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Curada do câncer, ela usa o que aprendeu para cuidar de pessoas em situação de rua

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Curada do câncer, ela usa o que aprendeu para cuidar de pessoas em situação de rua

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Ana Carolina Ferreira Freitas, de 24 anos, não diz que trabalha com pessoas que moram na rua. Ela trabalha com pessoas que estão na rua. É uma situação, não uma sentença — assim como foi com seu tratamento contra o câncer.

Carol foi diagnosticada com osteossarcoma — um tipo de tumor que atinge os ossos longos e ocorre principalmente no fêmur (coxa), tíbia (canela) ou úmero (braço) — quando tinha 14 anos, após sentir fortes dores no braço direito e ver o membro inchar.

Moradora de Rio Grande, no interior do Rio Grande do Sul, ela ouviu dos médicos que o caso estava avançado, que deveria buscar tratamento em Porto Alegre e que muito provavelmente o braço seria amputado.

As previsões da equipe médica na capital gaúcha não foram mais animadoras. “Falaram: ‘Podemos oferecer o tratamento, mas não é o mais adequado. Tu merece um tratamento mais intenso, que vai proporcionar maior chance de cura’.“

Foi nesse momento que uma oncologista formada na residência do Graacc contou a Carol e seus pais sobre o trabalho feito na instituição, referência no tratamento do câncer infantojuvenil no Sistema Único de Saúde (SUS).

Sabia-se na época que o Graacc tinha uma taxa de cura de 72%, acima da média nacional, e a família se agarrou a essa possibilidade.

“Essa taxa de cura era uma alegria enorme porque na minha cidade, basicamente, me deram uma sentença de morte.”

Ana Carolina durante o tratamento contra o câncer e atualmente, como coordenadora do abrigo de acolhimento a pessoas em situação de rua Foto: Ana Carolina Ferreira Freitas

Os amigos de escola promoveram uma grande vaquinha para custear a viagem de Carol e do pai para São Paulo e, na capital, teve início o tratamento de 10 meses.

A adolescente passou por quimioterapia e realizou duas cirurgias. Na primeira, os médicos substituíram o osso doente por uma prótese, preservando seu braço. Na segunda, removeram os 18 nódulos que haviam surgido no pulmão, em um processo de metástase.

Entre os procedimentos, Carol seguiu estudando com os professores que trabalham no hospital. Todos, dos enfermeiros aos nutricionistas, dos médicos aos psicólogos, faziam questão de reforçar que aquela era uma fase. Ia passar e ela deveria estar pronta.

“Tu passa pelo tratamento entendendo que vai sair dali e que vai precisar seguir a tua vida, estudar, fazer uma faculdade, traçar uma carreira.”

Do hospital para a assistência social

Carol foi aprovada em Enfermagem na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), mas decidiu prestar novamente o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e ingressou no curso de Direito, no qual se formou.

“No Graacc, eu era tratada com humanidade, com muito carinho, muita atenção por parte de todos os profissionais, desde a pessoa da portaria, os seguranças, até os médicos, os enfermeiros e os voluntários, que estão ali apenas a fim de ajudar, sem nenhum proveito financeiro. Isso foi abrindo meus olhos para um entendimento diferente da vida, de que talvez eu pudesse ser uma profissional daquela forma, seguir uma carreira em que eu não recebesse apenas proveito financeiro, mas que tivesse a possibilidade de dar garantias para as pessoas.”

Hoje, ela é mãe do Augusto, de 3 anos, e atua como coordenadora em uma instituição de assistência e desenvolvimento social em Rio Grande, onde gerencia o abrigo para pessoas em situação de rua, o restaurante popular e alguns projetos de fortalecimento de vínculos.

“Eu não trabalho com pessoas que moram na rua. Eu trabalho com pessoas que estão em situação de rua. Através do meu trabalho, a pessoa vai pensar num desenvolvimento, no dia em que ela não vai estar mais naquela situação. Eu não vou tratá-la como se ela pertencesse àquilo. Eu vou tratá-la como se ela estivesse no momento, como me tratavam lá no hospital.”

80% de cura

Se na época a equipe do Graacc já tinha esse entendimento, hoje a certeza de que é preciso preparar os pacientes para o futuro aumentou. Um levantamento mostra que a taxa de cura das crianças e adolescentes atendidos na unidade cresceu na última década. Enquanto entre 2001 e 2010 ela era de 72% — o dado disponível quando Carol foi internada —, entre 2011 e 2020 chegou a 80%, um nível próximo do observado em países desenvolvidos, que alcançam 85%.

“Temos um registro de base hospitalar e sabemos quais pacientes tiveram alta, os que ainda estão em tratamento, os que tiveram uma recidiva e a doença voltou, e aqueles sem sinal da doença há mais de cinco anos, que consideramos curados”, diz Monica Cypriano, diretora médica assistencial do Hospital do Graacc.

O avanço é fruto de uma série de medidas. Monica menciona a ampliação das instalações, incluindo a inauguração do centro de radioterapia; a implementação de um programa de qualidade, com monitoramento constante dos processos e análise de falhas; o acesso a medicamentos de última geração por meio da participação em ensaios clínicos; e a especialização das equipes multiprofissionais.

“Eu, que atendo pacientes com tumores sólidos, tumores de fígado, tumores de rim, trabalho com uma equipe acostumada a lidar com essa população, e isso vale para todo mundo. Tem equipe de sistema nervoso central, leucemia, cirurgia, de transplante de medula óssea. O Graacc é um dos poucos hospitais do Brasil que têm esse modelo”, afirma Monica. Hoje, são 31 especialidades.

De acordo com a instituição, foram atendidos no ano passado 3.875 pacientes de todo o País, sendo 453 novos casos. Foram realizadas 22.189 consultas médicas, 10.936 consultas multiprofissionais, 2.665 cirurgias, 21.993 sessões de quimioterapia e 4.330 sessões de radioterapia. Além disso, ocorreram 94 transplantes de medula óssea.

O que falta

Nos últimos três anos, o Graacc registrou 1.312 novos casos, sendo 18,59% referentes a tumores do sistema nervoso central, 14,86% associados a retinoblastoma e 13,18%, a leucemias.

Em muitos casos, os pacientes tiveram dificuldade de conseguir o diagnóstico. “Os médicos que estão na ponta, nas unidades básicas de saúde, às vezes nem são pediatras”, diz Monica.

Para melhorar a detecção, o Graacc está trabalhando em uma parceria com a Prefeitura de São Paulo para fornecer a médicos da atenção básica um curso sobre diagnóstico precoce do câncer infantojuvenil.

Atualmente, é a prefeitura que regula as vagas na unidade. Se uma criança ou adolescente vai à UBS e o médico desconfia de câncer, ele solicita a inclusão do paciente no sistema de regulação, onde o Graacc consta como opção. O hospital também recebe pacientes pelo sistema de regulação estadual e, em casos mais complexos, atende moradores de outros estados, como ocorreu com Carol.

Para Monica, diagnosticar a doença o quanto antes tem uma grande influência na taxa de cura. Ela dá o exemplo da Alemanha, em que pediatras realizam no próprio consultório um exame de ultrassom nos pacientes com suspeita de tumor na região do abdômen.

Outras medidas para alcançar a taxa de cura de lá, diz a médica, incluiriam investimentos na área de biologia molecular, para a realização de exames capazes de indicar previamente como o organismo do paciente reagiria a determinado medicamento, e acesso às drogas de última geração, com custo de milhões por tratamento.

“Se esses medicamentos-alvo não estão disponíveis pela pesquisa clínica, por meio da indústria farmacêutica, não temos condições de comprar.”

Fonte: Externa

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