Qual é a diferença entre colesterol bom e ruim? Veja como mantê-los em níveis saudáveis
Embora o colesterol seja um tema conhecido, ainda existem muitas dúvidas sobre os reais efeitos do HDL e LDL no organismo. Crédito: Jefferson Perleberg
Aos 26 anos, ao realizar exames de rotina, tive uma surpresa: as taxas de colesterol estavam nas alturas. Como resposta, a cardiologista me deu a seguinte escolha: “Ou você começa a fazer exercícios físicos imediatamente ou começaremos com medicação”. Ninguém espera ter de tomar remédios para essa condição aos 20 e poucos anos. Mas pode acontecer.
Eu não estou sozinha. No Brasil, em 2023, 27,47% das crianças e adolescentes apresentavam colesterol alto e 19,29% tinham alterações nos níveis de LDL (colesterol “ruim”), segundo uma revisão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Na pesquisa, os cientistas analisaram mais de 800 artigos científicos, reunindo dados de milhares de voluntários de todas as regiões do País. Com isso, encontraram informações que refletem uma realidade preocupante.
“Estudos apontam um aumento progressivo das dislipidemias (alterações nos níveis de gorduras no sangue) entre adolescentes e jovens adultos”, avalia Fabiana Hanna Rached, cardiologista da Unidade Clínica de Aterosclerose do Instituto do Coração (InCor/USP) e diretora cientifica do Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).
Existem três grandes causas por trás dos altos níveis de LDL: genética, alimentação e doenças pré-existentes. Foto: Adobe Stock
Mas o colesterol alto entre jovens é comum?
“Não é o esperado, mas não é raro”, avalia Márcio Weissheimer Lauria, coordenador do Departamento de Dislipidemia e Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Endocrinologia (Sbem).
“Isso está associado ao estilo de vida atual, com crescimento da obesidade, do diabetes e também do tabagismo”, explica a médica.
Mas existe um outro fator muito importante para casos entre pessoas mais novas: a genética.
Segundo a SBC, uma das formas mais comuns e precoces de colesterol alto é a hipercolesterolemia familiar — uma condição hereditária que afeta cerca de 1 a cada 250 pessoas.
Como consequência, esses jovens enfrentam maior risco de desenvolvimento de doenças cardíacas, infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Por sorte, o quadro tem sido investigado cada vez mais cedo. Segundo a médica da SBC, esse é também um dos motivos que explica o aumento nos números.
Colesterol alto em jovens: por que preocupa?
O colesterol é um tipo de lipídio (gordura) produzido no fígado e naturalmente presente no organismo. Ele é essencial para o funcionamento do corpo, participando da produção de hormônios, da vitamina D e das membranas celulares, mas seu excesso pode trazer riscos.
Como outras gorduras, o colesterol não se mistura bem com a água. Por isso, não circula sozinho no sangue, mas se liga a proteínas, formando as chamadas lipoproteínas. Essas partículas funcionam como transportadoras e as principais são a HDL (lipoproteína de alta densidade, na sigla em inglês) e a LDL (lipoproteína de baixa densidade).
As duas podem ser medidas em exames de sangue, o que ajuda a verificar se os níveis estão saudáveis.
Qual a diferença entre HDL e LDL?
Embora o colesterol seja a mesma substância, ele costuma ser classificado de acordo com as proteínas que o transportam no sangue. Por isso são famosos estes dois tipos: o colesterol HDL, que é conhecido como “bom”, e o LDL, que tem a fama de “ruim”.
Quando os níveis de HDL estão baixos ou os de LDL estão muito altos, o risco de desenvolver doenças do coração aumenta. Isso inclui quadros como aterosclerose (acúmulo de placas de gordura nas paredes das artérias, dificultando a passagem do sangue), infarto e AVC.
É que, em excesso, o LDL pode se juntar a triglicerídeos, gorduras oriundas de calorias não gastas, e começar a se acumular nas paredes das artérias, obstruindo os vasos que levam sangue do coração para os órgãos e tecidos.
O HDL faz o caminho inverso. Ele é, digamos assim, o “faxineiro” do sistema, recolhendo o excesso de colesterol das artérias e levando tudo de volta para o fígado, onde a substância é metabolizada e eliminada. Estima-se que o HDL transporte entre 25% e 30% do LDL.
Fatores de risco
O colesterol só se torna uma ameaça quando suas frações estão fora de ordem, principalmente quando o LDL está alto demais. Por trás desse desequilíbrio, há uma combinação de fatores:
Em primeiro lugar na lista da fatores de risco estão os quadros de hipercolesterolemia familiar, aqueles por influência da genética. “Nesses casos, o aumento do colesterol pode ocorrer já na infância”, diz Fabiana.
De acordo com a SBC, pais que tiveram problemas cardiovasculares e metabólicos, como colesterol alto, antes dos 60 anos, têm maior propensão a ter filhos com os mesmos quadros.
Acontece assim: o fígado é responsável por produzir o colesterol e também por removê-lo do sangue. Para isso, ele usa receptores que conseguem “capturar” essas partículas. Em muitas pessoas, porém, a ação desses receptores é reduzida, o que dificulta a remoção do LDL do sangue.
Nesses casos, os receptores de LDL não funcionam direito ou existem em menor quantidade. Como resultado, o fígado não consegue puxar o “colesterol ruim” como deveria, e ele vai se acumulando.
E a quantidade de receptores é o principal fator de influência nos níveis de LDL de uma pessoa. Quando há mais receptores, mais LDL é captado e vice-versa.
A segunda razão está no prato. Cerca de 70% do colesterol é fabricado no fígado e os outros 30% vêm da dieta. Por isso, uma alimentação rica em gorduras saturadas e colesterol aumenta as chances de alteração nas taxas.
O sedentarismo é outro inimigo, favorecendo o aumento do LDL e dos triglicérides. Por isso, fazer exercícios com frequência — como caminhar, correr, pedalar ou nadar — pode melhorar os níveis de gordura no sangue. Com o tempo, essas atividades ajudam a baixar o colesterol total e os triglicerídeos, além de aumentar o HDL e reduzir o LDL.
Outras causas são doenças como hipotireoidismo, diabetes e problemas nos rins, que podem bagunçar o metabolismo das gorduras no sangue.
O tabaco também entra na lista, já que afeta praticamente todos os órgãos do corpo. De acordo com o Ministério da Saúde, em um cigarro podem ser catalogadas milhares de substâncias capazes de estreitar as artérias, provocar inflamação e levar ao aparecimento da aterosclerose.
Para piorar, o tabagismo também reduz o HDL, o colesterol “bom”. Por esse motivo, é possível identificar em fumantes riscos aumentados de AVC, infarto e hipertensão.
Hábitos que elevam o colesterol
“Existem fatores específicos da faixa etária dos jovens que contribuem para o problema e merecem destaque”, diz Fabiana. Entre eles, estão o consumo excessivo de alimentos industrializados e fast food, a vida sedentária, a privação de sono e o estresse contínuo.
“O sedentarismo, o consumo excessivo de ultraprocessados e o estilo de vida digital têm papel importante nesse cenário”, diz Fabiana.
Além disso, há a influência dos modismos alimentares nocivos e dietas desequilibradas, muitas vezes impulsionadas pelas redes sociais. “Dietas restritivas, com excesso de gordura saturada, proteína ou açúcar, são comuns entre jovens que buscam resultados rápidos, sem orientação profissional”, diz a médica.
Outro fator é o uso de substâncias prejudiciais, como anabolizantes, que afetam negativamente os níveis de colesterol, causando queda importante do HDL e aumento do LDL.
Por fim, há o problema da baixa percepção de risco, que pode atrasar o tratamento para frear o acúmulo da substância. “Muitos jovens não realizam exames de rotina, o que dificulta a detecção precoce de alterações no perfil lipídico”, diz Fabiana.
Quando procurar um médico?
“A avaliação do colesterol deve fazer parte dos check-ups de rotina”, destaca Lauria.
E esses exames de rotina não se restringem aos mais velhos. É recomendável medir os níveis de colesterol entre 9 e 11 anos de idade, na adolescência e quando adulto jovem.
“Não é apenas após os 40 anos, como se falava antes. Quanto mais cedo identificarmos alterações, maior a chance de prevenção”, recomenda Fabiana.
Todos devem conhecer seus níveis de colesterol e, se houver alteração nos exames, procurar orientação médica.
Também é importante buscar um médico quando há histórico familiar de doenças cardíacas, especialmente se surgiram precocemente, ou em caso de fatores de risco como obesidade, diabetes, hipertensão ou tabagismo.
Prevenção desde cedo
Em qualquer idade, equilibrar a alimentação é muito importante para manter níveis saudáveis de colesterol HDL e LDL.
“É fundamental adotar uma dieta balanceada, rica em fibras, frutas, vegetais, grãos integrais e com baixo teor de gorduras saturadas e trans”, diz Fabiana.
Stéfany Datovo Prado, diretora do Serviço de Nutrição do InCor, também acrescenta que é preciso evitar ou reduzir o consumo de alguns alimentos.
Entre eles, a nutricionista lista as carnes processadas e embutidos; carnes vermelhas com gordura aparente; leite e derivados; frituras e alimentos ultraprocessados; doces industrializados; e óleos vegetais em excesso.
Ao mesmo tempo, para a jornalista que escreve este texto e todas as outras pessoas que podem se deparar com as altas taxas de colesterol, é necessário praticar atividade física regularmente. Em geral, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a prática de, ao menos, 150 minutos de exercícios por semana.
Para se ter ideia do impacto da atividade física, um estudo publicado pelo American College of Sports Medicine com dados de 4,7 mil pessoas mostrou que, após 12 semanas de exercícios aeróbicos, o HDL aumentou em média 4,6%, enquanto os triglicerídeos caíram 3,7% e o LDL, 5%.
Outra pesquisa, publicada no British Journal of Sports Medicine, analisou resultados entre mulheres na pré-menopausa após 14 semanas de musculação. Houve redução no colesterol total (de 4,6 para 4,26 mmol/L) e no LDL (de 2,99 para 2,57 mmol/L).
Outra recomendação é evitar o cigarro e, por fim, quando necessário, iniciar o tratamento medicamentoso para controlar os níveis de colesterol, sempre com orientação médica.