Um país não acostumado com a democracia leva seus habitantes e especialmente sua classe política a agir sempre em defesa dos próprios interesses. Começou com a independência proclamada pelo filho do rei de Portugal de quem todos queriam se livrar, mas para que “nenhum aventureiro lançasse mão”, decidiu – se por uma proclamação realizada por quem já estava no poder. Depois desse momento, outro fato histórico, ocorrido há exatos 175 anos, levava adiante a regra das “pedaladas” com a qual convivemos até hoje. Em 23 de julho de 1840, o príncipe herdeiro do trono, dom Pedro I era declarado maior de idade.
Para explicar essa situação é preciso retornar ainda mais na história. A 7 de abril de 1831, dom Pedro I abdicava do trono em favor do filho Pedro de Alcântara, então com cinco anos de idade, porque desejava voltar a Portugal para governar aquele país.
Óbvio que o herdeiro era muito jovem para gerir ainda que fosse o poder moderador e para governar o país foi criada uma regência trina. José Bonifácio, escolhido para ser o tutor do jovem príncipe, chefiou essa regência, sucedido por Diogo Feijó e posteriormente Lima e Silva. “A antecipação da maioridade de dom Pedro aconteceu devido a pressões políticas de todo tipo, houve até quem pedisse a volta de dom Pedro I”, analisou Célio Debes, historiador que ocupa as cadeiras de número cinco das academias paulistas de Letras e História, explicando que a saída de consenso para o impasse político sobre quem era o verdadeiro mandatário da nação, acabou levando à decisão de se antecipar a maioridade de Pedro II, então com 14 anos.
Afinal, numa monarquia parlamentarista o jovem príncipe só decidiria questões em último caso e assessorado por um corpo jurídico. Mesmo assim os conflitos de ordem política continuavam a ponto de Feijó que havia exercido a regência comandar em São Paulo, ao lado Tobias de Aguiar, a Revolta dos Liberais, em 1842.
O historiador avalia que o Brasil de hoje em alguns aspectos se assemelha ao mesmo país do passado, pela falta de equilíbrio político e administrativo que nos leva a situações hora mais grave ou menos grave. “Basta abrir um jornal brasileiro de qualquer época, a página política sempre revela assuntos envolvidos em tensão e impasse”, observa. Célio Debes ressalta que a única diferença entre o Brasil atual e o do século XIX está no fato de hoje existir liberdade de imprensa o que não ocorria em períodos anteriores.
De fato, o jogo de interesses e as dificuldades econômicas, sem contar as roubalheiras, fazem com que o país viva a mercê das inumeráveis manobras políticas. Recentemente a Câmara dos Deputados discutiu a proposta de redução da maioridade penal de 16 para 18 anos que acabou rejeitada em uma seção e aprovada em outra no dia seguinte pela mesma casa legislativa e isto também é uma “pedalada”.
No Brasil, entre 1822 e 1927, qualquer menor de idade que praticasse algum tipo de delito receberia o mesmo tratamento dispensado a bandidos, capoeiras e vadios. Uma vez capturados, todos eram atirados indiscriminadamente na cadeia. Em março de 1926, os jornais trouxeram uma estarrecedora história do menino Bernardino, de 12 anos, que ganhava a vida como engraxate no Rio de Janeiro. Ele foi preso por ter atirado tinta num cliente que se recusara a pagar pelo polimento de suas botinas.
Nas quatro semanas que passou trancafiado numa cela com 20 adultos, Bernardino sofreu todo tipo de violência. Os repórteres encontraram o garoto na Santa Casa “em lastimável estado” e “no meio da mais viva indignação dos médicos que o atenderam, contou o jornal. Foi a comoção causada por essa notícia que levou em 12 de outubro de 1927, o então presidente Washington Luiz a assinar uma lei que ficaria conhecida como Código de Menores.
Foi esse conjunto de leis que estabeleceu que o jovem é penalmente inimputável até os 17 anos e que somente a partir dos 18 responderá criminalmente podendo ser condenado à prisão. O que está em debate agora no país é a redução da maioridade penal para 16 anos.
Mas prestem atenção porque mudanças na lei poderão trazer de volta casos como o ocorrido com Bernardino, mesmo tendo se passado 89 anos. Afinal, o Brasil das manobras e das pedaladas ainda é o mesmo.