde de trabalhadores brasileiros. Dados preliminares indicam que mais de 70% dos entrevistados percebem prejuízos à saúde física, 79% relatam danos à saúde mental e 66% afirmam que a escala afeta negativamente sua vida pessoal e familiar.
Segundo Flávia Uchôa de Oliveira, coordenadora da pesquisa, “há relatos de dores associadas às longas jornadas, enquanto na saúde mental destacam-se esgotamento, ansiedade, pânico e burnout, além da falta de tempo para vida social, familiar e autocuidado”.
Trabalhadores em escala 6×1 relatam prejuízos à saúde física e mental, segundo estudo conduzido na UFF Foto: pitipat/Adobe Stock
Professor do Instituto de Ciência Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e colunista do Estadão, Guilherme Artioli afirma que a rotina de trabalho da escala 6×1 tem um impacto significativo na capacidade das pessoas de manterem uma rotina de exercícios físicos.
Segundo Artioli, uma combinação de fatores pessoais, sociais e econômicos dificulta a prática regular de atividades físicas. “Se a pessoa tem uma rotina de trabalho que é muito extenuante, especialmente numa cidade que não tem estrutura, o exercício vai ser uma das últimas prioridades”, comenta.
O sedentarismo, por sua vez, pode desencadear problemas de saúde, ainda mais quando aliado à ausência de descanso adequado. “Você pode ter redução de densidade óssea, fraqueza muscular, problemas vasculares, cardíacos, além do aumento do risco para alguns tipos de câncer”, lista Artioli.
Os efeitos do estresse comuns nesse tipo de rotina, somados à inatividade física, agravam o quadro. “O sistema nervoso simpático, quando muito ativado por períodos prolongados, tem um impacto muito grande, principalmente na saúde cardiovascular”, explica.
Artioli recomenda que, diante das limitações de tempo, os trabalhadores aproveitem qualquer oportunidade para se movimentar, como subir escadas ou caminhar curtas distâncias. Fazer exercício durante 15 minutos é melhor do que não fazer, ensina.
Para a nutricionista Sandra Chemin, coordenadora do curso de Nutrição do Centro Universitário São Camilo, a rotina intensa da escala 6×1 também afeta os hábitos alimentares dos trabalhadores, levando à escolha de alimentos de baixa qualidade nutricional e à irregularidade nas refeições. “Quando o trabalhador tem uma rotina muito intensa, ele não presta muita atenção a dois pontos principais: alimentação e hidratação”, afirma.
A falta de atenção resulta em longos períodos sem comer, seguidos de refeições maiores e mais calóricas no fim do dia. O consumo de alimentos ultraprocessados, mais acessíveis e práticos, também costuma ocorrer com frequência, elevando o risco de doenças como hipertensão e obesidade.
A especialista também chama atenção para os impactos metabólicos dessa desordem alimentar no longo prazo. Ela pode impactar o processo do sistema digestório, com prejuízos como aumento da glicemia e resistência à insulina, favorecendo o diabetes. O estresse da rotina de trabalho pode ainda contribuir para problemas como a compulsão alimentar.
Para aliviar esses efeitos, Sandra recomenda estratégias de planejamento alimentar, como levar de casa lanches saudáveis, incluindo frutas, iogurtes e carboidratos integrais. “Não é que estejam proibidos, mas é preciso evitar que alimentos como bolachas recheadas e doces se tornem um hábito”, orienta.
Ela também sugere que os trabalhadores aproveitem o dia de folga para organizar compras e preparar refeições mais equilibradas, destacando a importância de uma alimentação balanceada na prevenção de doenças e na melhoria da qualidade de vida.
Saúde mental
Especialista em Psicologia do Trabalho e docente na Universidade Presbiteriana Mackenzie, Isabel Keppler afirma que a rotina com apenas um dia de folga pode gerar impactos significativos na saúde mental dos trabalhadores. “Trabalhar gera desgaste físico e psíquico. O tempo de repouso é fundamental, e na escala 6×1 ele fica muito prejudicado.”
A insuficiência de descanso pode contribuir para a fadiga e sintomas de sofrimento psíquico, conforme o setor e as condições individuais de trabalho. “Para quem trabalha na escala 6×1, é muito difícil que qualquer sofrimento psíquico não esteja relacionado a esse contexto”, diz Isabel, citando sintomas como aumento da ansiedade em períodos de folga e dificuldade de se desconectar do trabalho.
“O tempo de repouso é fundamental, e na escala 6×1 ele fica muito prejudicado”, afirma psicóloga do trabalho Foto: Maria Vitkovska/Adobe Stock
A jornada da escala 6×1 pode ainda impactar as relações interpessoais. Para a profissional, o cansaço e o estresse acumulados aumentam o risco de conflitos entre colegas. “É comum que, em contextos de maior pressão, as pessoas fiquem mais cansadas e isso gere atritos no ambiente profissional.”
O desgaste, ela diz, afeta não apenas o clima organizacional, mas também o comprometimento. “Ao mesmo tempo que as pessoas tentam se manter engajadas no trabalho, há momentos de muita exaustão que levam ao desengajamento, criando uma alternância que pode ser prejudicial tanto para o indivíduo quanto para a equipe.”
A psicóloga ressalta que práticas de bem-estar, como atividade física e relaxamento, podem ajudar a gerenciar o estresse no dia a dia, mas não substituem o descanso. “Cada pessoa deve encontrar formas de aliviar o estresse, mas é importante buscar entender as causas que estão na base do problema”, orienta.
Ela defende que medidas estruturais, como maior equilíbrio entre carga de trabalho e tempo de recuperação, são fundamentais para promover a saúde mental a longo prazo e para fortalecer as relações no ambiente profissional.