Gordura corporal não é sempre ruim; entenda
A nutricionista Desire Coelho explica que magreza nem sempre é sinônimo de saúde; dependendo da localização da gordura corporal, ela pode até ser protetora. Crédito: Desire Coelho
Antes de começar a ler o texto de hoje, peço que tente ao máximo separar o padrão estético da magreza da ideia de saúde. Você pode gostar e desejar a magreza, afinal, somos influenciados nesse sentido pelo meio em que vivemos, mas isso não significa querer ser saudável. Inclusive, muitas pessoas perdem a saúde física, emocional e até financeira na busca por um corpo cada vez mais magro.
São coisas totalmente diferentes, que procuro deixar claro em todos os meus textos – e o de hoje segue a mesma linha.
Nem toda gordura corporal é maléfica. O impacto na saúde depende da área em que está localizada Foto: Studio Romantic/Adobe Stock
Gordura corporal e saúde
A ciência conhece bem essa relação. Imagine um gráfico com a quantidade de gordura no eixo horizontal e o risco de morte no eixo vertical. Essa curva não é linear: é em formato de J. Ou seja: tanto o excesso como a baixa quantidade de gordura aumentam o risco de morte.
As causas são diferentes, claro. A obesidade está associada ao aumento do risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, câncer. Já o percentual de gordura muito baixo aumenta o risco de infecções e mortalidade em internações hospitalares. Mas o risco, nos extremos, é igualmente preocupante. Um estudo com milhões de pessoas no Reino Unido associou um IMC próximo a 18kg/m2 (isto é, considerado baixo) com um risco à saúde semelhante ao da obesidade grau 1 e 2.
Sabemos que o IMC possui sérias limitações. Por isso, muitos estudos vêm propondo o uso do percentual de gordura como marcador mais preciso. Só que avaliá-lo com exatidão é um desafio. Existem dezenas de fórmulas e técnicas diferentes, e a variação entre elas pode fazer com que o percentual de gordura varie até 4% ou mais. Além disso, se você faz um método para avaliar a composição corporal, deve se ater a ele, pois as fórmulas não são comparáveis entre si.
Mesmo com essas limitações, o percentual de gordura tem se mostrado um dado mais útil que o IMC. Um estudo com mais de 10 mil participantes mostrou que pessoas com IMC mais alto muitas vezes também apresentavam maior quantidade de massa magra – o que é, de fato, um fator protetor.
Gordura intramuscular e risco de eventos cardíacos
Muitas pessoas temem a gordura corporal como se fosse sempre igual, quando, na verdade, a localização é o fator mais importante para determinar o risco à saúde.
Sabemos há muito tempo que a pior gordura é aquela localizada na região intra-abdominal ou visceral – isto é, ao redor da cintura. Contudo, estudos recentes têm mostrado que outra gordura também precisa ser vista com cuidado: a que fica dentro do músculo, chamada de intramuscular, que não é tão fácil de identificar em uma avaliação clínica.
Segundo um estudo realizado com participantes com risco cardíaco aumentado, cada 10 cm² a mais de gordura intramuscular resultou em um aumento de 53% no risco de evento cardiovascular. A gordura dentro do músculo, aquela que deixa a carne do churrasco marmorizada, é considerada um fator de risco independente, mais relevante até do que o IMC e outros depósitos de gordura.
Esse mesmo estudo também mostrou algo fundamental: que a massa muscular e o tecido adiposo subcutâneo foram fatores protetores para a saúde cardiovascular. Talvez você tenha lido rápido demais, então repito: a gordura subcutânea, localizada abaixo da pele e acima dos músculos, é considerada um fator protetor da saúde.
Em resumo, “se balança, é bom!”. Li essa frase em inglês (“if it jiggles is good”) em um livro e dei risada. Claro que os extremos são preocupantes. Não é uma apologia ao excesso. Só que tem gente que sofre porque acumula gordura na região dos flancos (em inglês, ela é chamada de “love handles“, ou ”alças do amor”, termo que acho carinhoso). Ou porque a barriga dobra ao se sentar. São questões que abalam o bem-estar emocional. Mas a saúde, quase sempre, é a última a ser considerada.
E, para além do visual corporal, sabemos, hoje em dia, que pessoas com peso dentro dos valores indicados podem ter obesidade metabólica. Assim como indivíduos com um pouco mais de gordura podem ser plenamente saudáveis.
Como saber se atrás de uma gordura que balança tem outra que não balança?
Se você está tentando fugir da “roda do rato da magreza”, ter mais paz emocional e entender se sua saúde está em risco ou não, há formas de avaliar. A maneira mais simples é verificar a circunferência da sua cintura (medida na metade da distância entre a última costela palpável e o osso do quadril, ou seja, perto da cicatriz umbilical). Esse valor deve ser menor que 88 cm para mulheres e 102 cm para homens.
Outro parâmetro que tem ganhado muita evidência científica é medir a relação cintura/estatura. Basta dividir a circunferência da cintura pela altura em centímetros. Se o valor ultrapassar 0,5, é hora de investigar melhor. Como comentei, a gordura intramuscular ainda não é fácil de se avaliar na clínica, mas a visceral pode ser analisada com técnicas de ultrassom e densitometria óssea.
Então, da próxima vez que você se olhar no espelho e se incomodar com a barriga que dobra ou com as tais “alças do amor”, lembre-se: nem tudo que balança precisa sumir, talvez esteja ali tentando te proteger.