Conhecida por suas folhas com bordas espinhosas, a espinheira-santa (Maytenus ilicifolia) é uma das plantas medicinais mais tradicionais no Brasil. Chamada também de “espinheira-divina” ou “cancorosa”, ela tem sido usada por povos originários da América do Sul por séculos e, hoje, está presente inclusive na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), que orienta o uso de insumos no Sistema Único de Saúde (SUS). Também consumida na forma de chá, ela é popularmente utilizada devido aos benefícios terapêuticos associados ao sistema gastrointestinal.
Sua potencial ação em casos de gastrite, azia e refluxo, inclusive, é um dos motivos pelos quais a planta carrega o adjetivo “santa”. Especialistas alertam, contudo, que ela costuma ser alvo de falsificações, o que pode comprometer não apenas a sua eficácia, mas também a segurança de quem a consome.
“A Maytenus ilicifolia (nome científico) é uma das principais plantas adulteradas no mercado de produtos naturais”, alerta a farmacêutica Ana Carla Prade, coordenadora do Programa Farmácia Viva de São Bento do Sul (SC). A especialista ainda destaca que, em dois anos visitando mercados municipais em diferentes Estados brasileiros, encontrou a verdadeira espécie sendo comercializada em apenas um deles.
Quando se trata da espinheira-santa original, uma relação de efeitos terapêuticos são citados por especialistas que atuam com fitoterapia. Dentre os principais estão ações de proteção à mucosa gástrica e o efeito anti-inflamatório.
Principais substâncias
Consumida a partir da infusão de folhas secas, a espinheira-santa concentra nessa estrutura as substâncias responsáveis por sua ação terapêutica. “Elas contêm a maior concentração de fitoquímicos, como compostos terpênicos, fenólicos, alcaloides, taninos, antocianinas, fitoesteróis, mucilagens e sais minerais”, elenca Michelle Jorge, coordenadora assistente do Laboratório de Práticas Alternativas Complementares e Integrativas em Saúde (Lapacis) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Esses fitoquímicos reunidos, segundo a nutricionista Vanderlí Marchiori, especialista em fitoterapia e fundadora da Associação Paulista de Fitoterapia (APFIT), têm atuação anti-inflamatória. Além disso, também ajudam na proteção do muco gástrico, responsável pela promoção da integridade do sistema digestivo.
Benefícios da planta
Quando se fala nos possíveis benefícios do chá de espinheira-santa, a lista pode ser extensa. Pesquisas e práticas clínicas dão mais destaque, entretanto, para a atuação da planta no sistema gastrointestinal e, apesar de menos recorrente, à ação diurética.
Corroborando os dados encontrados em estudos, as especialistas enfatizam as ações de alívio em quadros de azia, queimação e dor epigástrica, além da contribuição para o tratamento complementar de úlceras e gastrites causadas pela bactéria Helicobacter pylori (ou H. pylori).
- Ajuda em casos de refluxo
Vanderlí aponta que o chá pode ser útil em quadros de refluxo associados à gastrite, pois auxilia também na melhoria da reeducação alimentar. “Eu peço para usar de 3 a 4 meses e reavaliar o quadro. Nesse período, espero que os hábitos já tenham melhorado, e, com isso, a pessoa precise de menos chá ou menor frequência de uso da planta”, explica.
Um ensaio clínico randomizado, que utilizou cápsulas com extrato seco de espinheira-santa, corrobora essa via de ação da planta. O estudo, ainda com resultados preliminares, mostrou que há potencial dessa espécie para o tratamento do refluxo gastroesofágico.
Chá de espinheira-santa tem benefícios principalmente para a saúde gastrointestinal Foto: M&M Factory/Adobe Stock
- Auxílio na má digestão
Ainda no que se refere ao trato digestivo, o chá da espinheira-santa é atrelada à melhora em casos de acidez e eructação, os famosos arrotos. Dentro dessa linha, estudos mostram que a planta entrega resultados positivos sobre sintomas relacionados à má digestão.
A ação é apontada como efeito dos compostos como triterpenos, flavonoides e taninos, que, através da infusão, agem aumentando o pH estomacal.
Na cultura popular, essa planta também é relacionada ao controle do diabetes. Tal uso, inclusive, motivou estudos em busca de uma confirmação mais sólida.
Um deles, focado no potencial anti-hiperglicêmico da espinheira-santa, analisou extratos da planta em estudos in vitro. O resultado, apesar de positivo nesse sentido, ressalta que não é possível identificar com precisão quais mecanismos são responsáveis pelos efeitos, o que ainda demanda mais pesquisas.
Outro potencial benefício atribuído popularmente à infusão é a ação diurética, o que faz com que seja buscada para casos leves de retenção de líquidos e redução de inchaço.
Contudo, essa forma de utilização não está listada na Farmacopeia Brasileira, que condensa as indicações terapêuticas, contraindicações, efeitos adversos e mais informações relevantes dos fitoterápicos.
Já em estudos que falam sobre plantas com ação diurética, a espinheira-santa é mencionada. O efeito viria do acetato de etila, substância obtida por meio da infusão da planta.
O chá de espinheira-santa é bom para gastrite?
A ação terapêutica da espinheira-santa no trato gastrointestinal é uma das mais documentadas em artigos e estudos que abordam tanto o uso tradicional quanto as práticas clínicas. “Ela regula a produção de ácido clorídrico, tem efeito cicatrizante e inibe a infecção recorrente pela H. pylori”, explica Ana Carla, que atualmente desenvolve pesquisas sobre a dosagem ideal do chá no Instituto Federal Catarinense (IFC).
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais da metade da população mundial já foi ou está contaminada pela bactéria, que é um fator de risco para casos de gastrite e úlceras.
A farmacêutica também destaca que o uso da planta é uma alternativa segura para pacientes que apresentam intolerância a medicamentos convencionais em casos leves de gastrite, refluxo e azia.
Tal afirmação vem da experiência prática com a espinheira-santa, já que Ana Carla foi responsável por desenvolver um protocolo voltado à diminuição do uso de remédios que influenciam a quantidade de ácido produzido pelo estômago, como o Omeprazol.
“O protocolo consiste em retirar gradualmente o medicamento inibidor da bomba de prótons com o uso do decocto da espinheira-santa (obtido quando as folhas secas são fervidas em água) em um período de cinco semanas, sempre acompanhando a evolução do paciente”, explica.
O resultado foi positivo e o protocolo é utilizado desde 2018 nos casos encaminhados à fitoterapia pelo SUS.
Falsificações da espinheira-santa
Apesar de seus benefícios comprovados, a espinheira-santa enfrenta um problema: a adulteração. Prova disso é que a pergunta “como saber se a espinheira-santa é falsa ou verdadeira?” é uma das questões que se destacam quando os usuários buscam informações sobre ela no Google.
Michelle conta que isso acontece porque a Maytenus ilicifolia tende a ser confundida com outras espécies de plantas medicinais. “As mais frequentes são a Maytenus aquifolia, a erva-mate (Ilex paraguariensis) e a sorocaíba (Sorocea bomplandii)”, cita. Ela destaca ainda que a última espécie citada é uma das espécies mais utilizadas na adulteração.
Para as outras espécies, não há estudos suficientes que justifiquem o uso ou comprovem sua segurança, o que acaba sendo um problema para o consumidor, que precisa redobrar a atenção na hora de adquirir a espinheira-santa.
Dessa forma, é importante entender sobre a aparência da planta e de suas versões falsas. Michelle destaca que, enquanto a árvore da Sorocea bomplandii pode chegar a 10 metros de altura, ter muita folhagem e ainda ser potencialmente tóxica, a da espinheira-santa verdadeira tem porte menor e poucas folhas.
Contraindicações
Mesmo sendo considerada segura para consumo no formato de chá, a espinheira-santa apresenta algumas contraindicações.
“Não é indicada para gestantes, lactantes e crianças menores de 6 anos”, afirma Michelle. Além disso, a Farmacopeia Brasileira também contraindica o uso em menores de 18 anos, por falta de estudos de segurança nessa faixa etária.
Entre os possíveis efeitos adversos estão: boca seca, náuseas, aumento de apetite e desconfortos gástricos leves. “Quem usa anticoagulantes ou medicamentos como esteroides anabolizantes, metotrexato, amiodarona, cetoconazol e imunossupressores também deve evitar o uso, pelo risco de interação”, alerta Ana Carla.
Modo de preparo do chá
Para preservar os compostos da espinheira-santa, é importante preparar o chá da forma correta. De acordo com a cartilha da Farmácia Viva do Centro de Referência em Práticas Integrativas em Saúde (CERPIS), o modo mais indicado é a infusão das folhas secas.
“Usa-se uma colher de sopa de cerca de três gramas em 150 ml de água fervente. Deve-se tampar, aguardar dez minutos e coar”, orienta Michelle. Já Vanderlí acrescenta que, após ser coado, o chá deve ser ingerido na sequência. “Pode ser consumido frio, morno ou quente, como a pessoa desejar”, reforça.
Por fim, em relação às doses e tempo de consumo, Michelle explica que o mais indicado é que o uso seja acompanhado por um profissional de saúde capacitado, que faça indicação terapêutica de acordo com cada cenário.