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‘Conversar é complicado’, diz psicóloga que ensina a ciência do bate-papo em Harvard

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‘Conversar é complicado’, diz psicóloga que ensina a ciência do bate-papo em Harvard

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Foto: Janelle Bruno/Divulgação

Psicóloga e autora do livro ‘Fale’ (Editora Sextante)

Na escola, não aprendemos a conversar. Se aprendêssemos, talvez escutássemos mais o que os outros têm a dizer. Muitos de nós, convenhamos, sequer esperam o interlocutor terminar de falar para dizer o que pensa. Interrompem o indivíduo bem no meio do raciocínio. E vice-versa.

Por essas e outras, Alison Wood Brooks, formada em Psicologia e Finanças pela Universidade de Princeton, resolveu criar um MBA sobre a ciência da conversação. Na Harvard Business School, em Boston (MA), ela ensina seus alunos a conversarem melhor – tanto na vida quanto nos negócios.

Mas, será possível aprender, entre outros ensinamentos, como fazer as perguntas certas, não dar respostas monossilábicas e muito menos transformar o bate-papo numa sinfonia de bocejos? Alison garante que sim. Seu curso fez tanto sucesso que ela resolveu transformá-lo em livro: Fale (Sextante, 2025).

Logo no título, a primeira lição. ‘Fale’ não é o imperativo do verbo falar. Nada disso. É um acrônimo formado pelas iniciais das palavras foco, aprofundamento, leveza e empatia. Segundo a autora, toda e qualquer boa conversa demanda esses quatro elementos.

Quando não está dando aula, Alison gosta de praticar esportes. Seu favorito é o basquete. Ao ser questionada sobre qual esporte — tênis, xadrez ou maratona de corrida — compararia a uma boa conversa, a psicóloga é taxativa: “Nenhum deles. No esporte, há vencedores e perdedores. Numa conversa, não”.

Em vez de esporte, Alison prefere fazer referência a uma dança. Daquelas em que os pares não estão competindo entre si para ver qual deles é o melhor: estão apenas querendo se divertir, ou se aprimorar. “Cada dançarino tem seu próprio estilo. Mas, para a dança fluir, tem que colaborar com o parceiro e dar o melhor de si”. Confira nossa conversa com ela:

Logo na introdução de ‘Fale’, você diz: “Mesmo que façamos isso o tempo todo, conversar é complicado”. Como ‘descomplicar’ o ato de bater papo?

Bem, sugiro três passos. Primeiro, aprenda a dinâmica da conversa. Meus alunos em Harvard costumam dizer que, durante uma conversa, há mais coisa acontecendo do que parece. Reconhecer que a conversa é um jogo implacável e complexo nos ajuda a reduzir nossas expectativas, porque podemos parar de buscar a perfeição, e a aumentar nossas aspirações, porque podemos começar a ter como objetivo criar e apreciar grandes momentos de conexão “se” e “quando” eles acontecerem.

Em segundo lugar, desenvolva estratégias que funcionam para você e procure praticá-las. A estrutura FALE visa organizar as mentalidades e estratégias que os cientistas descobriram ser mais úteis para a maioria das pessoas na maior parte das conversas. Espero que os leitores experimentem essas estratégias em suas conversas e vejam o que funciona para eles.

Por fim: deixe para lá. Depois de descobrir como conversar é algo complexo e desenvolver estratégias para conversar melhor e praticá-las, espero que essas estratégias se tornem um hábito em sua vida. No fim das contas, habilidades de conversação devem se tornar mais fáceis, como amarrar o cadarço ou andar de bicicleta, para que as pessoas possam descobrir mais facilmente as muitas recompensas que vêm da parceria de conversas bem-sucedidas com outras pessoas, e com menos ansiedade, não mais.

Em geral, qual é o erro mais comum que cometemos? É fazer perguntas demais? É dar respostas monossilábicas? É fazer a outra pessoa bocejar? Por quê?

É difícil dizer. Cometemos muitos erros, e eles são variados. Além disso, todos nós temos pontos fracos e fortes. Uma pessoa pode ser divertida, mas nunca faz perguntas. Outra pode fazer perguntas interessantes, mas é rápida em expressar raiva. Outra, ainda, pode contar histórias incríveis, mas não é muito boa em ouvir os outros.

É por isso que precisamos de uma estrutura como o FALE, que não se concentra apenas em um ou dois problemas, mas fornece um panorama abrangente dos muitos desafios e oportunidades que as pessoas enfrentam durante uma conversa.

De bate-pronto, eu diria que muitos erros decorrem do instinto humano de ser egocêntrico: as pessoas, por natureza, se concentram mais em si mesmas e em sua própria perspectiva do que em seus parceiros de conversa.

Muitos problemas poderiam ser resolvidos, ou pelo menos melhorados, se nos esforçássemos para nos concentrar mais na perspectiva de nossos parceiros. Isso significa prestar atenção, aprender e se importar com seus sentimentos, motivações, crenças, valores e identidade.

“É possível aprender a se comunicar melhor”, você diz. Que conselho daria para quem quer fazer isso em casa ou no trabalho?

Acho que as pessoas deveriam ler meu livro, mas, além disso, eu diria… Você provavelmente já é melhor em conversa do que pensa e, quando estiver pronto para melhorar ainda mais, tente essas estratégias: pense sobre quais tópicos seu parceiro gostaria de conversar por pelo menos 30 segundos antes de suas conversas; faça mais perguntas, especialmente de acompanhamento; em vez de tentar ser engraçado, tente tornar a conversa divertida; e use a frase “faz sentido que você se sinta (…) sobre (…)” para validar os sentimentos de seu parceiro de conversa, especialmente se você discordar dele.

Muitas pessoas confundem diálogo com monólogo. Em uma reunião de amigos ou de trabalho, falam muito, mas ouvem pouco. O que fazer numa situação dessas?

Você não tem controle sobre como as outras pessoas se comportam — apenas sobre como você se comporta. Aqui vão algumas ideias: procure tolerá-las do jeito que são; dê a elas um feedback direto sobre como seus hábitos de conversação fazem você se sentir; saia da conversa ou, talvez, do relacionamento; dê um feedback indireto sobre seus hábitos de conversação (por exemplo: provoque-as, impiedosamente, sobre o hábito irritante); e compartilhe seu feedback com outra pessoa que possa estar em melhor posição para dar o feedback diretamente.

A melhor opção depende de muitos fatores, como quem é essa pessoa, quão próxima dela você se sente, se você é obrigado a interagir com ela, sua preferência por franqueza e se você acha que ela seria receptiva a feedbacks diretos ou indiretos.

O título de seu livro é ‘Fale’, uma sigla para foco, aprofundamento, leveza e empatia. Qual desses elementos é o mais difícil? E por quê?

De certa forma, todos são difíceis, porque conversar é algo surpreendentemente complicado e confuso! Mas, felizmente, são relativamente fáceis de aprimorar. Cada um deles tem seus pontos fortes e fracos. Todos nós devemos nos esforçar para explorar nossos pontos fortes e trabalhar para melhorar nossos pontos fracos.

Conversar faz bem à saúde? Existem outros benefícios além de fazer as perguntas certas e prestar atenção ao que o médico diz? Quais são?

Conversar é vital para a saúde! Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que a solidão é mais prejudicial à saúde física e mental do que fumar 15 cigarros por dia. Portanto, não se trata apenas de conversar com seu médico, mas de conversar com toda e qualquer pessoa, ou seja, amigo, namorado, familiar, colega de trabalho, estranho e assim por diante.

Conversar é o caminho para evitar a solidão. É o caminho para desenvolver relacionamentos saudáveis e gratificantes, construir famílias e comunidades saudáveis, desenvolver uma rede social sólida e realizar um trabalho significativo e produtivo. Precisamos conversar bem para alcançar todos os nossos objetivos profissionais e pessoais.

Você baseia seus estudos em conversas presenciais, certo? As reflexões de seu livro também se aplicam a conversas virtuais?

Quando escrevi o livro, rascunhei um capítulo sobre comunicação na era digital. Decidi excluí-lo porque senti que, por mais inovador que fosse, ficaria logo desatualizado.

Portanto, meu livro se concentra principalmente em conversas presenciais, mas a dinâmica, os princípios e as estratégias para uma boa comunicação presencial são extremamente relevantes também para conversas digitais e virtuais.

Independentemente do meio, você precisa gerenciar tópicos, fazer perguntas, encontrar leveza e se esforçar para se importar com os outros e, principalmente, demonstrar isso.

De muitas maneiras, as redes sociais nos exigem que façamos todas essas coisas, mas com um conjunto mais limitado de maneiras de fazê-lo. Isso porque a conversa presencial é o modo de comunicação mais rico em informações, o modo pelo qual o cérebro humano evoluiu para se comunicar com os outros.

No Brasil, muitas pessoas desfizeram a amizade por causa do resultado das últimas eleições para presidente. O que fazer? Pedir desculpas ou deixar para lá?

Terminar um relacionamento ou tentar consertá-lo é, em última análise, uma decisão sua. Se as pessoas acreditam que o relacionamento pode valer a pena ser salvo, um pedido de desculpas é uma excelente maneira de tentar.

Muitas vezes, hesitamos em ser os primeiros a pedir desculpas porque pedir desculpas nos torna vulneráveis. É uma admissão de que você errou ou causou danos, o que é muito difícil de admitir.

Além disso, a outra pessoa não precisa aceitar o pedido de desculpas ou perdoá-lo, o que nos coloca em uma posição vulnerável.

Mas, pedir desculpas pode ser a maneira mais poderosa e eficiente de recuperar relacionamentos. A maioria das pessoas fica feliz em receber pedidos de desculpas e é bem provável que retribuam.

Na verdade, não há pesquisas mostrando que se recusar a pedir desculpas seja mais eficaz (para reparar relacionamentos e recuperar a confiança) do que oferecer um pedido sincero de desculpas.

Desde a infância, ouvimos nossos pais dizerem: “Não fale com estranhos”. Esse conselho, embora necessário, pode prejudicar a arte da conversação?

O trabalho dos pais é equilibrar dois objetivos: proteger os filhos e empoderá-los. O conselho “não fale com estranhos” pode ser uma regra prática útil para crianças muito pequenas, a fim de protegê-las de graves ameaças como um sequestro, por exemplo.

Por outro lado, conversar com pessoas interessantes, inteligentes, amorosas e prestativas, e observar as pessoas conversando, é crucial para o desenvolvimento de habilidades sociais, que pode ser o projeto mais importante da infância em geral. Aprender a se comunicar bem é necessário para que as crianças alcancem tudo o que desejam e precisam na vida, incluindo urgências de curto prazo, como “perdi meu pai ou minha mãe”, e necessidades de longo prazo, como “preciso fazer uma entrevista de emprego ou faculdade” ou “gostaria de ter uma namorada legal”. Claro, isso vale tanto para crianças quanto para adultos.

Minha pesquisa sugere que conversar com uma ampla gama de interlocutores, incluindo estranhos, torna as pessoas mais felizes, mais informadas, mais produtivas, mais saudáveis e, em muitos casos, mais seguras.

Por exemplo, digo sempre aos meus filhos: “Se precisarem de ajuda e não conhecerem ninguém por perto, por favor, conversem com outra mãe, pai, babá ou professor. Procurem os cuidadores”. Quero que eles se sintam confiantes para conversar com outras pessoas e aprendam a ler o ambiente por si mesmos. Tento não apenas protegê-los e empoderá-los, mas também ensiná-los a se protegerem e a se empoderarem.

Em última análise, o risco de enfrentar a vida sozinhos ou desconectados é, para a maioria das pessoas, provavelmente muito maior do que o risco que pode advir de conversar com um estranho.

Fonte: Externa

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