Pintar, dançar, ouvir música ou participar de atividades artísticas em grupo pode ser mais do que um passatempo: é uma estratégia eficaz para melhorar a saúde mental de adultos maduros e idosos. É o que revela um estudo conduzido pela Universidade Queen Mary, em Londres, publicado recentemente na revista científica Nature Mental Health.
Arte em grupo traz benefícios para a saúde mental de indivíduos mais velhos Foto: belahoche/Adobe Stock
A pesquisa analisou 39 estudos realizados em 21 países, envolvendo ao todo 3.360 pacientes com quadros de depressão e 949 com sintomas de ansiedade. Todos os participantes tinham mais de 55 anos e não apresentavam diagnóstico de demência. Em 36 dos estudos, os cientistas investigaram os efeitos de intervenções artísticas sobre sintomas depressivos; outros 10 analisaram os impactos sobre a ansiedade.
Os resultados foram claros: a prática de atividades artísticas — especialmente quando realizadas em grupo — tem efeito positivo no alívio dos sintomas dessas condições. Os benefícios foram consistentes em diferentes tipos de arte e entre populações de diversas culturas.
Para os pesquisadores, o principal diferencial está na experiência compartilhada e na construção de conexões sociais, que atuam como suporte emocional.
“Esse trabalho traz evidências robustas que reforçam algo que já observamos na prática clínica: a importância de abordagens integrativas e criativas no cuidado com a saúde mental e a formação de redes de apoio que vão além do modelo exclusivamente biomédico”, afirma o psiquiatra Luiz Gustavo Vala Zoldan, do Hospital Israelita Albert Einstein.
Além dos ganhos em bem-estar, o estudo sugere que essas intervenções podem representar uma alternativa eficaz ao uso de medicamentos em certos casos — uma estratégia que, segundo especialistas, traz vantagens importantes, especialmente na terceira idade.
“Essa pesquisa mostra que nem sempre é necessário utilizar medicações nesses casos, o que é bom porque reduz o custo do tratamento e evita possíveis efeitos colaterais que os remédios podem provocar. Isso é especialmente importante no caso de idosos, pois muitos já utilizam outros medicamentos”, destaca a médica geriatra Lara Miguel Quirino de Araújo, chefe da Disciplina de Geriatria e Gerontologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
As intervenções artísticas promovem mais do que momentos de lazer: elas atuam em múltiplas dimensões da saúde emocional e cognitiva dos idosos. Segundo o psiquiatra, essas práticas favorecem o convívio social e reduzem o isolamento, combatendo a solidão e promovendo senso de pertencimento e utilidade — fatores essenciais para um envelhecimento saudável. “Além disso, o engajamento criativo ativa áreas cerebrais ligadas à motivação e à recompensa, o que pode melhorar o humor e reduzir sintomas ansiosos”, explica.
A socialização proporcionada pelas atividades em grupo também contribui para que o indivíduo perceba que outras pessoas enfrentam desafios semelhantes, mas com diferentes formas de enfrentamento. Essa vivência ajuda a deslocar o foco do próprio sofrimento, permitindo o engajamento com experiências que geram prazer, orgulho e motivação.
Um dado relevante do estudo é que os efeitos das intervenções artísticas foram ainda mais significativos entre idosos residentes em instituições de longa permanência, como casas de repouso. “Isso pode ter duas razões principais. Primeiro que o acesso é mais fácil, já que quem mora em sua própria residência precisa ter motivação para sair de casa e pensar no transporte até o local das atividades. Isso sem falar que nas casas de repouso a prevalência de casos de depressão costuma ser maior, o que ajuda a evidenciar os benefícios”, avalia a especialista da Unifesp.
Frequência das atividades
Para que os efeitos positivos se concretizem, os especialistas recomendam que os encontros ocorram ao menos uma vez por semana, com duração entre 60 e 90 minutos, e em grupos pequenos, o que favorece a interação. A escolha da atividade deve considerar as condições físicas e cognitivas de cada participante, bem como seus interesses pessoais, garantindo envolvimento genuíno. Os benefícios são notados com mais intensidade após três meses de participação contínua.
Embora, em geral, as terapias artísticas não tenham contraindicações absolutas, a indicação deve ser individualizada. É necessário respeitar os limites de cada idoso, garantindo que as atividades sejam inclusivas e seguras. “Se o idoso tem problemas de equilíbrio, por exemplo, a dança pode não ser a melhor opção. Pessoas com dificuldades cognitivas avançadas, dificuldades com o pragmatismo, quadros de delírio, agitação intensa ou limitações físicas importantes podem precisar de adaptações específicas”, orienta a geriatra.
Também é fundamental avaliar o grau da condição clínica. Em casos mais graves de depressão ou ansiedade, o tratamento deve incluir medicação e psicoterapia, para que o paciente tenha condições emocionais e energéticas de se engajar nas atividades. A atuação de uma equipe multidisciplinar costuma potencializar os efeitos positivos.
“Por fim, vale destacar que, além do impacto na saúde mental, as atividades artísticas em grupo promovem bem-estar geral, estimulam a cognição, fortalecem vínculos comunitários e ajudam a combater o etarismo/idadismo, o preconceito contra o envelhecimento. Investir nessas práticas é investir em saúde pública, qualidade de vida e envelhecimento ativo. É um campo que merece mais atenção nas políticas públicas e nos serviços de saúde”, diz o médico do Einstein.