É ficção, mas poderia ser verdade: filmes, séries e novelas que acertaram ao abordar temas de saúde

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É ficção, mas poderia ser verdade: filmes, séries e novelas que acertaram ao abordar temas de saúde

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Ficção e realidade podem andar surpreendentemente juntas quando o tema é saúde. Cada vez mais, filmes, séries e novelas têm se mostrado aliados inesperados na forma como o público se informa, se emociona e reflete sobre doenças, tratamentos e os dilemas humanos por trás dos diagnósticos.

Embora sejam obras de ficção, muitas dessas produções têm surpreendido profissionais da área pela precisão com que retratam realidades clínicas complexas – do impacto emocional de um câncer à rotina na emergência de um hospital, passando por questões de saúde mental, terminalidade, obesidade, entre outros temas.

O Estadão conversou com profissionais de diferentes especialidades que compartilharam obras que, na opinião deles, acertaram ao tratar saúde com sensibilidade, responsabilidade e verdade. Confira a lista:

1- “This Is Us” (série)

Gosto muito porque ela retrata uma personagem com obesidade significativa de forma realista. This Is Us é uma série sobre pessoas, sobre a vida em família, especialmente sobre essa mulher, valorizando-a como ser humano. Um ponto importante é que, além de mostrar o cotidiano e os desafios de conviver com o excesso de peso, a série também evidencia o estigma enfrentado por essas pessoas e expõe, de maneira sensível, como a sociedade ainda é marcadamente gordofóbica.

Maria Edna de Melo é endocrinologista e chefe da Liga de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).

Onde assistir: Disney +; Amazon Prime

2- A Baleia (filme)

O filme A Baleia retrata muito bem os problemas enfrentados por uma pessoa com obesidade grave. O personagem é um professor de literatura que tem transtorno de compulsão alimentar, claramente identificado em várias cenas. Além disso, ele vive em profundo isolamento social, raramente sai de casa e evita se mostrar, inclusive durante as aulas. É um retrato muito realista do sofrimento físico e psicológico causado pela obesidade grave.

Marcio Mancini é endocrinologista e chefe do Grupo de Obesidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Onde assistir: Netflix

3- Vinagre de maçã (minissérie)

É uma série extremamente positiva por abordar com coragem um tema urgente: a ficcionalização do câncer e a romantização de curas milagrosas. Vivemos uma realidade em que está cada vez mais comum a divulgação, principalmente nas redes sociais, de ideias perigosas que prometem a cura do câncer por meio de métodos alternativos, como vinagre de maçã, enemas de café, dietas naturais ou curas espirituais, desqualificando os tratamentos oncológicos tradicionais por considerá-los ‘tóxicos’. Essa é uma realidade dolorosa que enfrentamos hoje: tratamentos fantasiosos ganham mais espaço e apelo do que a medicina baseada em evidências. A mídia, os algoritmos e a estética do ‘natural’ tornam promessas como o vinagre de maçã ou a cura espiritual mais atraentes do que a verdade científica. A série mostra com clareza como a desinformação pode custar vidas.

Ana Paula Cardoso é oncologista clínica do Einstein Hospital Israelita.

Onde assistir: Netflix

4- Câncer com ascendente em virgem (filme)

É um filme brasileiro sensível e necessário, que trata o câncer de mama não como sentença, mas como um ponto de virada. O que mais me tocou, como profissional de saúde, foi a forma como o filme retrata o impacto do câncer para além do corpo físico: nos vínculos, nas prioridades, nos desafios e nos silêncios familiares. Ele mostra com sensibilidade a necessidade de ressignificar a vida diante da doença. O filme acerta ao mostrar que viver com câncer é, antes de tudo, ainda sobre viver.

Luciana Holtz é psico-oncologista, presidente do Instituto Oncoguia.

Onde assistir: Globoplay

5- The Resident (série)

Retrata com sensibilidade e realismo a rotina de um residente do primeiro ano e seu preceptor em um grande hospital. Os protagonistas enfrentam diariamente não apenas os desafios médicos e técnicos da profissão, mas também questões pessoais e sociais que se entrelaçam com suas vivências profissionais. Cada episódio é intenso, carregado de emoção e reflexões profundas, trazendo à tona dilemas éticos, dor, sofrimento, morte, a sensação de impotência e, ao mesmo tempo, histórias de superação, empatia e compromisso. É impossível não se identificar com os personagens. The Resident é uma produção envolvente e necessária para quem vive ou quer entender o universo da medicina.

Carmita Abdo é psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

Onde assistir: Netflix

6- Dona de Mim (novela)

A atual novela das 19h da TV Globo, Dona de Mim, tem abordado de forma sensível e realista o tema do Alzheimer por meio da personagem Rosa, vivida pela atriz Suely Franco. A trama mostra os desafios do diagnóstico e da progressão da doença, além das reações da família diante das escolhas e atitudes da personagem. Até o momento, a novela tem retratado com fidelidade os sintomas e as fases do Alzheimer, destacando também a importância das interações sociais e do cuidado afetuoso por parte da família. Um ponto muito relevante são os momentos de lucidez de Rosa, nos quais ela reflete sobre sua condição e sua história de vida, evidenciando os dilemas que envolvem a autonomia e as decisões ainda na fase inicial da doença.

Cecília Galetti é psicóloga especialista em gerontologia; membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Onde assistir: TV Globo

7- 28 Dias (filme)

Aborda com profundidade o alcoolismo – uma doença democrática, que atinge pessoas de todas as idades, gêneros e classes sociais. A protagonista, vivida por Sandra Bullock, é uma jornalista bem-sucedida, bonita e inteligente, mas que enfrenta sérios problemas com o álcool. O filme retrata muito bem as fases do enfrentamento da dependência: a negação, a ironia, a resistência ao tratamento e os relacionamentos com pessoas que também consomem álcool. Só quando a protagonista se permite participar dos grupos de apoio e criar vínculos saudáveis é que inicia, de fato, o processo de recuperação. A obra também toca em temas importantes como o medo da recaída, a dificuldade de manter a abstinência e a carga emocional envolvida.

Patrícia Hochgraf é psiquiatra e coordenadora do Programa da Mulher Dependente Química (Promud), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo (IPq/HC).

Onde assistir: Prime Vídeo

8- UP, Altas Aventuras (filme)

Apesar dessa animação parecer voltada ao público infantil, recomendo especialmente aos adultos. De maneira lúdica, delicada e ao mesmo tempo profunda, o filme aborda diversos aspectos do envelhecimento, com destaque para as perdas e o processo de luto, especialmente o luto pela viuvez. O protagonista é um idoso que, após a morte da esposa, se isola do mundo, torna-se ranzinza e perde o sentido da vida, algo que infelizmente reflete a realidade de muitas pessoas idosas. No entanto, a beleza do filme está em mostrar que, mesmo diante da dor, é possível ressignificar a existência. A jornada para realizar a viagem que ele e a esposa sempre sonharam simboliza esse resgate de propósito.

Cecília Galetti é psicóloga especialista em gerontologia e membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia.

Onde assistir: Disney +

A personagem Woo Young-woo, protagonista da série, é uma excelente referência para discutir o autismo sob uma perspectiva neuroafirmativa. A série mostra como características autistas podem ser grandes forças no ambiente profissional, especialmente em áreas como o direito. Apesar disso, Woo enfrenta barreiras impostas pelo capacitismo. A série acerta ao expor como preconceitos estruturais ainda limitam a inclusão de pessoas autistas no mercado de trabalho. Outro ponto importante é a relação romântica de Woo com Lee Jun-ho, que demonstra verdadeira disposição para compreender e respeitar seu estilo de comunicação. Isso ilustra bem a ‘Teoria da Dupla Empatia’, segundo a qual as dificuldades de interação não estão apenas na pessoa autista, mas também na falta de empatia mútua.

Mayck Hartwig é neuropsicólogo e pesquisador de Transtorno do Espectro Autista (TEA) em adultos no Núcleo de Ações e Reflexões em Neuropsicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

Onde assistir: Netflix

10- Para Sempre Alice (filme)

Retrata de forma sensível e fiel a doença de Alzheimer de início precoce. A trama acompanha Alice Howland, interpretada magistralmente por Julianne Moore, uma renomada professora de linguística de 50 anos que começa a enfrentar lapsos de memória e dificuldades de comunicação. O enredo mostra, com delicadeza e realismo, o impacto do diagnóstico sobre sua vida profissional, suas relações familiares e sua autonomia. A produção contou com orientação da Alzheimer’s Association, o que garante precisão nas informações sobre o diagnóstico e a evolução da doença. Ao combinar rigor científico e emoção, o filme se torna uma poderosa ferramenta de conscientização sobre um tipo de Alzheimer raro, mas devastador, que atinge pessoas em plena fase produtiva da vida.

Cláudia Suemoto é geriatra, professora associada da disciplina de geriatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Banco de Cérebros da USP.

Onde assistir: Prime Vídeo

11- The Last Of Us (série)

Nunca fui muito fã de filmes ou séries de zumbis e, confesso, muito menos de algo que ainda tivesse um jogo intenso como base. Mas The Last of Us me surpreendeu. Não pela ação ou pelo terror, mas pela maneira profunda como retrata as relações humanas em um mundo devastado. Como médico, fiquei me perguntando: será que algo assim poderia acontecer de verdade? O fungo Cordyceps realmente existe, inclusive tive a oportunidade de experimentar chá de Cordyceps no Butão, onde é conhecido por propriedades ligadas à energia e vitalidade. Na natureza, ele é capaz de alterar o comportamento de insetos. Mas, ao pesquisar, percebi que uma infestação em humanos, com efeitos neurológicos como os mostrados na série, é extremamente improvável. Ainda assim, depois da experiência da pandemia de covid-19, aprendemos a não subestimar o imprevisível.

Sérgio Timerman é cardiologista e diretor do Centro de Parada Cardíaca e Ciência da Ressuscitação do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da USP.

Onde assistir: HBO Max e Prime Vídeo

12- O quarto ao lado (filme)

Ele aborda o câncer de uma forma profundamente sensível e humana. A trama gira em torno de uma mulher diagnosticada com um câncer terminal, que não tem mais possibilidade de cura, e que convida uma amiga próxima para acompanhá-la nesse processo tão delicado. É um filme intenso, por vezes doloroso, mas que retrata com muita dignidade os desafios da terminalidade, tanto para quem vive a doença quanto para quem está por perto. Para quem atua na área da saúde ou na assistência em oncologia, considero uma obra fundamental para compreender, com mais empatia, o que significa viver e cuidar diante da finitude.

Camila Barcelos é fonoaudióloga titular do Departamento de Fonoaudiologia do A.C.Camargo Cancer Center

Onde assistir: Netflix

13- Plantão Médico (série)

Sempre foi mais do que uma série para mim, foi quase um espelho, ainda que distorcido, da nossa rotina na medicina. Como cardiologista e emergencista, vivi a adrenalina dos plantões, e muitas vezes me reconheci nos dilemas éticos, na pressão constante e nas emoções intensas que a série retratava com tanta humanidade.

Lembro de uma pesquisa americana que me marcou: apontava como as séries médicas estavam moldando a percepção do público sobre os atendimentos de emergência. Muita gente passou a acreditar que salvar vidas era algo quase imediato, como na TV, quando, na prática, a mortalidade é significativamente maior. Com o tempo, ER passou a se aproximar mais da realidade, inclusive contando com a consultoria da American Heart Association para alinhar os episódios com os protocolos reais, aproximando cada episódio da ciência e da prática clínica. Plantão Médico não se limitou a contar boas histórias. Ela ajudou o mundo a entender com mais clareza o que é estar no centro da ação quando cada segundo pode decidir um destino.

Sérgio Timerman é cardiologista e diretor do Centro de Parada Cardíaca e Ciência da Ressuscitação do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da USP.

Onde assistir: Prime Vídeo

14- Amores Materialistas (filme)

Ao assistir ao filme, me chamou a atenção como a obra toca em temas que alimentam, de forma silenciosa, questões sérias ligadas à alimentação e à imagem corporal mesmo sem tratar diretamente de saúde. A narrativa acompanha uma casamenteira que, em suas interações com os clientes, escuta repetidamente que os pretendentes precisam ser fisicamente perfeitos, como se estética fosse mais importante que caráter, afeto ou compatibilidade. Essa ênfase na aparência reforça padrões de beleza irreais e perpetua a lógica da cultura da dieta, onde só quem é bonito, jovem, branco e magro parece merecer amor e reconhecimento. O filme escancara como esse olhar superficial sobre o outro contribui para distorções na forma como as pessoas se enxergam, se alimentam e se relacionam consigo mesmas.

Marcela Kotait é nutricionista e coordenadora do ambulatório de anorexia nervosa do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).

Onde assistir: cinemas

15- Bom Sucesso (novela)

Falo do lugar de quem cuida quando a cura já não é a resposta, mas a vida ainda pede sentido. E encontro na cultura e na arte os meus maiores aliados, pois conseguem alcançar milhões de pessoas com a mensagem que trago a cada paciente que cuido. No espaço tão particular da nossa cultura brasileira, em “Bom Sucesso” vi o horário das sete da televisão aberta abrir espaço para as diretivas antecipadas de vontade. Ali, longe do jargão técnico, o público ouviu uma pergunta que faço todos os dias para os meus pacientes: “Como você quer ser cuidado quando não puder decidir?” Foi uma novela que ensinou, com afeto e simplicidade, que autonomia não é luxo, é cuidado.

Ana Claudia Quintana Arantes é médica geriatra que há 30 anos tem se aprofundado na experiência de cuidados paliativos.

Onde assistir: Globoplay

16- Meu Pai (filme)

O filme oferece um retrato profundo e comovente dos impactos das demências, desta vez a partir da perspectiva de quem vive a doença. A história acompanha um idoso que enfrenta a perda progressiva de memória e a desorientação provocada pela condição, enquanto sua filha cuida dele. A narrativa se destaca por utilizar recursos que colocam o espectador “dentro” da confusão mental do protagonista, tornando palpável a experiência da desorientação e da perda de autonomia.

Cláudia Suemoto é geriatra, professora associada da disciplina de geriatria da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora do Banco de Cérebros da USP.

Onde assistir: Prime Vídeo

17- Sob Pressão (série)

É um exemplo marcante de produção que reflete com intensidade a realidade da saúde no País. Diferente das produções norte-americanas, que frequentemente retratam hospitais bem equipados e ambientes altamente tecnológicos, Sob Pressão mergulha na precariedade do sistema público de saúde (SUS) no Brasil. Protagonizada por Júlio Andrade e Marjorie Estiano, a trama retrata o cotidiano desses médicos que lidam diariamente com a escassez de recursos, como falta de equipamentos, medicamentos e leitos, conferindo um tom cru e realista à narrativa. A série também explora temas sociais e dilemas éticos profundos, como o impacto da violência urbana, os riscos de trabalhar em regiões periféricas e o peso emocional e físico que recai sobre os profissionais da saúde.

Ricardo Caponero é oncologista do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

Onde assistir: Globoplay

Fonte: Externa