Que o consumo de álcool é prejudicial à saúde quase todos sabem. O que não é tão evidente é como essa relação fica ainda mais forte com o avançar da idade.
Com o passar dos anos, os efeitos do álcool no organismo tendem a se intensificar, tanto pelas mudanças naturais do corpo quanto pelos hábitos adquiridos ao longo da vida. Por isso, especialistas avaliam que moderar — ou abandonar — o consumo de bebidas alcoólicas é uma escolha prudente para promover um envelhecimento mais saudável.
“Nessa fase da vida, repensar o consumo de álcool, aliado à adoção de hábitos saudáveis, é importante para uma melhor qualidade de vida, além de contribuir para a saúde mental”, comenta Guerra. Confira abaixo algumas das razões para reduzir ou cessar o consumo de bebida alcoólica.
1- Alterações fisiológicas
O processo natural de envelhecimento envolve uma redução das reservas energéticas, ou seja, da capacidade do corpo para lidar com agressões, como as ocasionadas pelas bebidas alcoólicas. “Essas mudanças afetam todo o organismo — fígado, pele, cérebro, coração”, diz o geriatra Marco Túlio Cintra, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).
A redução das funções do fígado e dos rins, por exemplo, contribui para que o álcool permaneça por mais tempo no organismo, intensificando seus efeitos. Além disso, como o corpo do idoso possui menos água, a mesma quantidade de álcool causa um impacto maior em comparação com uma pessoa mais jovem, diz Olivia Pozzolo, psiquiatra e médica pesquisadora do Cisa.
2- Doenças crônicas
Com essas mudanças, o organismo fica mais vulnerável ao desenvolvimento de enfermidades relacionadas ao consumo excessivo de álcool, como cirrose, e de doenças crônicas em que a bebida tem um papel importante, como hipertensão e certos tipos de câncer.
“Muitas pessoas desconhecem que o álcool é um fator de risco significativo para as doenças crônicas”, diz Olivia. “O consumo excessivo pode, por exemplo, dificultar o controle da pressão arterial, aumentando o risco de complicações cardiovasculares. Além disso, pode interferir no tratamento de outras doenças comuns, como diabetes e osteoporose”, explica.
Segundo Cintra, isso vale tanto para aqueles que iniciam o consumo já mais velhos quanto para aqueles que mantêm o hábito ao longo da vida. Para estes, porém, os riscos podem ser ainda maiores. “Quanto maior o tempo de consumo, maior o acúmulo de danos, que acabam se manifestando com o tempo.”
3- Medicamentos
Outro fator que pode ampliar os riscos à saúde é o consumo de álcool em conjunto com medicamentos. A combinação da bebida com tranquilizantes, anti-histamínicos, ansiolíticos, analgésicos ou antidepressivos pode intensificar a sedação, causando tonturas e confusão mental.
Além disso, a mistura pode ser perigosa para aqueles que já fazem tratamento para doenças crônicas. Em pacientes com diabetes, por exemplo, o álcool pode aumentar o risco de hipoglicemia, enquanto em hipertensos pode levar a emergências hipotensivas, especialmente porque alguns deixam de tomar o remédio no horário correto quando estão bebendo.
“A interação pode ocorrer mesmo quando o álcool não é ingerido ao mesmo tempo que o medicamento, já que alguns remédios permanecem no organismo por longos períodos”, lembra Olívia.
4- Risco de quedas
O álcool compromete o equilíbrio, algo especialmente arriscado para pessoas mais velhas, seja por seu efeito direto no sistema nervoso central, seja por condições pré-existentes, como neuropatia periférica, que reduz a sensibilidade dos pés.
“Com o avanço da idade, problemas de equilíbrio são comuns e a ingestão de álcool agrava essa situação, elevando o risco de quedas e suas consequências, como fraturas incapacitantes, a exemplo da fratura no quadril”, ressalta Cintra.
5- Fragilidade dos ossos
Os ossos ficam mais frágeis com o envelhecimento e o consumo excessivo de álcool piora esse quadro porque reduz a absorção de cálcio (mineral essencial para manutenção dos ossos), aumentando o risco de osteoporose e, consequentemente, de fraturas.
“Essas fraturas, especialmente no contexto da osteoporose, têm um impacto grave: podem levar à morte durante a hospitalização ou nos anos seguintes, ou deixar o idoso com incapacidades permanentes, tornando-o dependente de cuidados”, alerta Cintra.
6- Transtornos mentais e cognitivos
De acordo com o Cisa, a ingestão de bebidas alcoólicas é um fator de risco para o início precoce de todos os tipos de demência. Além disso, o consumo excessivo pode alterar circuitos neurais, levando a mudanças no planejamento motor, coordenação motora, equilíbrio, fala, comportamento e funções cognitivas.
Pode ainda haver comprometimento emocional, como quadros de depressão e ansiedade relacionados principalmente a crises de identidade, queda na autoestima e autoaceitação. “Situações comuns no envelhecimento, como solidão, perda de amigos, viuvez e dificuldades relacionadas à aposentadoria, muitas vezes levam as pessoas a recorrerem ao álcool como uma tentativa equivocada de aliviar o sofrimento. No entanto, longe de ajudar, o consumo pode intensificar os problemas emocionais”, alerta a entidade.
7- Calorias ‘vazias’
Já percebeu que muitas pessoas não conseguem comer enquanto tomam bebida alcoólica? Isso ocorre porque esse tipo de produto é rico em calorias. “O álcool é extremamente calórico, fornecendo 7 calorias por grama, mas são ‘calorias vazias’ porque não oferecem os nutrientes essenciais de que o corpo precisa”, explica Cintra.
Por conta dessa característica, pode haver uma falsa sensação de saciedade, fazendo com que a pessoa deixe de consumir refeições balanceadas no café da manhã, almoço ou jantar, além de frutas, proteínas e carboidratos complexos. “O resultado é uma dieta pobre e um estado nutricional deficiente”, alerta o geriatra.
No caso das pessoas mais velhas, a situação é especialmente preocupante, já que possuem maior risco de desnutrição devido a alterações metabólicas e à redução natural do apetite. Em casos mais graves, como no alcoolismo, o cenário se agrava ainda mais.
“É comum que pessoas que consomem grandes quantidades de álcool passem o dia inteiro sem se alimentar adequadamente, substituindo refeições pela bebida. Isso pode levar a um quadro severo de deficiência nutricional e fragilidade, aumentando os riscos para a saúde como um todo.”
8- Sono
O consumo de álcool pode ter um impacto significativo na qualidade do sono, especialmente entre idosos. “Quem consome bebida alcoólica pode até adormecer mais rápido, mas o sono será fragmentado, com maior número de despertares e menos períodos de sono profundo, que é o estágio mais reparador”, afirma Cintra.
O médico destaca que os efeitos negativos do álcool são ainda mais evidentes em quem sofre de distúrbios do sono, como apneia. “O álcool relaxa a musculatura da via aérea superior, o que agrava os episódios de apneia, tornando o sono mais interrompido e menos eficaz. Isso resulta em maior cansaço durante o dia e piora geral da saúde”.
Além de não resolver problemas de insônia, o álcool pode ser, ele mesmo, um causador de distúrbios do sono. “Usar a bebida como solução para dificuldades em dormir é um erro que pode perpetuar e até agravar esses problemas. É fundamental buscar alternativas mais saudáveis, como mudanças no estilo de vida ou acompanhamento médico, para tratar distúrbios do sono de forma adequada”, orienta o geriatra.